O ano de 2021 “doeu” tanto para indústrias quanto para produtores.

Do lado da produção de leite, os custos de produção “pegaram forte” o produtor, derrubando margens e fazendo a produção cair, até setembro, quase 1,5% em relação a 2020 (estima-se que, no total ano de 2021, a produção brasileira apresente recuo entre 2% e 3% em relação aos volumes produzidos em 2020), com tendência de entrar em 2022 com quedas maiores.

Como mostra o gráfico 1, os custos subiram e os preços ao produtor não os acompanharam, pressionando bastante as margens.

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Bom, se o produtor termina o ano perdendo, é óbvio concluir que a indústria saiu ganhando, certo? Errado!

Consultado sobre o assunto, Sávio Santiago, Diretor de Originação na UltraCheese, pontuou: “Parte do ano de 2020 trouxe um alento para a indústria. Após o impacto positivo no consumo provocado pelo auxílio emergencial, as margens – que já vinham se achatando antes da pandemia – se recuperaram até o fim daquele ano. A ressaca de consumo em 2021 com a queda de renda, impôs, para maioria das indústrias, o pior ano da história em resultados. Margens negativas sucessivas esgotaram o fôlego readquirido em 2020 e já comprometem a sustentabilidade das operações, zerando a capacidade de investimento”.

Os gráficos 2 e 3 mostram a evolução da margem estimada da indústria no leite UHT e no queijo muçarela, duas das principais commodities comercializadas no mercado brasileiro.

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Sobre essas margens negativas, Cícero Hegg, Sócio Fundador da Tirolez, apontou o papel do varejo. “Eu acho que deixou de existir o que no passado tinha: as redes de supermercados usavam muito a muçarela como chamariz para os seus consumidores. A gente percebe que, hoje, o setor varejista deixou de olhar dessa forma para esse produto. Então, muitas vezes, a indústria está com resultados negativos – como está mostrado claramente no gráfico que vocês apresentam [Gráfico 3]. Dos doze meses, em dez a muçarela esteve no vermelho, porque muitas vezes o [setor] industrial abaixa o preço e o supermercado fica com uma margem maior ainda”.

Hegg continuou ponderando sobre a falta de companheirismo do segmento: “O que não deixa de ser, talvez, uma falta de companheirismo no segmento. Então, eu acho que é [necessária] uma convergência do setor primário e secundário – produção de leite e indústria -, a fim de [promover] um diálogo melhor com a rede varejista, no sentido de promover estes produtos quando há a sazonalidade. Assim, a própria demanda faz o preço da muçarela e dos [outros] produtos lácteos baixarem [no varejo]. Eu cito a muçarela, mas cito também o próprio leite longa vida”.

Nest cenário, são diversas e, muitas vezes opostas, as dores da indústria láctea brasileira:

  • De forma geral, as margens hoje são muito ruins e sugeririam um ajuste (baixa) bastante forte no curto de sua principal matéria-prima, o leite;
  • Por outro lado, a indústria sempre trabalha com a expectativa de que uma melhora de mercado virá e, mesmo neste cenário de margens muito ruins, busca preservar a base de fornecedores que tem hoje – é mais barato pagar hoje do que ter de ir ao mercado para recuperar leite no futuro. Além disso, o (elevado) nível de fragmentação da indústria leva pequenos, médios e grandes indústrias a defender sua base de fornecedores, não olhando muito (ou quase nada) para o resultado de curto prazo;
  • Ao mesmo tempo, sabe-se que o mercado brasileiro está “curto” em leite, com produção baixa e importações inviáveis. Qualquer reação de demanda gerará uma forte reação de preços, já que o mercado está desabastecido.

Para 2022, Cícero concorda que a “bola” está com o consumidor: “Eu entendo que vai ser assim para 2022: vai depender muito da demanda, porque a produção está curta e foi cortada. Não temos os dados [do IBGE] ainda finalizados, mas tudo indica que vai ter um resultado menor do que 2020 e vai depender agora da demanda para a gente poder estimular a produção. O resultado de tudo isso é que a indústria não tem o que fazer, senão aumentar seus preços [no varejo], porque não é só o leite [matéria-prima] que aumentou o custo, mas também os outros insumos. Todos, sem exceção, a começar pelo frete, as embalagens, as caixas de papelão, os fermentos… A própria mão-de-obra, o custo do trabalhador também subiu com os reajustes que foram negociados. É um ano desafiador, mas eu sempre defendo o caminho do entendimento. Eu acho que cada um tem que fazer a sua parte e buscar companheirismo nas atividades que desempenham conjuntamente. Todo mundo quer que seja um resultado bom”.

O gerenciamento do curto prazo x o médio prazo e as expectativas geradas pelo mercado parecem ser a grande “dor” da indústria neste momento – algo que, de fato, não é exatamente novo… Muita coisa mudou no leite brasileiro, mas muita coisa simplesmente não muda!

Neste sentido de mudança, Cícero apontou a responsabilidade da indústria com a originação do leite. “Um tema que é muito importante, que hoje está sendo muito falado, é a originação do leite. Ou seja, o que cada empresa, cada cooperativa, está conseguindo trabalhar junto com o produtor de leite para melhorar a quantidade produzida de forma permanente permitir que o produtor tenha rentabilidade, porque não adianta pensar que ele vai continuar [produzindo] eternamente sem rentabilidade”.

“Então, a questão é a originação, o trabalho junto com o produtor. Sempre defendi e defendo que o melhor caminho é o entendimento e a conversa. Então, isso passa, por exemplo, pelo fornecimento do sêmen, do embrião. Até os clubes de compra, onde a gente pode antecipar as compras de cereais que vão alimentar o gado, ajudar num silo e tudo mais. Trabalhos como a própria Embaré vem fazendo e outros [laticínios], como nós fazemos também, mas talvez não tem sido feito o suficiente”, finalizou.

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