A investigação por dumping envolvendo o leite em pó argentino voltou ao centro do debate regional, após o governo da Argentina apresentar uma defesa formal às autoridades e ao setor privado do Brasil, contestando os fundamentos técnicos do processo antidumping em curso.
O documento, ao qual teve acesso a imprensa argentina, sustenta que não há evidências de dano à indústria brasileira causado pelas exportações argentinas e que a apuração desrespeita critérios básicos previstos pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Segundo o texto, toda investigação de dumping deve partir da existência de um produto similar produzido localmente no país importador. No entanto, a Argentina argumenta que há um equívoco central na denúncia apresentada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que utiliza a leite cru como referência de produto similar ao leite em pó, mercadoria efetivamente investigada.
De acordo com o governo argentino, a própria autoridade brasileira responsável pela análise preliminar reconheceu que o produto similar ao leite em pó é o próprio leite em pó. Ainda assim, a CNA teria apresentado apenas dados referentes à produção de leite cru, o que, na visão da Argentina, inviabiliza a comprovação de representatividade mínima, bem como as análises de dano e de nexo causal exigidas pela legislação antidumping internacional.
“No âmbito do processo, não há elementos que permitam estabelecer a existência de uma indústria nacional de leite em pó supostamente afetada”, sustenta o documento, acrescentando que tampouco foram apresentados dados que indiquem prejuízo à produção de leite cru decorrente das importações argentinas.
Ao tratar especificamente do critério de dano e causalidade, o governo argentino afirma que, mesmo considerando a etapa inicial da investigação — quando o leite cru foi aceito provisoriamente como produto similar — não surgiram evidências de que a produção brasileira tenha sido prejudicada pelo leite em pó argentino. Para Buenos Aires, a ausência de dados consistentes compromete todo o arcabouço técnico da apuração.
Em termos comerciais, a defesa também relativiza o peso das exportações argentinas no mercado brasileiro. Com base em dados do Observatório da Cadeia Láctea Argentina (OCLA), o país exportou ao Brasil 178.268 toneladas de lácteos em 2024, totalizando US$ 712,4 milhões. Entre janeiro e outubro de 2025, os embarques somaram 143.491 toneladas, com faturamento de US$ 595 milhões.
Apesar dos volumes expressivos, o governo argentino ressalta que essas importações representam uma parcela marginal do consumo aparente de leite no Brasil, ainda que tenham crescido em termos absolutos. O documento enfatiza que o aumento das compras de lácteos de outras origens foi superior ao registrado no caso argentino, enfraquecendo a tese de que a Argentina teria impacto determinante sobre a indústria local.
Outro ponto destacado é a evolução dos preços internos no Brasil. Segundo a análise apresentada, a indústria brasileira de lácteos conseguiu aumentar seus preços reais nos últimos anos, o que indicaria ausência de contenção de preços causada pelas importações investigadas. Em paralelo, os custos da indústria nacional teriam avançado em ritmo muito superior ao dos preços, pressionando a rentabilidade do setor.
Nesse sentido, a Argentina afirma que a queda de margem observada na cadeia brasileira se explica principalmente pelo aumento real dos custos de produção, e não pelo crescimento das importações de leite em pó. Fatores como condições climáticas adversas, volatilidade dos insumos e redução pontual da oferta local são apontados como causas estruturais do desequilíbrio.
O documento também reforça que o leite em pó é um commodity negociado globalmente, o que limita a capacidade de qualquer país de manipular preços de exportação. Segundo a defesa, os preços internos no Brasil acompanharam a tendência internacional, sem sinais de distorções provocadas pelo produto argentino.
Como exemplo, o governo argentino observa que, em 2023, o preço internacional do leite em pó ficou 14% abaixo do início do período analisado, enquanto o preço de importação no Brasil permaneceu 21% acima. Posteriormente, o valor internacional seguiu 4% inferior ao ponto inicial, ao passo que o preço do leite em pó argentino importado pelo Brasil ficou 16% superior.
Por fim, um relatório recente do OCLA acrescenta contexto ao cenário brasileiro, destacando que o setor enfrenta excesso de oferta e forte pressão baixista nos preços ao produtor. Em novembro de 2025, o preço médio do leite no Brasil caiu para R$ 2,1122 por litro, com retração mensal de 8,31% e queda interanual real de 23,3%. A expectativa é de um recorde histórico de captação industrial em 2025, com 27,14 bilhões de litros, enquanto os custos de produção seguem em alta.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de LA NACION






