No período seco, dada a escassez qualitativa e quantitativa das forrageiras, o produtor poderia pensar em estratégias para conservação e armazenamento de forragens, sejam elas pastejo diferido, feno, pré-secado e/ou silagem. Dentre essas, a ensilagem se destaca como sendo uma das práticas mais antigas, sendo uma forma de preservação de forragens verdes úmidas por acidificação. As silagens podem ser obtidas através da adição de ácido ao material a ser conservado ou através da fermentação de ingredientes com umidade suficiente para que ocorra a ação bacteriana nesse material. A ausência de oxigênio é de suma importância para a ocorrência do processo, permitindo o desenvolvimento de populações bacterianas desejáveis e produção de ácidos orgânicos resultantes do metabolismo de carboidratos solúveis (McDonald et al., 1991; Pahlow et al., 2003). Além do enriquecimento nutricional, a ensilagem permite que o pecuarista possa utilizar materiais de fácil acesso a ele, e assim baratear também o custo da alimentação. Mas, para que seja efetivo, é necessário que o processo de produção da silagem seja rigoroso e muito bem praticado para manter a qualidade do produto final.
Existem diversos tipos de silo que o produtor pode usar na propriedade, de acordo com a realidade e necessidade da operação: De maneira geral, podemos classificar os silos como:
Trincheira: composto por estruturas contendo 2 ou 3 paredes laterais, revestidas ou não com concreto. Esse silo permite um rápido enchimento e maior compactação do material, mas sulcos ao fundo com inclinação são necessários para facilitarem a saída dos efluentes. Todo o processo de produção do silo é uma corrida contra o relógio, visto que o tempo de contato entre o material e o oxigênio deve ser minimizado para preservação da qualidade do material a ser ensilado (Bernardes, 2013). A vedação é crucial para a manutenção da boa qualidade da forragem, tendo um custo pequeno no processo como um todo (Bernardes, 2016).
Superfície: geralmente utilizado para armazenamento de grandes quantidades de material, com um baixo custo inicial de investimento e capacidade de estocagem flexível, se adequando de acordo com a necessidade e tamanho do rebanho. Nesse processo, indica-se a utilização de uma lona plástica para evitar o contato do material com o solo. Por não haver paredes de contenção contra a entrada de água e oxigênio, esse tipo de silo se torna mais vulnerável à ação do oxigênio.
Bag: é um método de conservação de silagem que requer um tipo especial de maquinário para empacotar toda a silagem picada envolvida em uma lona de alta resistência, apresentando inúmeros aspectos positivos como: curto período de tempo em que o material picado fica em contato com o ar, o processo pode ser feito em locais mais próximos de onde a silagem será utilizada, menor utilização de plástico por silagem estocada vs. trincheira e superfície. Em contrapartida, o custo operacional e de maquinário é maior (Bernardes, 2013).
Vale ressaltar também que cuidados na ensilagem são imprescindíveis, uma vez que esta é uma técnica multifatorial até o alcance de um produto final de qualidade com perdas de matéria seca (MS) minimizadas. Para se ter eficiência no processo é necessário entender as 4 fases: aeróbica; fermentação; estocagem e estabilização do silo; e por último, abertura e retirada do material para a utilização. Cada fase possui características próprias, mas é importante ressaltar que durante todas as fases temos perdas de MS e, possíveis alterações na qualidade do produto final. De maneira simples e direta, o que irá determinar a magnitude de perdas da MS durante esse processo é se boas práticas de produção serão ou não adotadas (Muck et al., 2003; Rotz, 2005).
O processo de ensilagem é dependente de processos químicos e biológicos para a conservação do material e sucesso da técnica. Dentre esses processos, podemos destacar a redução do pH, maior relação lactato:acetato, microbiota favorável (bactérias produtoras de ácido lático [LAB]) e temperatura do silo < 38,5°C (Borreani et al., 2018). O material produzido de maneira correta e mantido em condições adequadas pode ser armazenado por mais de 3 anos (Borreani & Tabaco, 2012). No entanto, para que o processo fermentativo seja concluído com sucesso, tem que ser respeitado um tempo mínimo para a estabilização do material e para que isso aconteça, a população de LAB e a concentração de ácido lático no material deve aumentar com uma consequente redução do pH da silagem. Segundo Yamamoto et al. (2011), o crescimento ótimo da população de LAB é de 11 a 14 dias após o fechamento do silo, enquanto que a eficiência do processo depende da concentração de carboidratos solúveis, MS e poder tampão da forragem, onde silagens de capim levam mais tempo para serem estabilizadas vs. silagens de milho.
