Grandes empresas, startups e instituições como a Embrapa buscam soluções para ajudar na sanidade dos rebanhos contra um parasita que compromete o bem-estar animal
Erich Mafra e Vera Ondei
Qualquer dono de pet, com quase toda certeza, já enfrentou a dor de cabeça que o tratamento contra carrapatos pode trazer. Felizmente, uma rápida pesquisa no Google mostra que os remédios contra esse parasita em animais domésticos dificilmente passam da faixa dos R$ 100. Mas este problema não é tão barato e fácil de resolver no mundo da pecuária. Um bovino afetado pelo parasita pode ter até 1.500 larvas espalhadas em seu corpo, que é a fase jovem do carrapato, quando ele sobe da pastagem para o corpo do animal. O fato é que esse “ataque” não sai barato.
Os pecuaristas brasileiros gastam, anualmente, cerca de R$ 15 bilhões em tratamentos, segundo Fernando Cardoso, chefe geral da Embrapa Pecuária Sul (unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), um dos principais centros de estudos do parasita, sediado em Bagé (RS). Os gastos englobam os custos com remédios para eliminar o carrapato, medida vital para o bem-estar animal e a qualidade da produção de carne e leite.
Mas a Embrapa também trabalha com outra linha de atuação: o melhoramento genético dos animais, tornando-os mais resistentes ao carrapato. “Desenvolvemos formas de identificar, usando marcadores moleculares genéticos, quais os animais que vão transmitir essa característica [de resistência ao parasita] para a progênie nas raças angus hereford, braford e brangus”, explica Cardoso. “Nossa expectativa é que, com o efeito acumulado disso, a gente tenha linhagens capazes de reduzir a infestação de carrapato nas raças taurinas que tem essa característica de produzir carne de alta qualidade.” Os carrapatos atacam todo tipo e raça de bovinos, mas eles são mais intensos nas raças de origem europeia.Leia mais: Geração Z vai para o campo comandar fazendas
A solução, no entanto, está longe e não é tão fácil como pode parecer. A seleção genética do gado é eficaz para melhorar questões resistência às doenças, engorda mais rápida e sua rusticidade –como é o caso do carrapato –, mas não traz resultados tão rápidos. No entanto, agilidade é um fator importante na sanidade animal, afinal uma infestação de carrapatos pode causar feridas no animal e até levá-lo à morte, causando perdas ao produtor.
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Segundo a Fundação Roge, instituição sem fins lucrativos de Delfim Moreira (MG), que oferece cursos técnicos de agropecuária, o melhoramento genético por meio do teste de progênie tem uma duração que varia de 5 a 7 anos para cada geração animal. É justamente por isso que as farmacêuticas, há décadas, e as startups do agronegócio, mais recentemente, têm investido em ferramentas de controle de carrapatos e no desenvolvimento de produtos e serviços capazes de controlar o parasita de maneira que traga resultados rápidos, enquanto o melhoramento genético é estudado e testado.
A MSD Saúde Animal, farmacêutica veterinária, é uma das companhias que inovou. Neste ano, apresentou o composto fluralaner, a primeira classe química contra carrapatos lançada desde 1982. “Essa nova molécula consegue agir contra carrapatos que já estão resistentes a classes químicas mais antigas”, explica Daniel Rodrigues, gerente técnico da unidade de ruminantes da MSD. A tecnologia foi desenvolvida e testada em fazendas no Brasil ao longo de oito anos e pode ser uma das saídas para evitar os enormes gastos anuais de pecuaristas. “De forma geral, o trabalho nos trouxe que, para cada real investido em tratamento estratégico, você consegue R$ 4 de retorno.”
Todo o trabalho de desenvolvimento de moléculas que compõem os medicamentos contra o parasita está no fato de que as já existentes podem se tornar resistentes por uso inadequado, por exemplo de dose. Como ocorre para muitos antibióticos em humanos. Não por acaso, o desenvolvimento de produtos contra os carrapatos não é restrito ao mundo das grandes empresas. Estão nesta corrida as agtechs, as startups de tecnologias voltadas ao agro. A Decoy, fundada em Ribeirão Preto (SP) pelos biólogos Lucas von Zuben e Túlio Nunes, é uma das primeiras empresas no mundo a desenvolver produtos de controle biológico que atuam nas fases em que o parasita está no animal e também no pasto.
Estima-se que 5% dos carrapatos estão presentes nos animais e os outros 95% na área de pastagem das fazendas. Por isso, eles investem no uso controlado de fungos acaropatogênicos, inimigos naturais de aracnídeos como o carrapato, para tratar o problema nas duas frentes. Mesmo com sua tecnologia ainda em fase de liberação de registro e testes em fazendas, o tratamento já foi utilizado em cerca de mil propriedades e já beneficiou aproximadamente 100 mil animais e 10 mil hectares.
