A empresa de Jeff Bezos lança o projeto Sabiá, com metas de reflorestar e gerar créditos de carbono. O programa global entra no ar com tecnologia da brasileira BovControl. Entenda o plano para criar um mercado bilionário e sustentável.

Em 2020, a gigante de tecnologia Amazon anunciou ao mundo a criação do The Climate Pledge Fund, um fundo de corporate venture capital de US$ 2 bilhões focado em investir em iniciativas voltadas à descarbonização. Desde então, a companhia pôs dinheiro em empresas como Rivian, de carros elétricos, Beta Technologies, de eVTOL, Carboncure Tecnhologies, de concreto de carbono, entre outras.

Ontem, sem fazer alarde, o fundo da Amazon mostrou outra faceta. Em vez de entrar em uma startup, lançou oficialmente um negócio próprio com a meta de acelerar o reflorestamento, principalmente na Amazônia, e se tornar um dos maiores players de crédito de carbono do mundo. O nome do projeto é de fácil pronúncia aos brasileiros: Sabiá.

Toda a tecnologia que roda esse sistema é de uma startup com bases nos Estados Unidos, mas fundada no Brasil e liderada por um brasileiro. Trata-se da BovControl, de Danilo Leão. “Desenvolvemos a quatro mãos o que a Amazon está chamando de o maior framework de sequestro de carbono da Terra”, diz Leão, fundador e CEO da startup BovControl.

Cada produtor rural poderá se cadastrar no site e, a partir do cadastro, uma análise será feita para ver se ele se enquadra no perfil. Ao ser aceito no programa, ele recebe um link para baixar o aplicativo e se conectar nesse ecossistema, que contará com treinamento, financiamento para a compra de insumos e comercialização de crédito de carbono.

O início do programa, que já vinha sendo comentado por entidades, acontece com produtores no Pará e, no segundo trimestre, entrará em outros países onde há maior necessidade de recuperação florestal em propriedades rurais. “É um programa global”, afirma Leão. O plano é envolver três mil fazendas da Amazônia nos três primeiros anos de operação.

O Sabiá fará todo o inventário da área que sequestra (com fotossíntese) e da atividade (produção e logística) que emite carbono usando dados coletados pelo aplicativo a campo, cruzando com dados de satélites. “Por enquanto, todo o crédito de carbono gerado será adquirido pela Amazon.”

A big tech, avaliada em US$ 1,63 trilhão, é conhecida mundialmente por abalar as estruturas de mercados em que entra – o varejo, que o diga – e isso é esperado para esse setor. “A Amazon vai comprar os créditos de carbono de safras futuras”, afirma Leão. Além de neutralizar suas emissões de carbono, a companhia deverá negociar esses créditos no mercado.

Na prática, a companhia está criando um novo negócio no qual compra créditos de carbono antecipadamente e poderá vende-los. “Estamos falando da construção de uma nova economia.” Atualmente, a tonelada de carbono é negociada na Califórnia por US$ 15,00 e pode chegar até a US$ 100,00. No Brasil, os chamados CBios, negociados na B3, fecharam cotados em R$ 55,64 no dia 12 de janeiro.

O mercado de carbono voluntário, aqueles que são liderados por empresas, movimentou mais de US$ 1 bilhão, em 2021, segundo dados do Ecosystem Marketplace, da Forest Trends. De acordo com um relatório divulgado pela XP, em julho do ano passado, o mercado de crédito de carbono como um todo movimentou € 229 bilhões em 2020, cinco vezes mais do que em 2017.

A Europa, região que representa 90% do valor global, negociou um volume de 10 bilhões de toneladas de CO2. “Se por um lado, o mercado de carbono é uma solução às mudanças climáticas, por outro, não existe uma bala de prata quando o tema é o aquecimento global. Na nossa visão, não será somente a compensação de carbono que vai resolver esse desafio, e sim um conjunto de ações. A inovação tecnológica e o investimento público e privado em novas soluções possuem um papel fundamental nessa missão”, escreveram as analistas Marcela Ungaretti, Jennie Li e Giovanna Beneducci.

A Amazon já vinha envolvendo no projeto Sabiá duas entidades que estavam cadastrando produtores de suas bases. Entre elas estão a The Nature Conservancy e World Agroforestry. A empresa de Jeff Bezos também faz parte – e lidera – a Leaf Coalition, um fundo de US$ 1 bilhão que conta com a participação dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido e de empresas como Nestlé, EY, Airbnb, BlacRock e outras.

Esse grupo também poderá entrar no Sabiá, em transações envolvendo a cadeia pecuária, agroflorestal e agricultura. “Tem uma grande importância a Amazon sentando na ponta da mesa, assinando grandes cheques, chamando governos e outras empresas para participarem dessa história”, diz Leão. “Deixa de ter um teor puramente político para ter um teor pragmático, de negócios. Cria os mecanismos para quem sequestra o carbono vender isso e girar a roda.”

A entrada da BovControl, que tem investidores como Rodrigo Borges, da Domo, aconteceu de uma forma inusitada. A startup, fundada em 2014, funcionava como um software as a service para digitalizar as tarefas e negociações de insumos e produtos das fazendas de pecuária.

Mas, ao longo do tempo, foi estendendo suas áreas de atuação de pecuária para outras cadeias do agro e indústrias. A Nestlé, por exemplo, usa a plataforma para rastrear a qualidade, procedência e até impacto, como o gasto de água, de 5 mil produtores de leite.

Nos últimos dois anos, o sistema da BovControl, que é usado por 83 mil fazendas ativas em 47 países, passou a atuar em outros negócios. Leão não revela os números da companhia, mas conta com uma receita recorrente de assinatura dos milhares de clientes. São assinaturas que vão de US$ 20 a US$ 400 por mês.

Até hoje, a empresa recebeu US$ 3 milhões em investimentos seed. “O Kees Kooling, fundador do Booking, me disse várias vezes para não buscar investidor sem necessidade.” Leão acabou partindo para novas frentes de negócio. Criou o BovImpact, que mede a pegada de carbono dos produtores, e o BovCrypto, um token de carbono.

Em 2019, ao ver o movimento das 100 maiores empresa do mundo se posicionando como net zero, ele acordou para essa oportunidade. “Elas assumiram essa responsabilidade e começaram a investir bilhões de dólares em programas de neutralização de carbono. Isso deu um nó na nossa cabeça”, diz ele.

Para estarem neutras, diz ele, não basta diminuir as emissões. A atividade precisa ser sequestradora de carbono ou comprar os créditos. Depois de fazer um trabalho para a FAO, com fazendas do Equador, a BovControl resolveu cruzar dados de sua base de fazendas conectadas no mundo para entender o tamanho disso.

“O que a Tesla, que é a mais famosa, por conta dos carros elétricos dela, deixa de emitir de carbono é algo da ordem de 300 mil toneladas por ano. Nossa base sequestra 50 milhões de toneladas de carbono. É 70 vezes a Tesla”, diz Leão. Com os dados em mãos, a BovControl começou a mostrar para as 100 maiores empresas.

A ideia era ressaltar que a startup tinha framework para fazer a neutralização de carbono das companhias. Entre as empresas que se interessaram, estava a Amazon. De 2019 até o fim do ano passado, as duas empresas vinham conversando e, depois de assinarem o acordo para a BovControl ser a fornecedora da tecnologia, desenvolveram o projeto. Agora, esse negócio pode ajudar a mudar o jogo global na área de emissões de carbono.

O setor de alimentos e bebidas possui 59 empresas entre as 1000 maiores do país.

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