Imagine o que teria sido do Brasil se, em meio a uma pandemia, faltasse comida e o país tivesse que importar alimentos? A pergunta é feita por quem defende que ‘agricultura é símbolo da paz’, argumento que levou o engenheiro agrônomo mineiro e ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, a ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021. O título não ficou com o Brasil, mas o reconhecimento do valor estratégico do setor se mantém, com atenção especial à agricultura familiar que responde por parcela expressiva da oferta de alimentos básicos que vão para as mesas da população.
“Minas tem relevância para contribuir com essa paz atrelada à agricultura. Se o agricultor familiar tem uma propriedade rentável, com boa remuneração para qualquer atividade que exerça, automaticamente terá recursos para proporcionar melhores condições de vida para seus filhos e para si, permanecendo no campo. Sabemos que as oportunidades de trabalho, sem qualificação, só diminuem nas cidades e que, quanto mais gente na área urbana, mais complexa é a questão da saúde pública e da segurança”, afirma Ana Maria Soares Valentini, Secretária de Agricultura de Minas Gerais reforçando que “desenvolver a agricultura familiar é essencial para o desenvolvimento de outros setores, por gerar demanda para a indústria, ativar o comércio e, principalmente, trazer benefícios do ponto de vista social”.F
De acordo com a Secretária, há muitas possibilidades de evolução para a agricultura familiar em todas as cadeias, como a do morango. Minas Gerais é o maior produtor nacional da fruta. O gargalo a ser vencido está na aquisição de mudas importadas da Argentina, Chile e Europa. “Elas chegam com qualidade ruim devido ao tempo de viagem. Para tentar solucionar esse problema e produzir as mudas de variedades brasileiras adaptadas, foi organizada uma rede nacional de pesquisa sobre o assunto. Temos morangos sendo produzidos em várias regiões do estado, inclusive no Norte, com boa performance”, assinala Trazilbo José de Paula Jr., diretor de operações técnicas da Epamig.
Agricultura familiar
A definição legal considera como agricultor familiar aquele que, entre outros critérios, utiliza membros da família em, no mínimo, metade da força de trabalho do processo produtivo. O Censo Agropecuário de 2017 mostra que Minas Gerais possui 441,8 mil estabelecimentos de agricultura familiar, que representam 72,7% do total dos estabelecimentos rurais mineiros (uma propriedade rural pode ter mais de um estabelecimento). MG é o estado da região Sudeste com o maior número de estabelecimentos da agricultura familiar e o segundo do país. Quase 87% das propriedades do segmento têm menos de 50 hectares e o setor responde por 25% do Valor Bruto da Produção Agropecuária de Minas.
“São esses produtores que necessitam de assistência técnica para conhecerem novas tecnologias e terem aumento de produtividade. A maior parte do orçamento da Secretaria Estadual de Agricultura é direcionada à Emater para que possa realizar esse trabalho”, diz Valentini.
Origem e modo de fazer
O trabalho da Emater consiste em educação não-formal, continuada, no meio rural, em mais de 800 municípios. As pesquisas desenvolvidas por entidades como Epamig e Embrapa são convertidas em uma linguagem acessível e levadas ao campo pela entidade, que também auxilia o produtor na elaboração de projetos para acesso ao crédito rural.
“Chegam aos produtores informações relacionadas desde a preparo de solo até como comercializar a produção. Atualmente, é importante prepará-los para o interesse do consumidor em saber não só sobre a segurança sanitária e ambiental, mas conhecer o modo como as coisas são produzidas”, ressalta Feliciano Nogueira, diretor técnico da Emater-MG.
O avanço na certificação e indicação geográfica de produtos agropecuários ou agroindustriais é visto como prioridade. Ao solicitar o selo pelo programa estadual Certifica Minas, o produtor deve adequar a propriedade às normas e passar por auditorias. As áreas de queijos, cafés e cachaças estão mais adiantadas.
“Esse movimento é importante não só para agregar valor à produção do agricultor familiar, mas para despertar a própria sociedade a conhecer a história dos produtos e a tecnologia agregada a um grão de milho, a um copo de leite. Isso é sustentabilidade, isso é agricultura de futuro”, diz Feliciano.
Envelhecimento
O envelhecimento da população rural gera preocupação. A comparação entre os Censos de 2017 e de 2006 aponta um aumento do percentual de estabelecimentos dirigidos por pessoas com mais de 55 anos e a redução daqueles dirigidos por pessoas com idade inferior a 45 anos. Entre jovens com menos de 25 anos, a redução alcançou 40%.
“A sucessão no meio rural é um desafio. Há necessidade de políticas públicas que possibilitem aos jovens permanecerem no campo por opção, com condições dignas de vida. Como o Estado e a iniciativa privada poderão proporcionar isso? Um dos desafios é levar conectividade, inclusive porque a extensão técnica no meio rural é dificultada sem acesso à internet”, conclui o diretor técnico da Emater.