O queijo artesanal é patrimônio imaterial de Minas Gerais. E não por acaso: ao fazer essa declaração, em 2008, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) considerou que o modo de produção, que atravessa gerações, está marcado na história – e no paladar – não só dos mineiros, como dos brasileiros em geral.
“Produzo queijo há mais de 30 anos. Foi herança do meu avô”, conta Alexandre Honorato, da Fazenda Só Nata, de onde sai o Queijo Mineirim, vencedor de mais de 20 prêmios, incluindo uma medalha de ouro no Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, concurso realizado na cidade de Tours, na França.
Na edição mais recente desse evento, realizado em outubro de 2021, os produtores brasileiros conquistaram 57 medalhas – destas, 40 foram concedidas aos fabricantes de Minas Gerais. Essas vitórias comprovam a qualidade dos produtos, amparados por uma tradição centenária. E estimularam o estado a se colocar na rota do calendário internacional com eventos de grande porte, como o Araxá International Cheese Awards, realizado em novembro, na cidade de Araxá (MG), localizada a 367 quilômetros de Belo Horizonte.
Mas ainda há um longo caminho para o setor ampliar o acesso aos mercados, tanto nacional quanto internacional. Essa trajetória passa pela modernização da legislação e pelo esforço, da parte do governo estadual, de orientar e capacitar os produtores, para que eles deixem a ilegalidade, garantindo a segurança alimentar de seus queijos, sem abandonar a tradição.
O estado é um dos maiores produtores de queijos artesanais do país. Por sua vez, o Brasil está entre os cinco maiores produtores de queijo do mundo, com produção equivalente à da Itália, mas atrás dos Estados Unidos e da Alemanha. O país exporta muito pouco: 3,6 mil toneladas, contra 36 mil toneladas importadas a cada ano.
Segurança alimentar
“É um processo evolutivo que vem se acelerando nos últimos 20 anos e tem o potencial de transformar a vida dos produtores, que passam a profissionalizar suas atividades, de forma a alcançar novos públicos consumidores”, informa Gilson de Assis Sales, Superintendente de Abastecimento e Cooperativismo da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa). “Existem no estado mais de 30 mil produtores, a maioria pequenos e que precisam de apoio e orientação, ou então podem abandonar suas atividades, ou focar apenas no consumo próprio.”
A primeira legislação estadual sobre o tema foi publicada em 2002, e se referia exclusivamente ao Queijo Minas Artesanal, feito com leite cru e sal e prensado à mão, em condições controladas. A maturação permite que enzimas e micro-organismos quebrem moléculas de proteína e gordura do leite, resultando em um queijo mais saboroso e seguro ao consumidor.
Uma série de outros fatores influencia na produção, incluindo temperatura, unidade e ventilação. Elas dão origem a uma vasta gama de variedades, produzidas há muita décadas, mas que até recentemente não eram cobertas pela lei. Sales avalia:
“A divulgação de outras variedades nas redes sociais e a incorporação dos queijos por chefs conhecidos mudou o cenário, valorizando queijos autorais e produzidos de outras maneiras que não a mais tradicional e conhecida.”
Em resposta a esse novo contexto, um decreto publicado no final de 2020 incluiu a possibilidade de regularização de uma variedade muito mais ampla de produtos, incluindo os queijos Alagoa, Cabacinha e aqueles produzidos com leite de búfala e com fungos, por exemplo.
“A legislação é crucial, porque garante segurança alimentar para os consumidores e padronização para os produtores”, diz Ana Valentini, secretária da Seapa.
Alexandre Honorato concorda. O produtor, que é o primeiro do estado a ser certificado pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), uma autarquia vinculada à Seapa, diz que luta pela modernização.
“São várias questões envolvidas, incluindo a saúde dos trabalhadores. Hoje a produção é grande, é preciso modernizar. Além disso, o queijo legalizado é seguro para o consumidor, enquanto o clandestino coloca a saúde em perigo e ainda cobra preços mais baixos, enriquece os atravessadores e prejudica o mercado como um todo.”
Ação do consumidor
De fato, se não forem fabricados sob condições sanitárias adequadas, os queijos podem ser contaminados por bactérias como a Listeria monocytogenes que provoca listeriose, uma doença que causa gastroenterites e costuma ser provocada pelo consumo de leite não pasteurizado.
A fiscalização de todos os produtos de origem animal, incluindo os queijos, fica a cargo do IMA. André Almeida Santos Duch, Gerente de Inspeção de Produtos do instituto, lembra que a colaboração dos produtores é crucial.
“A maioria dos produtores não conhece a legislação, que mudou recentemente. É um setor tradicional, que precisa de orientações para fazer os ajustes necessários para atender às demandas da saúde pública. O estado tem feito este trabalho. E o consumidor também pode fazer sua parte, buscando comprar produtos legalizados.”