O setor leiteiro é de suma importância para centenas de produtores do interior do Estado que, através deste segmento, movimentam a economia local. No entanto, com as chuvas irregulares deste ano, somadas ao quadro de escassez observado no Ceará desde 2011, muitos produtores tiveram redução de faturamento.
Em uma cidade, porém, o investimento em melhoria genética e manejo adequado do rebanho favoreceram o crescimento da bacia leiteira local. Várzea Alegre, no Centro-Sul do Estado, conseguiu aumentar sua produção de leite nos últimos dez anos, passando de oito mil litros para 20 mil litros/dia.
O trabalho realizado por meio da Associação dos Produtores de Leite (Aprovale), que reúne 60 criadores, tornou-se significativo e vem obtendo destaque na região. No Sítio Chico, zona rural do município, o rebanho se alimenta de capim, pastagem nativa que surgiu com as últimas chuvas. Os animais estão nutridos e bem tratados. Mesmo com inverno irregular, os bovinos têm segurança alimentar no campo.
O produtor rural André Fiúza disse que representantes da classe têm implementado novas técnicas de convivência com o semiárido. “No período do inverno, o gado se alimenta no campo, no pasto nativo; e nos meses da seca, a gente tem reserva de milho e sorgo forrageiro armazenados em silos”, explica Fiúza.
Os produtores de base da agricultura familiar têm em média uma renda de um salário mínimo por mês com a venda do leite. “Quando a mão de obra é familiar, existe lucratividade, mesmo que reduzida, pois a pecuária leiteira é ainda considerada uma atividade viável no sertão para a agricultura familiar”, explica Fiúza.
Várzea Alegre já foi conhecida como a terra do arroz, mas devido ao elevado custo de produção do grão e à escassez de água, os agricultores mudaram de atividade e passaram a ser criadores de vacas leiteiras. Nas terras de baixio, a rizicultura deu lugar à pastagem para alimentar os bovinos. Saiu o arroz, entrou o capim.
O técnico em agropecuária, Marcondes Saldanha, diretor da Aprovale, destaca as ações realizadas em combate ao período com poucas chuvas.
“Investimos na atividade por meio de inseminação artificial, projetos com financiamento bancário, aquisição de matrizes de boa qualidade genética”, pontua. “Aumentamos a produção mas, para isso, investimos na qualificação dos criadores”.
Queda na produção
Em alguns municípios do Estado, onde as chuvas são escassas e não há ações efetivas, o que se vê é a queda de produção. Desde o ano passado, a agropecuária leiteira tenta uma solução por meio de reivindicações apresentadas aos governos estadual e federal, mas sem resposta efetiva. Representantes da cadeia produtiva do leite voltaram a discutir a crise que se abate sobre o setor na Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec).
“Houve um incentivo para se aumentar a produção, mas não ocorreu um estudo da cadeia produtiva, incluindo os criadores, o setor industrial e o varejo”, alerta o presidente do Sindicato Rural de Quixeramobim e diretor regional da Faec, Cirilo Vidal.
Dentre as reivindicações apresentadas ao Governo do Estado há a necessidade de adoção de uma política fiscal que contemple a revisão da atual pauta dos derivados lácteos importados de outros estados e de outros países, que impactam e concorrem com os produtos locais, como também a isenção total do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do leite e seus derivados produzidos no Estado.
“Essa medida já é adotada por alguns estados nordestinos, de modo a retomar a competitividade da cadeia láctea do Ceará”, reitera Vidal.
O esforço da comissão mista que discute melhorias para o setor visa implantar um programa de valorização dos produtos cearenses para que haja um aumento do consumo beneficiando o produtor rural, e ainda, promover tecnologias no campo para reduzir custos de produção.
O preço pago ao produtor e os custos de produção são os dois principais entraves. No Ceará, R$ 1,00 é valor médio pago pelo litro de leite, segundo cota estabelecida pelas indústrias, mas o preço pago pelo excesso produzido é de apenas R$ 0,70. O preço médio, no Brasil, pelo litro de leite é de R$ 1,40.
A maior parte do componente da ração para alimentação dos bovinos é o milho, cerca de 60%. Em Mato Grosso, os produtores compram o grão de forma antecipada e pagam apenas R$ 20,00 pela saca de 60kg. No Ceará, a mesma quantidade custa mais de R$ 50,00.
Para Vidal, o setor precisa ser reestruturado. “Se a crise atual persistir, muitos produtores vão sair da atividade”, observa. Segundo ele, os pequenos criadores são os mais atingidos pelos elevados custos de produção.
Uma das ideias debatidas é a possibilidade de produção própria da maior parte do alimento fornecido aos animais. “Precisamos produzir palma forrageira, mandioca e leguminosa em substituição ao milho e à soja, que têm preços elevados”, defende Vidal.
Para isso, é preciso dar mais orientação técnica aos criadores e ao segmento da agricultura familiar a partir da implantação de novas tecnologias de produção. “Temos de produzir de 60% a 70% do que a vaca come”, pontuou Cirilo.
Concorrência
José Antunes Mota, presidente da Câmara Setorial do Leite da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece),lembra que houve um aumento da produção de leite no Estado, no atual período de chuvas, mas caiu o consumo e as indústrias passaram a comprar leite em pó de países como Uruguai e Argentina.
“Tudo isso tem prejudicado o produtor na ponta”, diz. “Houve aumento de produção, aquisição de modernos equipamentos, mas não se trabalhou a comercialização e nem a industrialização, levando muitos pequenos lacticínios à falência, em Quixeramobim, Monsenhor Tabosa, Senador Pompeu, Crateús, Tauá e Eusébio”, completa.
Várzea Alegre não faz parte desse cenário porque se conseguiu produzir a alimentação dos animais. A medida barateou os custos e com a economia foi possível investir na qualidade do rebanho.
O produtor rural de Várzea Alegre, João Maurício, destaca que o trabalho começou há mais de uma década e, atualmente, colhe os resultados dos investimentos.
“As vacas dão em média 25 quilos de leite por dia graças à melhoria genética feita por inseminação artificial”, explica. “Enfrentamos dificuldades, escassez de água, mas vencemos e esperamos que as chuvas sejam mais intensas neste ano”, conclui.