Fernando Gomes / Agencia RBS
Tozetto, da Optim, empresa que desenvolve redes de comunicação entre softwares e sensores espalhados pelas fazendasFernando Gomes / Agencia RBS

Desde a infância, Elias Sgarbossa vivencia a dura rotina do campo na propriedade da família, em Passo Fundo. Antes do amanhecer, ele, as três irmãs e os pais se acostumaram a preparar os extratores para tirar leite da vaca e cuidar da manutenção de teteiras e tanques de armazenagem. Uma etapa, entretanto, era particularmente penosa: a limpeza diária dos equipamentos.

A família precisava esquentar no fogão um tanque de água a 70ºC, e então colocá-la cuidadosamente no dispositivo que conecta as ordenhadeiras. As queimaduras – causadas também pelo manuseio de produtos químicos – eram constantes. O resfriador de leite, uma caixa com as dimensões maiores que uma geladeira, tinha de ser limpo todo dia à escovinha.

– O trabalho nos tomava quase uma hora todos os dias, e nem sempre ficava tão bom, já que era difícil dosar o detergente e manter a água aquecida – lembra Sgarbossa.

A limpeza manual doía também no bolso. Como a higienização é essencial para reduzir a quantidade de bactérias e aumentar o preço do leite, as falhas nesse processo derrubam o valor do produto. Disposto a melhorá-lo, o garoto, então com 19 anos, matriculou-se no curso de Engenharia Elétrica da Universidade de Passo Fundo (UPF). Ao longo do curso, pesquisou mecanismos para automatizar a cadeia do leite. Sua grande descoberta, contudo, veio no trabalho de conclusão, em 2016.

Elias projetou um dispositivo que pode ser plugado nas ordenhadeiras e fazer automaticamente toda limpeza. O aparelho controla a temperatura da água, dosa os químicos e verifica o funcionamento de válvulas e sensores. Apertando um botão, o agricultor pode fazer toda limpeza que antes demandava esforço humano.

Fernando Gomes / Agencia RBS
Elias automatizou propriedade da famíliaFernando Gomes / Agencia RBS

– Testamos a novidade na propriedade da família e vimos que a quantidade de bactérias se reduzia em até 95%, e o desperdício de detergente caía drasticamente – orgulha-se ele. – Sem contar o fim das queimaduras…

Elias foi convidado a aprimorar a ideia na incubadora da UPF, localizada no Parque Científico e Tecnológico da universidade (UPF Parque). A inovação foi patenteada no Brasil e no Uruguai, e logo foi iniciada a montagem dos equipamentos. A empresa fundada pelo engenheiro, a Z2S, foi considerada uma das três startups de leite mais promissoras no evento Ideas For Milk, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 2018. Naquele mesmo ano, ocorreram as primeiras vendas do sistema automático de limpeza de ordenhadeiras – vendidos a R$ 12 mil cada.

Celeiro de inovadores

A crença de que o agronegócio absorverá cada vez mais tecnologia tem levado instituições de ensino superior de Passo Fundo a redobrarem os esforços para estimular a inovação entre os alunos. A Imed, por exemplo, adotou a disciplina de empreendedorismo em todos os cursos, com foco em tecnologia. A proposta é que os estudantes de áreas como veterinária, engenharias e medicina agreguem ao conhecimento técnico uma visão de negócios – o que tem feito emergir diversas boas ideias para inovar no campo.

Fernando Gomes / Agencia RBS
Marcelo Tonin, do Imed, fez aplicativo para criadoresFernando Gomes / Agencia RBS

Um dos projetos foi lançado por sete alunos da veterinária neste ano. Trata-se de um app que automatiza o controle das vacinas, a distribuição de ração e o histórico de doenças e de reprodução em animais de propriedades rurais.

– Todo esse controle ainda é feito com papel e caneta, e muitas vezes os pecuaristas deixam de registrar informações cruciais sobre a saúde ou a produtividade dos animais – explica Marcelo Tonin, 22 anos, aluno da Veterinária e filho de produtores de leite da região.