Por isso, o tempo que a silagem permanece no silo antes da abertura tem efeito sobre a qualidade do material final (momento da abertura). Mais especificamente, um maior tempo de estocagem do material permite uma maior ação microbiana e dos ácidos orgânicos (ácido lático e acético), refletindo uma maior degradação de certos nutrientes (matriz proteica e fibra) e alterando digestibilidade do alimento. Daniel et al. (2014) verificaram um aumento de 0,31 %/dia na digestibilidade do amido em silagens de planta inteira de milho por um período de 28 dias após a vedação do silo. Após esse período de 28 dias, a taxa de incremento na digestibilidade diminuiu consideravelmente, demonstrando que o aumento da digestibilidade do amido é contínuo, mas de forma mais acelerada nos primeiros 28 dias de fermentação. Contudo, esses autores também verificaram que a digestibilidade da fibra em detergente neutro (FDN) diminuiu à medida que o tempo de armazenamento aumentou. Sendo assim, as indicações para o tempo de abertura do silo variam com o tipo de material ensilado (cereais ou forragem). Para grãos e cereais, 60 a 90 dias de estocagem são indicados para otimizar a digestibilidade do amido e FDN. No caso de forragens, indica-se que o período de estocagem seja o menor possível após a estabilização do material (14 dias), evitando assim a solubilização da proteína e do conteúdo da parede celular (ex., hemicelulose) e, consequente perda de qualidade da silagem.
UTILIZAÇÃO DE INOCULANTES PARA MELHORIA DA QUALIDADE DA SILAGEM
O estabelecimento de um balanço entre o padrão de fermentação e controle da microbiota acaba sendo primordial, onde uma rápida queda do pH em um curto espaço de tempo e o aumento dos microrganismos anaeróbicos produtores de ácido lático no momento inicial são essenciais. Outro ponto importante afetando a qualidade do material ensilado é a abertura do silo, momento em que há uma exposição do material a um ambiente aeróbico. Por isso, é imprescindível que o material em contato com o oxigênio seja capaz de minimizar o crescimento de microrganismos indesejáveis (leveduras) pelo maior período de tempo possível.
Existem estratégias para otimizar essas etapas e evitar problemas com relação à qualidade do material ensilado, como o uso de inoculantes a base de cepas bacterianas homofermentativas, heterofermentativas facultativas, heterofermentativas obrigatórias e uma combinação das cepas. Desta maneira, a utilização de inoculantes poderia auxiliar e/ou melhorar a fermentação anaeróbica no início da ensilagem, assim como garantir uma maior estabilidade aeróbica do material após abertura do silo.
a) Utilização de bactérias produtoras de ácido lático (LAB) homofermentativas
Os mais tradicionais e comuns inoculantes bacterianos para silagem são a base de bactérias homofermentativas. Atualmente, a maioria das bactérias homofermentativas são também reconhecidas como heterofermentativas facultativas (Pahlow et al., 2003), ou seja, fermentam glicose da mesma forma como as bactérias homofermentativas, produzindo quase que exclusivamente ácido lático. Exemplos incluem Lactobacillus plantarum, L. casei, Enterococcus faecium e Pediococcus. Silagens tratadas com uma ou mais dessas cepas geralmente apresentam menor pH, ácido acético, ácido butírico e amônia-N, mas teores elevados de ácido lático e melhor recuperação da MS vs. silagens não tratadas (Muck & Kung, 1997). Em uma meta- análise, Oliveira et al. (2017) demonstraram que os efeitos desses inoculantes variam de acordo com a cultura inoculada no material ensilado. A utilização de inoculantes a base de cepas homofermentativas reduziu o pH em gramíneas de clima temperado e tropical, alfafa e outras leguminosas, mas não no milho, sorgo e cana-de-açúcar.
A utilização dessa classe de inoculante, além melhorar o padrão fermentativo da silagem, beneficiou parâmetros produtivos em ruminantes, como o consumo de MS (CMS), ganho de peso diário (GPD) e eficiência alimentar (EA; Weinberg & Muck, 1996). Em bovinos leiteiros, houve um aumento na produção de leite (+ 0,37 kg/dia) e tendência de aumento no CMS (Oliveira et al., 2017). O mecanismo pelo qual o desempenho melhorou pode ser pela inibição de microrganismos deletérios à saúde animal e produção de toxinas (Ellis et al., 2016). Além disso, Jalc et al. (2009) encontraram redução significativa na produção in vitro de metano em silagens tratadas com L. plantarum vs. silagens não tratadas. Entretanto, é importante ressaltar que a utilização dessa classe de bactérias não melhorou a estabilidade aeróbica das silagens. Sendo assim, indica-se o uso de LAB heterofermentativas facultativas quando o material a ser ensilado apresenta um menor conteúdo de carboidratos solúveis, alta umidade ou em situações de desafios climáticos (chuva e alta temperatura).
