Se não criar uma política de Estado para a cadeia produtiva do leite, o Brasil terá um aumento acentuado da pobreza e do desemprego no campo.

Se não criar uma política de Estado para a cadeia produtiva do leite, o Brasil terá um aumento acentuado da pobreza e do desemprego no campo. A persistir o atual cenário de desamparo do setor, que enfrenta problemas de infraestrutura da porteira para fora, de altos custos de produção e de falta de previsibilidade do preço pago ao produtor, além da concorrência internacional, a perspectiva é que cerca de 400 mil famílias sejam forçadas a abandonar a atividade nos próximos 10 anos.

O alerta foi feito durante a audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados que debateu, no último dia 29, a situação da cadeia de lácteos e os reflexos dos acordos comerciais com a China e do Mercosul com a União Europeia. Os participantes foram unânimes ao apontar a necessidade de o país se tornar competitivo para que possa aumentar as exportações de lácteos. No entanto, sublinharam, a competitividade depende muito de políticas públicas de apoio ao setor.

Um dos participantes da audiência – convocada pelos deputados Celso Maldaner (MDB-SC) e Jerônimo Goergen (PP-RS) –, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges, enfatizou que o país precisa resolver problemas internos para se tornar mais competitivo e, consequente, um grande exportador de lácteos. “Hoje, não temos energia elétrica que funcione nas propriedades nem vias de acesso para coleta e captação de leite.”

Para Geraldo Borges, tornar o setor de lácteos competitivo não é essencial apenas para a disputa no mercado externo, mas também para evitar uma catástrofe no campo. Essa cadeia, sublinhou, tem enorme importância socioeconômica por reunir quase 1,2 milhão de produtores. Sem o apoio do governo, advertiu, a tendência é ela que passe a gerar desemprego na zona rural. “E já temos mais de 12 milhões de desempregados no país.”

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Geraldo Borges, presidente da Abraleite – Youtubebe/Reprodução

 

“Boa vontade do governo”

O presidente da Abraleite ressaltou ainda que os últimos governos não se preocuparam em fortalecer o setor. Desde que foram criadas as tarifas antidumping do leite, em 2001, revogadas no começo de 2019, nada foi feito para que a cadeia não precisasse mais de medidas protetivas, observou. “Queremos contar com a boa vontade deste governo, mas quase um ano já se passou [e nada foi feito também].”

Embora reconheça a importância da abertura de mercados para o leite, Geraldo Borges reforçou que o Brasil precisa estar preparado para competir. “A abertura do mercado chinês correu no meio do ano e até agora não exportamos nada de leite em pó.” Quanto ao acordo Mercosul-UE, ele considerou o tratado de livre-comércio mais sensível, porque o leite europeu que poderá entrar no Brasil vai se somar ao que já é importado da Argentina e do Uruguai.

Ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e ex-presidente da Conab, Benedito Rosa do Espírito Santo foi enfática na defesa de uma política para o setor leiteiro. O mercado mundial de lácteos, lembrou, tem suas peculiaridades e é muito protegido, seja por meio de subsídios ou de barreiras comerciais. Isso, assinalou, reflete a importância socioeconômica da cadeia, que gera emprego do campo à cidade.

“A China, que não é grande produtora de leite, tem política de Estado para o setor. O Uruguai tem o Instituto Nacional do Leite, e a Argentina, a Secretaria Nacional do Leite”, disse Benedito Rosa. “O Brasil, terceiro maior produtor mundial de lácteos, tem um bom trabalho na Embrapa e uma boa fiscalização. E só. No Ministério da Agricultura, não tem nem com quem conversar [sobre leite]. Lá, não tem nem uma seção de leite.”

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Ex-secretário do Mapa Benedito Rosa prevê encolhimento do setor – Youtube/Reprodução

Mercado institucional

Uma política para o setor de leite é indispensável, afirmou o ex-secretário do Ministério da Agriculta, para resolver problemas que vão além das questões tributárias. “Temos uma relação pré-capitalista nessa cadeia”, observou, ao citar que pecuaristas entregam o produto aos laticínios e só 50 dias depois ficam sabendo quanto vão receber. “E o governo não faz nada em relação a isso.”

Para Benedito Rosa, a cadeia produtiva do leite, que já chegou a ter 1,85 milhão de pecuaristas e hoje tem 1,2 milhão, terá um forte encolhimento. “Infelizmente, pelo menos 400 mil produtores devem deixar a atividade nos próximos 10 anos.”

Ao mesmo tempo, o ex-secretário do Ministério da Agricultura lamentou que o Brasil dê pouco importância ao mercado institucional para o leite. Afinal, são mais de 5 mil municípios, além da União e estados, que poderiam comprar o produto para incluir na merenda escolar e em refeições de outras instituições públicas.

Integrante do Movimento Construindo Leite Brasil, o pecuarista gaúcho Joel Dalcin salientou que a audiência pública deixou claro a importância de o governo federal ouvir os produtores para ter a real dimensão da situação do vivida pelo setor leiteiro.

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Joel Dalcin: Ministério da Economia tem que olhar para os produtores de leite – Divulgação

Impacto socioeconômico

“Nesse sentido, as participações do presidente da Abraleite, Geraldo Borges, e do ex-secretário Benedito Rosa foram importantes, porque expuseram uma preocupação central: o impacto socioeconômico que atual situação de desemparo do produtor de leite pode vir a ter nos próximos anos na zona rural.”

Joel Dalcin assinalou ainda que a ministra Tereza Cristina (Agricultura) tem procurado apoiar o setor, mas até agora isso não se refletiu em políticas públicas que possam reduzir os custos de produção, eliminar as assimetrias com os países concorrentes e regular a cadeia, especialmente as relações entre produtores e laticínios.

“Esperamos mais do governo Bolsonaro, que sempre tem se mostrado um aliado do setor rural. Precisamos de um comprometimento maior do Ministério da Economia, porque a solução para muitos de nossos problemas passa por lá”, disse o produtor gaúcho.

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