A intervenção judicial na SanCor marcou um novo capítulo no longo processo de crise de uma das maiores cooperativas lácteas da Argentina, ao impor um regime de coadministração com amplos poderes de controle e auditoria.
A decisão foi tomada pelo juiz Marcelo Gelcich, responsável pelo concurso de credores da empresa, que tramita desde fevereiro de 2025 no Judiciário da cidade de Rafaela, na província de Santa Fe.
Segundo o despacho judicial, a medida estabelece a nomeação da contadora Lucila Inés Prono como coadministradora judicial por um período inicial de 60 dias, prorrogável conforme a evolução do processo. Embora a empresa não perca formalmente sua direção, o magistrado deixou claro que, a partir de agora, nenhuma decisão com impacto econômico ou contábil poderá ser tomada sem assinatura conjunta da coadministradora.
Na avaliação do juiz, a intervenção judicial não representa uma substituição da gestão, mas sim a necessidade de garantir “controle real e efetivo” diante de falhas consideradas graves na condução do processo concursal. Gelcich ressaltou que qualquer ato realizado sem a participação da coadministradora será considerado nulo, reforçando o alcance prático da decisão.
O magistrado fundamentou a medida em um relatório de dez páginas que reúne observações da sindicatura e do Comitê Provisório de Controle. De acordo com esses órgãos, a SanCor não apresentou informações claras e consistentes sobre o funcionamento de suas plantas industriais, localizadas em cidades como Sunchales, Gálvez e Devoto, nem sobre contratos com terceiros, volumes de produção, estratégias de comercialização e fluxo de caixa.
Ainda segundo os registros judiciais, a ausência de dados confiáveis dificultou a avaliação da real situação patrimonial da companhia e levantou dúvidas sobre a preservação dos interesses dos credores. Para o juiz, esse cenário justificou o avanço da intervenção judicial, amparada pelo artigo 17 da Lei de Concursos e Falências, que prevê a separação da administração em casos de ocultação de bens, omissão de informações ou atos em prejuízo evidente aos credores.
O quadro social também pesou na decisão. O Comitê Provisório de Controle informou que a cooperativa acumula atrasos salariais desde junho de 2025, além do não pagamento integral do décimo terceiro salário. Conforme consta no processo, cerca de 3.800 telegramas trabalhistas foram enviados por funcionários desde a abertura do concurso, exigindo o pagamento de valores devidos.
Além disso, a Justiça registrou denúncias sobre o uso de recibos de salário com dados supostamente falsos, o que poderia caracterizar tentativa de evasão de contribuições previdenciárias. Esses elementos reforçaram, na visão do magistrado, a necessidade de um acompanhamento mais rigoroso da gestão cotidiana da empresa.
A coadministradora designada deverá se apresentar em até 24 horas para aceitar formalmente o cargo. Ela contará com o apoio de até seis auxiliares técnicos, incluindo especialistas em produção leiteira, tecnologia da informação, contabilidade e direito, o que amplia significativamente a capacidade de fiscalização interna da companhia.
Entre as atribuições concedidas pela decisão, Prono terá autorização para ingressar em todos os imóveis vinculados à SanCor, inclusive unidades produtivas e instalações operadas por terceiros, podendo requisitar força policial, solicitar informações à sindicatura e intimar a entrega de documentos por parte da empresa, funcionários ou parceiros comerciais.
O juiz também destacou que a intervenção judicial ocorre em um momento sensível, já que a SanCor enfrenta diversos pedidos de falência. O sindicato Atilra, que representa os trabalhadores do setor, protocolou solicitação de quebra com continuidade da exploração, como forma de preservar postos de trabalho e manter a atividade industrial.
No mercado lácteo argentino, a decisão foi interpretada como um sinal de endurecimento do Judiciário diante da prolongada deterioração financeira da cooperativa. Embora a intervenção não signifique falência imediata, ela restringe severamente a autonomia da empresa e coloca sob escrutínio cada movimento econômico realizado durante o concurso.
Para o setor, o desfecho do caso SanCor segue sendo um termômetro da crise estrutural que afeta parte da indústria láctea regional, pressionada por custos elevados, queda de competitividade e conflitos trabalhistas. A intervenção judicial, nesse contexto, surge como uma tentativa de evitar danos maiores aos credores, trabalhadores e à cadeia produtiva como um todo.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de LA NACION






