Dos três motivos que explicam o preço de leite e derivados argentinos estarem mais baratos, nenhum deles tem solução imediata.
leite

A crise sem fim do leite brasileiro é algo nunca visto na nossa história. Acabo de chegar de dois estados do Nordeste e a La Sereníssima, empresa argentina, já disputa a gôndola dos supermercados com os laticínios daquela região e com as grandes marcas do Brasil. Leite em pó e muçarela argentinas na mesa do consumidor nordestino, um mercado tradicional importador das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste brasileiros. Estes produtos chegam a preços competitivos, num momento em que o Nordeste começava a se destacar, sendo a única região do Brasil em que a produção de leite vinha crescendo.

Para encontrar remédio para qualquer dor é preciso encarar a doença de frente. Este assunto das importações é tão sério, que não pode ser explorado politicamente. Por exemplo, não é verdade que o Brasil está emprestando dinheiro para a Argentina exportar para nós. O que temos de concreto é problema de competitividade do nosso leite. Há três motivos para a crise que estamos vivenciando.

O primeiro motivo que nos dificulta competir com os argentinos é cambial, ou seja, é o preço do leite produzido lá, quando convertido em Dólar. Eles vivem uma imensa crise econômica. A sociedade argentina nunca enfrentou seus problemas de inflação, como fizemos no Brasil. Aqui, sempre votamos, desde a eleição de Collor, em candidatos que tenham discurso que não coloquem em risco a volta da inflação. Lá, esse não é o ponto decisivo na escolha do candidato a presidente da República. Tabelar preços de produtos para combater a carestia, criar imposto sobre exportação para criar abundância interna, centralizar operações de câmbio, todas estas medidas artificiais tem sido usadas. Mas, não aquelas que equilibrem o orçamento público, gastando menos para não ter que emitir dinheiro.

A Argentina vive uma crise aguda de escassez de Dólares. Para minorar o problema e cumprir as suas obrigações com o exterior, a Argentina solicitou e obteve empréstimo favorecido junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI, um órgão criado para socorrer países em crise cambial. Mas, o dinheiro se esvaiu, porque não atacaram as causas da escassez. O FMI não recebeu as parcelas de pagamento do empréstimo. Por isso, não vai emprestar novamente, até receber o que é devido.

O segundo motivo da baixa competitividade do leite brasileiro vem da nossa menor eficiência produtiva, quando comparada com a eficiência deles. Mas, isso não tem a ver somente com a qualidade do solo, como sempre é dito. A eficiência não foi dada a eles pela natureza. Foi construída por eles. No final dos anos 80 os argentinos criaram o “Entre Todos”, um programa de transferência de tecnologia para os produtores. Isso permitiu que aqueles produtores que desejaram se profissionalizar, tiveram o tempo devido para se adaptar. Hoje, passadas quatro décadas, estão na segunda geração de produtores que tiveram melhoramento contínuo de produtividade. Enquanto isso, no Brasil não houve nenhum programa público que tivesse esse alvo.

O terceiro motivo de perda de competitividade está relacionado ao Mercosul. No final dos anos oitenta, definimos uma União Aduaneira com a Argentina e, desde 1991, seus produtos entram aqui sem imposto de importação, como também os nossos produtos entram lá. Isso faz do Brasil um mercado cativo para os produtos lácteos argentinos e uruguaios. Afinal, para os produtos vindos de demais países exportadores de leite há barreiras tarifárias, que os tornam mais caros, além do custo de frete ser maior, pela distância.

Dos três motivos que explicam o preço de leite e derivados argentinos estarem mais baratos, nenhum deles tem solução imediata. A crise econômica argentina e a consequente desvalorização do Peso não será resolvida no curto prazo; a baixa produtividade brasileira também não se resolve no curto prazo; e o Mercosul não é problema para o Brasil. Ao contrário, é solução. Afinal, olhando a economia como um todo, exportamos mais produtos que compramos dos argentinos. O que fazer, então, enquanto as acertadas medidas pedidas por CNA, OCB e Abraleite e encampadas pelo Governo não surtem efeito?

Penso que é preciso seguir o leite que está chegando no Brasil e verificar se existem irregularidades, no produto e no seu uso, depois que chega. Inspeção oficial focada, desde sanitárias até as de não conformidade com a legislação brasileira, como reidratar leite em pó. É preciso criar uma operação envolvendo diferentes órgãos fiscalizadores, de diferentes ministérios (Mapa, Saúde e Fazenda). Mas, também é preciso chamar os laticínios para uma conversa, visando convencê-los a reduzir a injustificável amplitude de preços entre o que é pago ao pequeno e ao grande produtor de leite. Algo parecido está sendo feito com as empresas aéreas, que estão sendo chamadas a se explicar sobre as caras passagens. Pagar R$1,70 pelo litro ou US$ 0,34, é mais que desumano. É abuso!

Falhas de mercado demandam ação de Governo. Não podemos continuar destruindo emprego e renda no interior do Brasil. Não é só o produtor que está sendo aniquilado. São os municípios pequenos que estão definhando, já que leite é o vetor de irrigação dessas economias. Sem interromper a sangria, todos perderemos. Produtor, laticínio e até o consumidor e Governo, que ora se beneficiam com a queda de preços.

*Pesquisador da Embrapa, Professor da FACC/UFJF

 

 

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