Os acordos comerciais entre Estados Unidos e Índia entraram em uma nova fase de tensão diplomática, marcada pela expectativa de Nova Délhi quanto à decisão final da Casa Branca e pela pressão de Washington para ampliar o acesso ao mercado indiano, especialmente em bens agrícolas e produtos lácteos.
Segundo fontes envolvidas nas negociações, os avanços do primeiro Acordo Comercial Bilateral (BTA, na sigla em inglês) dependem agora apenas de um sinal político do governo norte-americano, embora persistam divergências sensíveis que atrasam a formalização do entendimento.
A discussão ganhou novo impulso após declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante uma mesa-redonda com representantes agrícolas realizada na Casa Branca. Na ocasião, Trump afirmou que poderia considerar tarifas adicionais contra países acusados de praticar dumping nas vendas de arroz aos Estados Unidos, mencionando explicitamente Índia, Tailândia e China. A fala repercutiu de imediato entre os negociadores indianos, que interpretaram o gesto como parte de uma estratégia de pressão mais ampla em torno do BTA.
As conversas presenciais entre as delegações ocorreram em Nova Délhi e foram conduzidas pelo representante comercial adjunto dos EUA, Rick Switzer, acompanhado por Brendan Lynch, responsável pelas áreas de Ásia Central e Meridional. De acordo com informações compartilhadas por autoridades indianas, Washington insistiu em ampliar o acesso a bens industriais e agrícolas, enquanto a Índia manteve a posição de que não pode ultrapassar suas “linhas vermelhas” nos segmentos de agricultura e lácteos.
Um alto funcionário indiano, com conhecimento direto das tratativas, relatou que, ainda em outubro, Nova Délhi apresentou ofertas significativas à delegação norte-americana em Washington, com a expectativa de que os EUA eliminassem os adicionais tarifários de 50% impostos sobre mais da metade das exportações indianas ao mercado americano. No entanto, reforçou que a Índia não pretende abrir mão da proteção aos setores agrícolas considerados sensíveis, incluindo produtos geneticamente modificados e itens lácteos que, segundo ele, “não podem ser negociados em hipótese alguma”.
No centro das preocupações indianas está o conjunto de produtos intensivos em mão de obra sujeitos aos tarifários punitivos de 50%, como têxteis, couro, pedras preciosas, joias, calçados e frutos do mar. A Índia considera essencial que Washington retire tanto essa sobretaxa quanto o adicional de 25% aplicado como penalidade às compras de petróleo bruto russo. Para Nova Délhi, um BTA só terá significado real se esses encargos forem reduzidos a níveis equiparáveis aos aplicados a concorrentes regionais, como Vietnã e Bangladesh, cujos produtos entram no mercado americano com tarifas de 19% a 20%.
Paralelamente às discussões estruturais, a ameaça de Trump de elevar tarifas sobre o arroz indiano é vista por analistas como um movimento mais político do que econômico. Ajay Srivastava, da Iniciativa de Pesquisa e Comércio Global, observa que as exportações de arroz da Índia para os Estados Unidos somaram 392 milhões de dólares no ano fiscal de 2025, representando apenas 3% das exportações globais do cereal pelo país e enfrentando tarifas aproximadas de 53%. Além disso, destaca que 86% das vendas correspondem ao arroz basmati premium, cujo mercado é relativamente inelástico e orientado por nicho, o que reduz o impacto potencial das novas tarifas sobre os exportadores indianos.
Contudo, Srivastava alerta que a elevação tarifária poderia ampliar custos para os consumidores norte-americanos, especialmente famílias que dependem de variedades específicas de arroz importado. Para Washington, a questão tem caráter estratégico, mas também eleitoral, dada a sensibilidade do tema entre produtores rurais dos estados do sul dos EUA.
Apesar das turbulências, o comércio bilateral entre os dois países registrou crescimento significativo. No ano fiscal de 2025, os Estados Unidos consolidaram-se como o maior parceiro comercial da Índia pelo quarto ano consecutivo, com exportações indianas somando 86,5 bilhões de dólares e fluxo total bilateral de 131,84 bilhões de dólares.
Enquanto Nova Délhi aguarda o posicionamento da Casa Branca, o futuro dos acordos comerciais dependerá de uma combinação de pragmatismo, negociações técnicas e cálculos políticos em ambos os lados. As próximas semanas serão decisivas para definir se o BTA será firmado ainda este ano ou se permanecerá em compasso de espera até que se dissipem as incertezas tarifárias e geopolíticas que hoje travam o avanço das conversas.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Más Cipolletti