“A gente vê esse movimento do controle biológico como um novo ecossistema surgindo. Faço a comparação com a transição do analógico para o digital”, afirma Von Zuben. “Essa transição do químico para o biológico que está acontecendo em vários segmentos, inclusive no agro, traz uma série de oportunidades e várias empresas vão ser beneficiadas.”
Mas, para a implementação de tantas e novas formas de tratamento, como da Decoy e da MSD, acontecer de maneira efetiva, e mesmo para as já tradicionais moléculas, o setor precisa investir mais na capacitação das pessoas, segundo Octaviano Pereira Neto, médico veterinário e gerente técnico da Elanco, uma das principais farmacêuticas veterinárias do mundo, que também oferece soluções contra o parasita.
“Temos que começar a criar não especialistas em carrapatos, mas pessoas que entendam a dinâmica populacional do parasita para que possam tomar uma decisão e uma ação no momento correto”, afirma Pereira Neto. “Infelizmente, hoje não há falta de investimento [em soluções], mas sim investimento no lugar errado. Se eu não capacitar a mão de obra, as pessoas podem pensar que isso é um problema apenas para um veterinário ou biólogo.”
Umidade e calor são características climáticas ideais para a proliferação do carrapato, como ocorre agora, a partir deste mês de setembro com a entrada da primavera e verão chuvoso, na maior parte do país onde há pecuária em escala. “Quando a água volta e o frio desaparece, ou diminui, isso faz com que o carrapato que tá no passo na forma de ovo, ecloda e libera suas larvas. Essas larvas sobem no animal, fecham o seu ciclo e cai no chão novamente. Cada carrapato fêmea que cai no chão produz 3.000 ovos”, afirma Pereira Neto. “Então é um processo exponencial, porque com esse raciocínio cada mil carrapatos que caem no chão são três milhões de carrapatos que surgem.”
O especialista faz a seguinte conta no tempo. Sem nenhuma ação, a contar do início das chuvas neste mês, um gado enfestado tem o primeiro ciclo em setembro/outubro, a segunda geração em janeiro fevereiro e a terceira em abril/maio, antes do início do inverno. “Então, num rebanho, na primeira produziu x milhões de carrapatos, na próxima são x bilhões e a outra x trilhões”, diz ele. “É contra isso que o produtor luta e por isso que temos de ter programas de controle que mantém os animais limpos e reduza a infestação no pasto. Entender a dinâmica populacional para tomar uma decisão e uma ação no momento correto.”
O gerente da Elanco explica que o tratamento contra carrapatos envolve uma cadeia de compromissos na pecuária. “O produtor tem que entender que o peão dele precisa estar capacitado, então ele precisa disponibilizar o tempo do peão para que ele nos ouça e aprenda”, diz. A empresa realiza um programa de capacitação para o combate do parasita desde 2007, treinando cerca de 200 pessoas por mês, o que dá cerca de 2.400 pessoas por ano. “Você pode ter o melhor produto do mundo, mas ele se extingue se você não investe na formação de pessoas.”
O esforço é geral. Segundo Rodrigues da MSD, a empresa tem um grupo de 200 veterinários treinados para ensinar aos pecuaristas como utilizar sua nova molécula de maneira a evitar que os parasitas criem resistência ao tratamento. “Tudo isso é uma forma de trazer à molécula mais longevidade. Porque, se você orienta o pecuarista como usar e o momento correto de utilizar, finalmente controla a questão da resistência para essa área.”
O investimento na educação do pecuarista e do peão não precisa ser exorbitante para trazer efeitos. Na monumental montanha de dinheiro gasto contra o parasita, treinar a mão de obra e os tomadores de decisão pode ser a parte mais em conta do gasto. As grandes empresas do setor de veterinária vão nessa linha, como relata Pereira Júnior, ao afirmar que a parte mais sensível no controle do parasita está na aplicação correta de medicamentos no campo.
Além das equipes de campo das empresas, há outros mecanismos nessa educação. A Embrapa, por exemplo, finalizou neste mês o período de inscrições para a sua quinta turma de 2022 do curso de controle estratégico do carrapato dos bovinos de leite. Ao custo de R$ 39,90 para 30 horas de conteúdo, a entidade ensinará, até outubro, como realizar o teste de sensibilidade de carrapatos aos carrapaticidas e também indica 10 passos para o sucesso no controle dos parasitas.