Leite/China – Mais de uma década depois do escândalo do leite em pó contaminado na China, que matou seis crianças e expôs a negligência institucional na segurança alimentar, os pais chineses ainda não confiam em empresas locais para alimentar seus bebês.
Isso poderia significar outra mina de ouro para os produtores estrangeiros, à medida que a batalha pelo leite infantil se desloca para as centenas de cidades menores além das metrópoles Xangai e Pequim.
O escândalo do leite de 2008 foi um momento decisivo para os consumidores da China. Cerca de 300 mil crianças foram envenenadas depois que os fornecedores chineses adicionaram melamina para aumentar, artificialmente, os níveis de proteína, uma substância química utilizada para a fabricação de plástico.
No dia 22 de janeiro completou 10 anos que os responsáveis pela contaminação foram condenados à morte. O escândalo alimentou uma nova era de desconfiança do consumidor e a indústria chinesa de fórmulas infantis que fatura US$ 27 bilhões foi remodelada, excluindo as empresas locais.
Embora a regulamentação chinesa sobre a produção de leite em pó esteja dentro dos padrões internacionais, consumidores como Chen Jijie, mãe de dois filhos, dizem que não perdoarão, nem esquecerão. “Eu nem mesmo considerado adquirir marcas domésticas, mesmo 10 anos depois”, diz Chen, que tem um filho de dois anos e um recém-nascido. “O incidente fez com que eu perdesse completamente a confiança em fórmulas infantis de marcas chinesas”.
A participação da Nestlé no mercado de fórmulas infantis quadruplicou desde o escândalo, tornando-se uma líder inconteste, enquanto o faturamento da A2 Milk Co. da Austrália e Nova Zelândia saltou para NZ$ 1 bilhão (US$ 673 milhões). No início da crise o faturamento era de NZ$ 1,5 milhões. Os rótulos do leite estrangeiro ainda são vistos como mais seguros, de melhor qualidade e confiáveis, mas, os fornecedores domésticos estão reagindo, com marcas especializadas e preços baixos. A estratégia é promissora: com apenas um quarto das mães chinesas amamentando, o mercado de leite para bebês deve crescer 21% até 2023, e um faturamento de US$ 32 bilhões, de acordo com o Euromonitor International.
Tanto a Danone quanto a Nestlé concentram-se nas chamadas cidades menores. A Danone está reforçando sua distribuição através do e-commerce, já que há menos lojas de varejo que estocam seus produtos na China rural, enquanto a Nestlé avalia os produtos mais aceitos nessas áreas.
Em um comunicado, a Nestlé disse que escolhe cuidadosamente seus fornecedores de ingredientes. A empresa também criou um estabelecimento de produção de leite no nordeste da China, em 2014, que ajuda os agricultores a produzir leite seguro e de alta qualidade.
Enquanto isso, as indústrias de laticínios chineses estão descobrindo que alguma associação com “vacas” estrangeiras pode ajudar muito a ganhar participação de mercado. Gigantes do leite chinês como a Yili Industrial Group Co. da Mongólia Interior e a China Mengniu Dairy Co., ambas tiveram leite contaminado uma década atrás, estão se apressando em estabelecer parcerias com indústrias estrangeiras na tentativa de conquistar as mães locais.
A Mengniu vende uma linha Premium, fabricada na Nova Zelândia com a marca Milk Deluxe, tendo nos rótulos montanhas nevadas semelhantes aos Alpes.
“Dez anos atrás, todos se sentiam deprimidos e diziam que não havia esperança para a indústria de lácteos da China”, disse Jeffrey Lu, executivo-chefe da Mengniu, em uma entrevista no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na terça-feira. A maioria das marcas locias agora têm cadeias de suprimento internacionais que produzem leite em pó para bebês com marcas globais, disse ele.
Enquanto mais de 90% dos consumidores chineses bebem leite local, Lu admite que é mais difícil – e levará mais tempo – ganhar a confiança das mães chinesas em relação ao leite infantil. “Precisamos tornar a cadeia de fornecimento mais transparente”, disse ele.
“No curto prazo, buscar fontes de leite no exterior é a maneira mais eficaz para as marcas chinesas de leite em pó reconquistar a confiança do consumidor”, disse Luo Yixin, analista de consumo da Hua Tai Securities.
Entre as produtoras chinesas de leite em pó, a única empresa que conseguiu obter uma participação significativa desde o escândalo foi a Feihe International Inc. Em 2017 deteve 8,6% do mercado interno, disse a Euromonitor.
Mesmo assim, o sucesso da Feihe provavelmente está ligado a uma campanha da marca que implicou em uma procedência estrangeira: até 2013 foi listada na Bolsa de Valores de Nova York e denominada American Dairy Inc.
Depois de voltar ao seu nome original chinês, e se tornar privada, a linha de produtos mais vendidos da empresa, a Firmus, enfatiza que o leite é proveniente de vacas do cinturão do leite que vai de Wisconsin, nos Estados Unidos, até Hokkaido, no Japão. Suas vacas, hoje, estão instaladas em Heilongijiang, no nordeste do país.
“As fórmulas domésticas para bebês têm a mais alta qualidade da história e se compara com marcas líderes do mercado global, em termos de tecnologia, equipamentos e gerenciamento”, disse a Faihe em um comunicado à Bloomberg. “Não poupamos esforços para melhorar a tecnologia e o intercâmbio com parceiros internacionais do setor lácteo”.
Os produtos fabricados e embalados no exterior podem ter um preço que é o dobro do leite produzido no país, disse Robin Yuen, analista de consumo da UOB Kay Hian.
Depois do escândalo de 2008, na Austrália e Nova Zelândia, países da Ásia-Pacífico que promovem credenciais agrícolas, abriram um novo canal comercial para a fórmula infantil, a venda pelo correio. De Sydney a Adelaide, os distribuidores abasteceram suas prateleiras de latas para revendê-las com lucro para as mães chineses.
O A2 Milk, com o nome de uma proteína que é selecionada naturalmente, foi lançada como produto top, e a demanda chinesas, hoje, é responsável por 50% das vendas. Não existem sinais de queda na demanda no curto prazo, mesmo depois que a China introduziu controles mais rígidos para a produção, e nem as regras de comércio eletrônico que começaram a vigorar em 1º de janeiro, tornando o segmento mais formal, e passando a ser tributado.
“Temos décadas neste ciclo e ainda estamos no começo”, disse Keong Chan, presidente da AuMake International Ltda, uma empresa de Sydney que atende chineses compradores de produtos australianos, incluindo o A2 Milk em pó. A próxima geração de consumidores de classe média em cidades menores “podem representar um mercado ainda maior do que o primeiro”, disse ele.
Os produtores de fórmulas infantis da China, estão com esperança de voltarem a crescer atraindo os pais mais jovens, e de baixa renda, que não foram tão marcados pelo escândalo da melamina.
Mas, alguns consumidores como Chen, mãe de dois filhos, foram perdidos para sempre, pelas empresas chinesas.
“O critério mais importante da fórmula infantil é ser segura. Eu só escolho marcas internacionais”, disse ela.