Em um contexto de alta do dólar, aumento da inflação, intensificada pela seca na última safra e pelo conflito no Leste europeu o balde transbordou, desencadeando uma crise no setor lácteo em decorrência da sucessiva elevação dos custos de produção, especialmente nos componentes da ração.
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Foto: Shutterstock

Não é segredo para ninguém que a pecuária leiteira brasileira vive entre altos e baixos, no entanto, com a chegada da pandemia há dois anos ficou ainda mais evidente a instabilidade que o produtor vive no setor. Em um contexto de alta do dólar, aumento da inflação, intensificada pela seca na última safra e pelo conflito no Leste europeu o balde transbordou, desencadeando uma crise no setor lácteo em decorrência da sucessiva elevação dos custos de produção, especialmente nos componentes da ração.

Cenário esse que fez com que muitos produtores repensassem a atividade em razão da margem mínima de rentabilidade, levando a uma redução da captação de leite no país, que diminuiu a oferta do produto no mercado interno em 10 milhões de litros por dia nos primeiros meses deste ano, situação que impulsionou a disparada dos preços nas gôndolas dos supermercados, chegando a patamares nunca antes alcançados, entre R$ 7 a R$ 10.

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Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges: “Torcemos pelo melhor, estamos trabalhando para isso, mas o cenário é incerto” – Foto: Divulgação/Abraleite

“A baixa disponibilidade de leite no país se deve em grande parte ao desestímulo que houve aos produtores em decorrência de altas consecutivas nos custos de produção, com os preços dos insumos tendo uma correção muito maior do que o preço pago ao produtor, inclusive do leite vendido nas gôndolas, atrelado ao avanço do período de entressafra e a redução de investimentos na atividade”, avaliou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges, em entrevista ao Jornal O Presente Rural no início de agosto.

Segundo ele, a queda generalizada na oferta de leite ao longo do primeiro semestre também se apresentou a nível de mundo, com uma saída acentuada de produtores ou com redução na produção daqueles que ainda permanecem na atividade. “O que temos percebido, enquanto entidade representativa do setor, é que o leite é uma das cadeias que sofreram muito com a alta nos insumos, porque usamos tanto os insumos agropecuários utilizados para a agricultura, entre eles suplementação mineral e fertilizantes, quanto suprimentos que os agricultores não usam, a exemplo do grão, especialmente o milho, principal alimento do rebanho bovino, e que foi às alturas”, expõe o presidente da Abraleite.

No início de agosto, o preço recebido pela produção entregue em junho alcançou R$ 3,19/litro na média Brasil, elevação de 24,7% acima da média registrada no mesmo período do ano passado, acumulando valorização real de 42,7% desde janeiro, conforme dados divulgados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP). Em contrapartida, o leite no mercado spot se valorizou, chegando a R$ 4,55/litro em julho. A combinação de estoques baixos e o aumento no custo da matéria-prima fez com que os preços dos derivados lácteos disparassem em junho.

Em meio ao crescimento generalizado de preços ao longo da cadeia, o ICPLeite/Embrapa indica que o custo de produção da pecuária leiteira caiu 2,6% em junho, puxada pela queda nos custos de alimentação do rebanho (rações e volumosos).

Preços ao consumidor

Por outro lado, a consultoria do Radar Agro do Itaú BBA observa que, para a indústria, apesar da menor oferta da matéria-prima e consequente disputa entre os laticínios, que refletiu nos preços do mercado spot, os derivados lácteos no atacado também imprimiram forte alta nos últimos meses ao consumidor final.

No acumulado dos últimos 12 meses, o leite UHT em caixinha apresentou alta de 31,94% para o consumidor, o queijo muçarela 14,95%, e o leite em pó de 400g subiu 10,53%, todos acima da inflação anual medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que está em 10%. “Este expressivo aumento se explica pela menor oferta de leite no campo e pela maior disputa das indústrias de laticínios pela compra da matéria-prima para a produção de lácteos, para tentar evitar capacidade ociosa de suas plantas”, relatam os analistas do Cepea-Esalq/USP.

Relação de troca

Conforme os consultores do Radar Agro, as relações de troca do leite com os insumos no primeiro trimestre foram desafiadoras para o pecuarista no Rio Grande do Sul, que precisou de um volume próximo de 50 litros para adquirir uma saca de 60 kg de milho.

No entanto, as recentes quedas nas cotações do grão favoreceram a atividade, combinados com a alta no preço pago ao produtor, proporcionaram uma melhora no poder de compra em todo país, baixando para 35 litros de leite uma saca de milho. Porém, a média do ano ainda segue elevada, em 41 litros por saca. “Essa melhora na relação de troca pode se reverter em retomada de investimento e favorecer uma recuperação mais rápida da produção”, aponta o Cepea-Esalq/USP.

Importação e exportação em queda

O aumento das importações está atrelado à menor oferta de leite no mercado interno e à forte elevação dos preços dos lácteos brasileiros, o que favoreceu a maior competitividade dos produtos internacionais no mercado doméstico. No primeiro semestre foram importados 365,4 milhões de litros em equivalente leite, queda de 34,41% em relação ao mesmo período do ano passado. E o total exportado nos seis primeiros meses do ano foi de 90,16 milhões de litros em equivalente leite, 8,11% menor que a quantidade vendida no mesmo período do ano passado.

Perspectivas positivas

Em relação a oferta, os consultores do Radar Agro avaliam que a produção ganha novo incentivo com o retorno das chuvas na região Sul durante a primavera 2022, se estendendo para o Sudeste do país, além de uma possível reação na captação diante da melhora na relação de troca ao produtor. “A entrada de uma boa safrinha de milho com alívio nos preços do cereal ajudará o produtor de leite a elevar gradualmente a oferta até o retorno das chuvas, quando as condições de produção melhoram ainda mais. Um ponto de atenção é o cenário de La Niña se fortalecendo para o último trimestre, que enseja maior atenção sobre a região Sul”, reforça o Radar Agro.

Devido à instabilidade econômica do país em decorrência dos impactos causados pela Covid-19, pela inflação e por ser um ano de eleições, o presidente da Abraleite diz que é difícil fazer uma previsão otimista para melhorar a rentabilidade do pecuarista. “Torcemos pelo melhor, estamos trabalhando para isso, mas o cenário é incerto, não tem como fazer uma previsão de mercado em uma economia globalizada como a que vivemos hoje e em um momento que o mundo passa por dificuldades na economia de seus países. Além disso, o período eleitoral no Brasil ‘freia’ o andamento de muitas pautas no Legislativo e no Executivo em Brasília”, evidencia Borges.

O presidente da Abraleite lembra que a cadeia do leite é composta por três elos: produtor, indústria e consumidor, que precisam se sentar com mais frequência à mesa para promover a convergência da atividade. “É preciso que haja coerência entre os elos, com produtores mais unidos, indústria, lacticínios e cooperativas alinhadas em seus objetivos, para que o setor possa caminhar unido a fim de desenvolver uma nação do leite, mais organizada, com vistas para sermos um player de exportação de lácteos como o Brasil já é em outras cadeias”, vislumbra Borges.

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