Causou indignação entre a base produtora da cadeia de leite a nota divulgada por nove entidades ligadas à indústria láctea, na última sexta-feira (23), alertando que o setor está à beira do colapso. As indústrias atribuem as dificuldades à queda de consumo com a redução do auxílio emergencial na pandemia, à alta dos insumos de produção, particularmente pelo valor do leite pago ao produtor, e ao aumento de preços no varejo. No comunicado, afirmam que a solução para a crise “passa pelo compartilhamento do sacrifício” com os produtores, varejo e o governo”. Neste sábado (24), os produtores de leite divulgaram manifesto em resposta aos laticínios, no qual dizem esperar um posicionamento das federações estaduais e associações representativas do setor primário.
Abaixo, a íntegra da nota dos produtores de leite, assinada pelos movimentos de base dos produtores de leite Construindo Leite Brasil, Inconfidência Leiteira, Aliança e Ação, União e Ação e Aproleite Goiás:
“Inversão de valores
Produtores de leite de todo país querem acreditar que as federações estaduais do setor primário e as associações, de maneira uníssona, se manifestem e nos defendam com a mesma proporção, colocando-nos em pé de igualdade contra os absurdos retratados na nota divulgada pelas indústrias do setor lácteo pedindo apoio para enfrentar a crise no mercado lácteo, mas massacram os produtores de leite, emparedam o governo e preparam a narrativa para o consumidor e a sociedade.
Na verdade, revela a verdadeira face de um mesmo comportamento abusivo que se tornou recorrente, usando-nos como moeda de troca ou ameaça ao governo para que terem mais privilégios, que se traduzem em programas governamentais e incentivos fiscais que beneficiem as indústrias. Com isso, preparam-se para baixar os preços a serem pagos aos produtores pelo leite já entregue e alarmam o consumidor, eximindo-se de qualquer culpa pelas atitudes que venham tomar ou suas consequências negativas. Uma verdadeira engenharia social e de informação que esconde um sistema perverso programado para o produtor nunca ganhar.
O consumidor e a sociedade brasileira não têm ciência do processo de servidão comercial a que a classe produtora de leite está submetida há décadas. Normalmente, famílias que trabalham acima de 18 horas diárias, 365 dias do ano, sem qualquer possibilidade de parar, entregando o leite cru ou in natura, perecível, não podendo doar nem jogar fora. Pior: sem saber quando e nem quanto receberão pelo produto, sem qualquer segurança jurídica.
A produção de leite envolve muitos colaboradores, fornecedores e prestadores de serviços, riscos em um processo nos quais os animais e as plantas devem ser tratados da melhor forma, com ciência e tecnologia.
Temos que, num esforço conjunto, reposicionar o produtor de leite brasileiro em pé de igualdade diante dos demais elos, arejando os ambientes e participar efetivamente das pautas, das soluções, das estratégias e dos endossos. Precisamos lucrar e garantir margem de lucro que nos permitam ter recursos necessários no exato momento da necessidade de sua aplicação. De forma contrária, podemos comprometer a saúde financeira e a sobrevivência das propriedades produtoras, o que trará enorme consequências sociais e econômicas aos municípios.
Os laticínios que divulgaram a nota têm maior idade, mas não se libertaram das velhas práticas. Imaturos nas soluções e na gestão dos riscos não trabalham de forma preventiva com estratégia que vise o processo no qual todos deveriam ganhar, numa visão holística da cadeia láctea brasileira (leite brasileiro).
Acostumados a serem financiados pelos produtores de leite no modelo comercial imposto há décadas no cangote da atividade primária da produção de leite cru, de buscarem benesses governamentais, utilizando-se do chapéu alheio do produtor de leite com as narrativas que mais parecem ameaçar o governo com o problema social que eles mesmos veem causando, isolando o consumidor e a sociedade desta triste realidade de servidão comercial de aproximadamente 1,2 milhão propriedades produtoras, nas quais estão envolvidas milhões de famílias, que geram 20 milhões de empregos diretos e indiretos.
O “dragão de 7 cabeças” engordou e se tornou gigante, mamando onde encontrarem “tetas” (vacas, governo, consumidor, Legislativo, importação, jogos contábeis e fiscais, fiscalização, mercado de leite spot, indicadores), e já tem até nome: chama-se TRUSTE.
Qual a estratégia das indústrias? Com a pandemia e o custo de produção do leite cru ficaram mais evidentes o descompromisso com o Brasil e com os produtores de leite brasileiros, pois estão promovendo o desmonte de toda uma cadeia láctea em suas diversidades de sistemas de produção, que deveria ser o core business, contemplado em um Plano de Estado para o setor.
Algumas entidades representativas das indústrias que assinam a nota deixam claro a narrativa baseada em dados contrários aos apontados pelos economistas, pelo Ministério da economia e por investidores internos e externos nas bolsas de valores. Não assumem os seus próprios erros e jogam a culpa das suas falhas e a responsabilidade de reparos para manter a sua margem e ganhos no colo dos demais elos e agentes, principalmente no dos produtores de leite. Uma das mais evidentes falhas de sua conduta, incompetência e acomodação são as condições de comercialização do mix de produtos junto ao varejo, extraído do leite in natura.
O lobby permanente em Brasília, disfarçando a realidade no andar de tomada de decisão, onde o lucro a qualquer custo vem patrolando os pequenos laticínios brasileiros, alinhado a agenda globalista de concentração nas mãos de alguns, onde pouco importa a cadeia Láctea Brasileira (leite brasileiro). Criam facilidades na importação de leite em pó de qualquer lugar do mundo, mas são omissos em promover as devidas reformas legislativas, tributárias e administravas que promovam a harmonia entre os elos e equilibrada remuneração dos elos envolvidos.
O relacionamento comercial imposto e mantido com os produtores de leite cru/in natura faz com que financiemos eles nas suas iniciativas, acomodações e erros há tanto tempo, sem nunca poder ter o mínimo planejamento e horizonte. Como se fosse uma máquina caça níquel programada para nunca ganharmos e ficarmos apostando que algum dia as coisas seriam diferentes.
Este casamento de produtor de leite e indústrias é insalubre, nefasto, ilegal, opressor e atrasado.