Javier Maciel é um engenheiro argentino de Don Torcuato, Tigre, que vive no Brasil há 16 anos. Foi trabalhar na área de logística de combustíveis, depois voltou-se para o agronegócio e, há seis anos, decidiu reeditar uma antiga ligação com o campo, iniciando um projeto de produção original no meio da Mata Atlântica, a apenas duas horas do Rio de Janeiro.
Na cidade de Sapucaia, Maciel emprega 25 pessoas e produz leite de cabra, vários tipos de queijo de cabra e até um doce de leite de cabra conhecido como “do argentino” que já está conquistando o paladar brasileiro.
O pai de Javier tinha uma fazenda no Uruguai e a semente do campo ficou adormecida em sua mente. Por isso, quando viu a oportunidade, mergulhou de cabeça. Em 2015, alugou uma pequena quinta e comprou 50 cabras. Assim nasceu Capriana. Eventualmente, conseguiu comprar 80 hectares e começou a aumentar o seu rebanho.
“Aqui temos um espaço calmo e tranquilo, rodeado por uma cintura de colinas que protegem o nosso rebanho do barulho e dos ventos.
Às vezes faz frio porque estamos a 1000 metros acima do nível do mar. Também temos duas fontes de água pura, sem qualquer tipo de resíduos ou poluentes”, descreve Maciel numa conversa com o Clarín Rural, e esclarece que estes 80 hectares são bastante grandes para a zona em que se encontra.
De qualquer forma, há 54 hectares de Mata Atlântica que são preservados pela legislação ambiental brasileira. Eles podem fazer corredores turísticos, algum tipo de produção nativa, mas ainda não fizeram isso.
A produção é feita no restante do terreno. “A cabra permite começar com investimentos menores”, diz o produtor argentino, que investiu 20 milhões de reais, o equivalente a pouco mais de 4 milhões de dólares, no projeto ao longo dos anos.
Para desenvolver e fortalecer sua base de produção, as cabras, ele comprou três linhas genéticas – francesa, holandesa e canadense – da raça suíça Saanen, a mais utilizada no mundo para fins leiteiros.
Na quinta, tem o seu próprio laboratório onde faz inseminação artificial. Assim, de 50 cabeças de gado passou a 1.050, das quais tem atualmente 350 em ordenha.
Para além disso, aperfeiçoou todas as fases do processo, desde o maneio das forragens até à industrialização final do produto. “O que as cabras permitem é ter um processo muito verticalizado, é um mini mundo. Toda a alimentação das cabras vem da própria fazenda, e tudo é feito em pequena escala. Tenho uma pequena fábrica de ração e até faço húmus a partir do estrume das cabras”, explica.
De seguida, refere que todos os processos da Capriana estão integrados de forma circular, desde o ecossistema da quinta até ao tratamento dos animais e à produção de leite e produtos lácteos.
“Fazemos uma utilização racional da tecnologia e da biotecnologia, optimizando a utilização dos recursos e promovendo a autossuficiência. Tudo para gerar um impacto positivo em tudo o que nos rodeia”, afirma.
Em termos concretos, a forragem é produzida em 20 hectares. A principal espécie utilizada é a Capin, uma erva africana que rende 200 toneladas de matéria verde por hectare.
“Tudo cresce porque há água e calor, mas o valor nutritivo é muito baixo”, diz. Também experimentou uma variedade de alfafa e diz que funcionou bem, embora haja problemas com plantas invasoras e o pasto só dure dois anos.
“Com a luzerna faço “feno” e com o capim faço silagem”, diz. Alguns termos portugueses escapam-lhe, mas ele continua a ser muito argentino.
As cabras são agora mantidas em estábulos e têm acesso ao sol para preservar o bem-estar animal. A ordenha é semi-automática numa sala circular, às 6h e às 14h, e está a ser analisada a conveniência de começar a deixar as cabras sair entre as duas ordenhas, para que possam pastar diretamente.
A produção média é de 2,8 litros de leite por dia por cabeça; a exploração produz 800 litros de leite por dia.
O chão do estábulo é feito de madeira com alguns centímetros de espaço para o estrume cair. Isto reduz o risco de mastite e permite o aproveitamento dos efluentes.
Por baixo do chão, há galinhas que formam uma espécie de parceria virtuosa com as cabras. “As galinhas escavam e movimentam o estrume, oxigenam-no e promovem o processo de compostagem. As minhocas transformam 30 toneladas de estrume em húmus.
Há quatro anos que não compro adubos. Além disso, as leguminosas fixam o azoto. O Brasil importa uma quantidade enorme de fertilizantes, é muito dependente, mas nós conseguimos tornar-nos independentes”, diz.
Mais sabor, mais valor
A última fase do projeto Capriana consistiu em avançar para a industrialização, algo em que são pioneiros no Brasil.
“A produção caprina no Brasil é mais pequena, as distâncias são muito grandes e não há camiões isotérmicos para ir buscar 200 litros de leite, por isso as explorações conservam o leite até uma semana, os ácidos decompõem-se e dão o aroma ao leite. Quando o leite é fresco, não tem esse aroma”, explica Maciel.
E continua: “Todos os queijos que fazemos são feitos com leite fresco das nossas próprias cabras, não compro leite a ninguém, e isso garante as características organolépticas”.
A apenas 7 metros da sala de ordenha, ligado por um tubo de aço inoxidável, está o tanque pasteurizador. Desde o início que a Capriana vende leite de cabra fluido a queijarias e indústrias, ao mesmo tempo que constrói a sua própria indústria.
Há menos de um ano, tornou-se uma agroindústria. Hoje vende 70 por cento e industrializa 30 por cento, e a industrialização vai crescer aos poucos.
“Faço o doce de leite porque sou argentino e não podia deixar de o fazer, fazemo-lo com uma receita argentina. É um dos mais vendidos, não há uma pessoa que não o prove e o leve consigo”, diz. Também fazem um queijo tipo Boursin (um pequeno lanche francês), Frescal (queijo fresco típico do Brasil), queijo Feta, Raclette, Moleson e Caprino Romano envelhecido por 18 meses.
E, em breve, vão acrescentar o que será a estrela do cardápio, um queijo de cabra coberto com mirtilos cultivados na fazenda. “É super saudável e pode ser comido com vinho”, diz entusiasmado.
É engraçado, um argentino criando cabras no Brasil e produzindo queijos especiais e doce de leite entre as amoras. Por que ele faz isso?
“Porque gosto de desafios. Aqui trabalham 25 pessoas de diferentes idades, homens e mulheres, algo que a cabra permite. Coordenar 25 pessoas que talvez não tenham tido muito acesso à educação e ensinar-lhes os processos é muito enriquecedor. Também fiquei ‘apaixoné’ por poder ver o capim a crescer e depois um pote de queijo a ir para o mercado”, conclui.
*Traduzido e adaptado para eDairyNews
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