b) Utilização de bactérias heterofermentativas obrigatórias
Em contraste à classe anterior, as espécies heterofermentativas obrigatórias produzem outros componentes a partir da glicose, como ácido acético (Muck et al., 2018). A diferença entre espécies homo e heterofermentativas facultativas é a via metabólica utilizada. As bactérias heterofermentativas possuem a enzima fosfoquetolase que permite a fermentação de pentoses além de hexoses. Seu uso se deu na década de 90, quando Muck (1996) sugeriu que a adição de L. buchneri poderia melhorar a estabilidade aeróbica da silagem, devido ao aumento moderado de ácido acético, um potencial inibidor do crescimento das leveduras responsáveis pelo início da deterioração aeróbica do material. Oude Elferink et al. (2001) demonstraram que o aumento na produção de ácido acético ocorria pela via anaeróbica que converte porções moderadas de ácido lático em ácido acético e 1,2-propanodiol. Desde então, silagens tratadas com inoculantes contendo L. buchneri vem demonstrando maior estabilidade aeróbica vs. silagens não tratadas, sem efeito deletério sobre a fermentação inicial (lática; ≤ 14 dias), redução do pH e estabilização do material, uma vez que o efeito do inoculante leva no mínimo 28 dias para efetivamente iniciar o processo de conversão de ácido lático em ácido acético (Schmidt & Kung, 2010).
Em relação ao desempenho animal, seu benefício está principalmente atrelado às melhorias na estabilidade aeróbica do material ensilado e consequente redução na deterioração da silagem que será ofertada para o rebanho, melhorando assim os padrões de digestibilidade e CMS (Queiroz et al., 2010). Além da estabilidade aeróbica, algumas cepas de L. buchneri são capazes de produzir ácido ferrúlico que, por sua vez, apresenta um efeito benéfico de melhoria na digestão da fibra (Nsereko et al., 2008). Bovinos de corte consumindo silagens de forrageiras tratadas L. buchneri apresentaram um maior CMS e GPD (Weinberg & Muck 1996; Kung & Muck 1997; Rabelo et al., 2016) e uma menor relação acetato:propionato (Rabelo et al., 2016). Em bovinos leiteiros, Kung et al. (2003) reportaram um aumento na produção de leite, sem um consequente aumento no CMS, demonstrando uma melhoria na eficiência de produção de animais recebendo silagens de alfafa tratadas com esse tipo de bactéria. Desta forma, a utilização de inoculantes com L. buchneri melhora a estabilidade aeróbica da silagem e evita a perda de qualidade do alimento após a abertura do silo, resultando em benefícios na produção animal. De maneira simples e direta, indica-se o uso de L. buchneri quando o material a ser ensilado está com alta MS (> 70%) dificultando a compactação e diminuindo a densidade e/ou em situações em que a silagem ficará muito tempo exposta ao oxigênio.
c) Utilização da combinação de inoculantes
Partindo do racional de que cada tipo de inoculante exerce um efeito distinto sobre a silagem, a combinação de diferentes inoculantes (ou cepas) tem como objetivo um efeito aditivo do benefício de ambos em um mesmo produto. O uso de bactérias heterofermentativas facultativas exerce efeito durante a fermentação inicial, suprimindo enterobactérias, clostridium e outras cepas prejudiciais à silagem, e consequentemente causando uma redução na proteólise e perdas por fermentação aeróbica. Já o uso de bactérias heterofermentativas obrigatórias exerce efeito na conversão lenta do ácido lático em ácido acético após a estabilização do material, melhorando a estabilidade aeróbica da silagem após a abertura do silo. A combinação da L. plantarum e L. buchneri, bactérias heterofermentativas facultativas e obrigatórias respectivamente, foi capaz de reduzir o pH, aumentar a estabilidade aeróbica e reduzir a contagem de leveduras no material ensilado (Driehuis et al., 2001). Os mecanismos pelos quais a combinação das cepas beneficia o desempenho animal ainda estão sendo estudados, mas pode envolver uma melhoria na digestibilidade da fibra, já que Sousa et al. (2008) demonstraram um aumento na reconstituição e digestibilidade in vitro e in situ da MS de silagens tratadas com essas cepas.
Em resumo, a ensilagem é um método de conservação dinâmico e de extrema valia dentro do sistema produtivo de bovinos (corte e leite). No entanto, pode se apresentar como um processo complexo composto por diversas fases dentro do sistema de produção e estratégias para otimizar a conservação são necessárias. Dentre elas, a utilização de inoculantes (L. plantarum e/ou L. buchneri) melhora a qualidade do alimento e o desempenho do rebanho.
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