O aplicativo já tem uma versão prévia, que agora os colegas começam a testar e a adaptar a eventuais demandas dos pecuaristas. A expectativa é transformá-lo em uma startup e instalá-la na incubadora da Imed, que hoje atende a 23 empresas de diferentes setores. Se o projeto avançar, Tonin e os colegas esperam faturar alto com a venda de licença de uso à rica cadeia do leite da metade Norte do Estado.

Marcelo entrou na veterinária disposto a atender em clínica, desejo que não deixou de lado. Mas, após aprender sobre gestão, negócios e, principalmente, inovação, diz ter despertado seu ímpeto empreendedor. Agora, quer mesclar a administração e as vendas do aplicativo com o atendimento aos animais.

— Com o aplicativo, consigo mais um meio para levar atenção veterinária às propriedades rurais — diz.

Agro no DNA

A força do agronegócio na economia de Passo Fundo tem levado a cidade a revelar várias startups como a Z2S, que se propõem a resolver problemas nas propriedades rurais. Ao se formarem em cursos como engenharias, ciências da computação e veterinária, muitos dos jovens que cresceram no campo passam a desenvolver tecnologias para automatizar a agricultura e a pecuária – e faturam alto vendendo-as para agricultores, indústrias e cooperativas.

– O agronegócio está no DNA da região, mas boa parte das propriedades ainda produz de forma bem tradicional – explica Giezi Schneider, executivo da rede de inovação Conecta UPF, que engloba o UPF Parque. – Toda tecnologia que ajude a aumentar a produtividade costuma ser muito bem-vinda.

Fernando Gomes / Agencia RBS
Giezzi, da UPF: agronegócio no DNA da regiãoFernando Gomes / Agencia RBS

O papel da incubadora da UPF é crucial neste movimento. Alunos recém-formados e com boas ideias podem receber ajuda para formalizar o negócio e registrar suas tecnologias. Em laboratórios com computadores modernos e servidores potentes, testam softwares e aplicativos. Com apoio das faculdades politécnicas, startups conseguem pesquisar e, por vezes, desenvolver peças e equipamentos.

– As empresas ficam próximas umas às outras, trocam experiências e firmam parcerias. É um ecossistema favorável para que possamos efetivamente transformar pesquisas em produtos inovadores – afirma Ricardo Tozetto, um dos diretores da Optim, empresa incubada que desenvolve redes para comunicação entre softwares e sensores espalhados por propriedades rurais.

Mesmo grandes empresas agrícolas da região do Planalto Médio têm instalado bases no parque para perseguir a inovação. No ano passado, a fabricante de máquinas agrícolas Stara, do município de Não-Me-Toque, abriu no UPF Parque um escritório com cinco colaboradores. Ele têm a missão de criar softwares e aplicativos que auxiliem os clientes a utilizarem melhor seus tratores, distribuidores, pulverizadores e as plantadeiras.

Fernando Gomes / Agencia RBS
Andrei, da Stara: longe do QG para inovarFernando Gomes / Agencia RBS

Nessa base nasceu, por exemplo, um aplicativo que mostra ao agricultor quais bicos do pulverizador acionar para cada tipo de plantio, evitando desperdício de herbicidas e fertilizantes. Um novo app, cujo lançamento é programado para 2020, mostrará ao agricultor, pelo celular, informações em tempo real sobre suas máquinas: temperatura do motor, distância percorrida, localização e índice de produtividade.

A experiência em Passo Fundo deve ser ampliada em breve, com o desenvolvimento de tecnologias para serem embarcadas nos painéis das máquinas agrícolas.

– A vantagem de estar em um ambiente fisicamente longe da matriz é que podemos criar sem que a rotina nos consuma e nos leve a adiar alguns projetos inovadores – avalia o engenheiro de produto da Stara Andrei Pacheco, responsável pela unidade no UPF Parque.

Ambiente de Inovação

UPF Parque

O que é
Parque Científico e Tecnológico da Universidade de Passo Fundo (UPF)

Qual a importância
Reúne empresas tecnológicas em fase inicial ou já consolidadas, e as aproxima de pesquisadores e laboratórios de ponta. Impulsiona muitas das empresas que têm ajudado a modernizar o agronegócio na região.

Quantas pessoas participam do projeto
São 130 funcionários ligados a 13 empresas instaladas no parque e oito incubadas.