País já concentrou 13% das exportações brasileiras, mas perdeu participação nos últimos ano
Em 2016, o Brasil exportou mais de 56 mil toneladas em produtos lácteos. Com cerca de 7 mil toneladas, a Arábia Saudita foi o segundo principal destino das exportações brasileiras naquele ano, concentrando 12% de leite e derivados, só atrás da Venezuela.
No ano seguinte, o índice foi de 11%. Mas, nos últimos dois anos, essa participação caiu para praticamente 0%, com apenas 222 quilos exportados em 2018 e 541 em 2019. Desde a semana passada, entretanto, o setor tem se movimentado para reverter esse cenário.
De acordo com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que visitou a Arábia Saudita em setembro de 2019, o Brasil recebeu uma proposta de certificado de exportação baseado em um documento já entregue ao país.
“Já colocamos em consulta para os empresários o certificado que veio. Nós recebemos da Arábia Saudita, mandamos um, eles fizeram as correções, o que eles gostariam a mais, e nós colocamos para o setor privado”, afirmou a ministra durante videoconferência organizada pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB).
Sem entrar em detalhes, a ministra apontou que os importadores sauditas exigiram análises e testes de laboratório que implicam custos ao setor. “A iniciativa privada está trabalhando isso e assim que tivermos a respostas teremos esse certificado para que possamos
fazer as exportações de lácteos”, apontou Teresa Cristina.
Negociações
Consultada, a Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos) afirmou que a avaliação sobre o protocolo está a cargo do Ministério da Agricultura. Segundo dados da FAO, as importações sauditas de lácteos somaram 1,65 milhão de toneladas em 2017.
“O que o setor privado tem feito é demonstrar interesse, uma vez que o país é demandante por lácteos e estratégico”
Marcelo Costa Martins, diretor-executivo da Viva Lácteos
Entre os pedidos enviados ao governo, ele destaca que o setor tem solicitado que o Certificado Sanitário Internacional (CSI), a ser assinado entre as autoridades dos dois países, “siga os requisitos dispostos nos atuais regulamentos técnicos dos países, de forma que se possa garantir a inocuidade e qualidade dos produtos”. “Acreditamos que negociação avançará nesse sentido”, avalia Martins.
Mudanças
Entre possíveis pontos a serem revistos na renovação dos protocolos de exportação para o país estão as mudanças regulatórias ocorridas no Brasil, com o início da vigência das Instruções Normativas 76 e 77.
As novas normas impuseram padrões mais rígidos nos indicadores de qualidade do leite brasileiro, aproximando-os dos usados por grandes exportadores internacionais. “Foi um marco bastante importante e que os países importadores estão olhando com bastante atenção”, afirma o presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, Ronei Volpi.
Antigo cliente
Segundo a Viva Lácteos, de 2015 a 2019, o Brasil embarcou 17,53 mil toneladas de produtos lácteos para a Arábia Saudita, especialmente de leite condensado, com um faturamento de US$ 34,7 milhões.
“Percebe-se, com isso, que se trata de um mercado significativo e que há motivações do setor privado nacional para a retomada dos negócios”, reconhece o diretor-executivo da entidade. Em 2019, as exportações para o país somaram 541 toneladas ante um total de 24,7 mil toneladas exportadas pelo Brasil.
O analista técnico econômico agropecuário da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Fernando Pinheiro, ressalta que a perda de participação da Arábia Saudita nas exportações brasileiras de lácteos ocorreu paralelamente à queda das vendas internacionais do Brasil como um todo.
“O Brasil viveu um surto nas exportações na primeira década, entre 2006 e 2008. Nesse período, vendemos bastante leite em pó e leite condensado e o Oriente Médio era um destino forte. Depois, essa questão diminuiu bem, mas mais por razões conjunturais”
Fernando Pinheiro, analista técnico econômico agropecuário da OCB
Segundo ele, o período coincidiu com um momento de preços internacionais aquecidos devido a uma menor oferta mundial, o que tornava o produto brasileiro competitivo. “Depois que o nosso mercado interno se consolida, com o real mais valorizado e mercado internacional normalizado, nossas exportações caem bastante”, relata Pinheiro.
A situação lembra os dias atuais, quando há dúvidas em relação aos impactos do coronavírus sobre o mercado mundial e o dólar é cotado em patamares recordes, acima de R$ 5.
“A indústria, nos últimos anos, não teve um interesse em buscar o mercado internacional, já que as condições do mercado interno estavam melhores. Agora, com a atual situação e com o que deve acontecer daqui para frente após o coronavírus, esse quadro muda totalmente,
a começar pelo câmbio”, concorda Volpi.
