Um retrato fiel da realidade dos produtores gaúchos de leite entre os anos de 2015 e 2019, marcados pela falta de políticas públicas efetivas, o que mostra o descaso com que o setor é tratado pelo poder público.

 

Um retrato fiel da realidade dos produtores gaúchos de leite entre os anos de 2015 e 2019, marcados pela falta de políticas públicas efetivas, o que mostra o descaso com que o setor é tratado pelo poder público. Assim, o Movimento Construindo Leite Brasil avalia o Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite do Rio Grande do Sul, referente a 2019 e elaborado pela Emater/RS.

O documento, produzido a partir de dados coletados em 100% dos 497 municípios do estado, entre 20 de maio e 30 de junho deste ano, mostra que a pecuária leiteira gaúcha perdeu cerca de 46 mil produtores entre 2015 e 2019, caindo de 198.452 para 152.489, redução de 23,16%.

Ainda conforme o relatório, o número de pecuaristas que vendem leite para indústrias, cooperativas ou queijarias e os que processam a produção em agroindústria própria legalizada teve redução de 33.535, saindo de 84.119, em 2015, para 50.664, em 2019.

A produção de leite no RS em 2019, revela o levantamento, alcançou 4,27 bilhões de litros – desses, 91,86% (3,9 bilhões de litros) foram destinados à indústria. No entanto, o estado já produziu mais: em 2015, foram 4,58 bilhões de litros e 4,47 bilhões de litros em 2017.

“Esse é o resultado da falta de política pública para defender o produtor de leite no país. O leite sempre fica em segunda plano. É um descaso total”, diz o produtor Joel Dalcin, do município de Doutor Maurício Cardoso e um dos coordenadores do Movimento Construindo Leite Brasil.

Dificuldades dos produtores gaúchos

Entre os problemas enfrentadas pelo setor no RS, estão a carência ou deficiência de mão de obra para apoiar a produção na propriedade, o descontentamento em relação ao preço do leite pago ao produtor, a falta de descendentes ou desinteresse deles na atividade e a deficiência na qualidade do leite.

O estudo relaciona outros entraves: dificuldades em atender as exigências das indústrias; reduzida escala de produção; pequeno tamanho ou inaptidão da propriedade à atividade, restrição no fornecimento de energia elétrica, precariedade das estradas para coleta do leite, desinteresse das indústrias de adquirir leite e problemas no acesso ao crédito.

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Joel Dalcin: “Ninguém mais tem coragem de investigar no setor de leite – Foto: Arquivo pessoal

“Tecnificação e outras medidas são necessárias para melhorar a produção e o rendimento da propriedade, mas não se tem mais margem de lucro e ninguém mais tem coragem de investir”, assinala Dalcin, enfatizando que os números do relatório traduzem a situação preocupante vivida pelo produtor.

“As dificuldades começam pela precariedade do fornecimento de energia elétrica. Muitos produtores não têm condições de investir em gerador de energia e acabam tendo prejuízo”, acrescenta o produtor Alberto Rafael Hermann, também coordenador do Movimento Construindo Leite Brasil.

“Além disso, há falta de diálogo das indústrias com os produtores de leite. Algumas empresas às vezes nem enviam técnicos para acompanhar e orientar os produtores nas propriedades rurais”, queixa-se Rafael, morador do município de Boa Vista do Cadeado.

Rafael conta que há outra situação preocupante no RS. “Como se não bastassem todos esses problemas, alguns laticínios não estão pagando o leite que compram dos produtores. Esse é o caso da Cooperativa Consulati, de Capão do Leão, que está em recuperação judicial e não paga a maioria dos produtores há cinco meses. Como uma família vai se manter sem receber por tanto meses e ainda entregando o leite?”

Rentabilidade baixa; custo de produção alto

Segundo Rafael, a baixa rentabilidade nas propriedades e o alto custo de produção estão impossibilitando os produtores de se manter no setor. “A margem de lucro é apertada, é inviável sobreviver do leite. Por isso, muitas famílias migram para outra atividade ou vão para as cidades buscar trabalho num mercado apertado.”

“Eu mesmo”, relata, “tinha mais de 100 animais em lactação, em 2009, mas tive que vender tudo devido à falta de energia elétrica e a dificuldade de investir, à época, em um gerador. Isso me levou à falência e hoje tenho pouco mais de 20 vacas. De jeito que estamos, sem políticas públicas para o setor leiteiro, é difícil crescer.”

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Alberto Rafael Hermann: “Falta diálogo das industrias com o produtor” – Foto: Arquivo pessoal

“Mais impostos, menos políticas públicas”

“O que se tem é cada vez mais impostos e menos comprometimento dos políticos”, emenda Dalcin. “O que mais se vê é produtor indo aos bancos para buscar crédito, porque não tem capital próprio para poder investir, e o endividamento cada vez maior.”

De acordo com Dalcin, não há nenhuma melhoria para o produtor. “E é justamente para lutar por melhorias que existe o Movimento Construindo Leite Brasil. Somos mais uma voz em defesa do produtor de leite para buscar o comprometimento das autoridades, a fim de que este quadro não se agrave ainda mais.”

“Quando falamos na necessidade de políticas públicas, estamos dizendo que isso deve envolver municípios, estados e União. Se os governos tivessem nos apoiado nos últimos anos, não teria ocorrido esse grande abandono da atividade leiteira no Rio Grande do Sul. O leite é um alimento fundamental, e o produtor precisa ser respeitado”, afirma Rafael.

Dalcin assinala ainda que o relatório é importante porque os números não deixam dúvidas sobre o cenário desolador da cadeia leiteira. “É evolução na marra. E o produtor que se ferre. Quem não pode acompanhar, é excluído. Que se vire. É a triste realidade”, desabafa, lembrando que na sua vizinhança havia 12 pecuaristas de leite. Restam três – ele é um deles.

Em outubro, as importações chinesas de produtos lácteos caíram novamente, totalizando 16 meses consecutivos no vermelho. A queda em volume dessa vez foi de 11%

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