Para os produtores, a abertura viria em um “ótimo momento”. “Seria uma alternativa para ajudar a cadeia produtiva daqui pra frente, já que é possível haver uma queda na demanda, principalmente por produtos lácteos de maior valor agregado, como queijos mais finos”, reconhece o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo de Carvalho Borges.
Oportunidades
Além do leite condensado, que já foi largamente exportado pelo Brasil para a Arábia Saudita, a Viva Lácteos aponta a possibilidade de incluir outros produtos na pauta de exportações para a Arábia Saudita, como queijos, leite em pó e manteiga.
“Desta forma, acreditamos que se trata de um mercado promissor e que o mesmo pode agregar muito ao setor produtivo de lácteos brasileiro”, afirma Martins. O país também é considerado estratégico por ser destino importante para as exportações brasileiras de proteína animal, aproveitando a estrutura logística de câmaras frias já existente.
“A Arábia Saudita é um cliente interessante até mesmo por serem importadores de carne brasileira. Isso permite fazer a divisão do envio de produtos em cargas refrigeradas e viabilizar a logística”
Fernando Pinheiro, analista técnico econômico agropecuário da OCB
Ele ressalta que as regiões exportadoras de proteína animal, como Santa Catarina e Paraná, têm conseguido obter índices de produtividade próximo de grandes exportadores mundiais, como Europa, Argentina e Uruguai.
“Nessas regiões, costuma haver um custo logístico menor, com indústrias modernas, e elas evidentemente têm uma competitividade melhor para entrar no mercado internacional”, explica o analista.
Queijos na pauta
Com isso, Pinheiro aponta os queijos nacionais como favoritos na pauta de exportações para o país, dado o maior valor agregado e a crescente demanda internacional.
“Alguns queijos finos, de massa pura, a gente já tem ganhado algum mercado. São produtos que temos que ter muito carinho. Já que não conseguimos ser competitivos no leite em pó, que é uma commodity básica, com produtos de maior valor agregado podemos ter um desempenho melhor”, avalia Pinheiro.
Em 2019, as exportações brasileiras de queijo somaram 3,45 mil toneladas, segundo dados do Ministério da Agricultura. Embora o volume tenha ficado 4% abaixo do registrado em 2018, representa crescimento de 15% ante as cerca de 3 mil toneladas exportadas em 2016.
Desafios na retomada
O presidente da Abraleite ressalta que a exportação de lácteos para o Brasil é uma necessidade antiga do setor que tem ganhado maior espaço desde o ano passado, com a abertura do mercado egípcio e a habilitação de 24 plantas para o mercado chinês.
“A Arábia Saudita é um grande mercado e o Brasil precisa ampliar as exportações, variando os destinos, como é o caso do mercado árabe”
Geraldo de Carvalho Borges, presidente da Abraleite
Essa retomada, contudo, ainda enfrenta desafios impostos tanto pelas circunstâncias comerciais, quanto pelas limitações da cadeia produtiva no Brasil. “Abrir mercado é bom, mas temos que trabalhar pra vender. Só abrir não significa aumento das exportações”, adverte Pinheiro. Segundo ele, o país conta atualmente com algumas regiões com condições de competitividade para operar no mercado internacional.
“O Oriente Médio é uma região onde que há muita competição e que, historicamente, possui preços mais competitivos”, observa o analista técnico da OCB. Entre os competidores brasileiros na região, estão países como a Nova Zelândia, cuja produtividade média do rebanho registrada em 2017 foi de 4,3 toneladas de leite por lactação, mais que o dobro da média brasileira, de 1,96 tonelada por lactação.
Do lado da demanda, Volpi lembra que as circunstâncias macroeconômicas geram dúvidas sobre o futuro da demanda saudita.
“A Arábia Saudita sempre nadou de braçada em relação ao petróleo, e a situação atual é totalmente adversa. Então, não sei até que ponto eles vão ter alguma dificuldade na questão cambial e de reservas para poder trabalhar mais forte as importações”
Ronei Volpi, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA
O petróleo é o principal produto de exportação do país e acumula desvalorização de mais de 60% no mercado internacional. “Mesmo nos países que estão saindo da pandemia, o retorno do mercado não passa de 60% a 65% do volume que era antes”, destaca Volpi.
Com isso, o presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite avalia que a retomada dos embarques pode levar mais tempo, já que envolve a revisão dos regulamentos para cada produto – processo que tende a demorar em contextos de menor crescimento econômico.
“Existe que aspecto que não é tão técnico, que é o da oferta e procura. Se está havendo grande procura, as coisas evoluem mais rápido. Se a demanda não é tão grande, isso é mais devagar”, lembra Volpi.