Problemas logísticos e cancelamento de feiras devido às chuvas impedem empresas familiares de comercializar produtos dentro do Estado.
Gaúcha. Rodrigo e Débora Staudt, proprietários dos Laticínios Nova Alemanha, de Ivoti (RS) — Foto: Divulgação
Rodrigo e Débora Staudt, proprietários dos Laticínios Nova Alemanha, de Ivoti (RS) — Foto: Divulgação
Diante da calamidade pública causada pelas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, a presidente da Emater-RS, Mara Helena Saalfeld, e a Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL) lançaram um apelo para que o governo federal permita que as agroindústrias familiares com inspeção municipal e estadual, em caráter extraordinário, vendam seus produtos para outros Estados.

As agroindústrias do Rio Grande do Sul estão pedindo socorro. Temos 1.700 agroindústrias com inspeção municipal e estoques abarrotados sem compradores no Rio Grande do Sul porque 437 municípios estão em estado de calamidade”, disse Saalfeld, em vídeo no Instagram direcionado aos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira.

Bruna Bresolin, presidente da AGL e funcionária da Emater, disse à Globo Rural que um ofício da associação pedindo o lançamento de uma portaria nesse sentido foi enviado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) na semana passada, mas não houve resposta.

Por isso, a AGL decidiu publicar uma carta aberta e, a partir da divulgação nas redes sociais. A entidade informou que obteve a sinalização do Mapa de que haverá a liberação em caráter provisório para o trânsito dos produtos da agroindústria familiar gaúcha.

Segundo Bruna, das 1.700 agroindústrias familiares, 637 são empresas de produtos de origem animal, como queijos e doces. Elas não podem vender fora do Estado por não ter inspeção federal.

As empresas não estão debaixo d’água, mas todas tiveram sua comercialização prejudicadaMuitas ficaram sem luz, perderam matéria-prima porque não há como estocar, as lavouras que alimentam os animais foram perdidas e as quedas de barreira, de estradas e de pontes dificultam ou impedem o escoamento dos produtos”, afirmou Bruna.

Ela acrescenta que muitas agroindústrias vendem seus produtos em feiras gaúchas, que foram canceladas, e as que fornecem alimentação para merenda escolar não sabem se as escolas vão comprar. Além disso, o turismo também acabou em cidades turísticas, como Gramado e Canela.

Laticínio Estrelat, de Roberto de Oliveira e Eliana Lenhard de Oliveira, de, Estrela (RS), pede autorização especial para vender fora do RS — Foto: Divulgação
Laticínio Estrelat, de Roberto de Oliveira e Eliana Lenhard de Oliveira, de, Estrela (RS), pede autorização especial para vender fora do RS — Foto: Divulgação

Uma das agroindústrias afetadas pertence ao produtor de leite Roberto de Oliveira. Ele conta que o laticínio Estrelat, fundado em 2007 no município de Estrela, na região central do Estado, não foi atingido pela enchente, mas a propriedade ficou sem energia por sete dias e com pouca ração para alimentar as vacas, que reduziram 20% a produção de leite. Na cidade, bairros inteiros ficaram destruídos.

Estamos pedindo socorro para poder vender o doce de leite que produzimos em outros Estados pelo menos por 90 dias porque, com as estradas interrompidas e com o fim das feiras no Rio Grande do Sul, não temos renda e ficamos com os produtos parados”, declara Oliveira.

Suas vacas produzem 3.000 litros de leite por dia, que rendem 15 mil litros de leite tipo A por mês e 12,5 mil quilos de doce de leite. Neste mês, o produtor estima que não vai conseguir vender nem um terço do leite.

Para a comercialização do doce, Oliveira diz que já tem convites de feiras em Santa Catarina, mas, como só tem inscrição municipal e estadual, depende de uma autorização especial para vender fora do Estado.

“A gente já segue a legislação do Mapa. Não entendo essa burocracia de não poder vender para fora do Estado porque aqui em Estrela a fiscalização municipal é até mais rígida que a federal e os fiscais estão sempre dentro da agroindústria, já que o município tem três fiscais para sete agroindústrias.”

Rodrigo Aloisio Staudt, dono do Laticínios Nova Alemanha, em Ivoti (RS), viu serem cancelados pelo menos 60% dos pedidos — Foto: Divulgação
Rodrigo Aloisio Staudt, dono do Laticínios Nova Alemanha, em Ivoti (RS), viu serem cancelados pelo menos 60% dos pedidos — Foto: Divulgação

Rodrigo Aloisio Staudt, dono do Laticínios Nova Alemanha, em Ivoti, está na mesma situação. Não sofreu com as enchentes na agroindústria, mas das 15 toneladas de queijo que produz por mês, viu serem cancelados pelo menos 60% dos pedidos. Além disso, clientes que tiveram as lojas alagadas não terão condições de pagar e muitos já pediram a prorrogação dos títulos.

Não estamos conseguindo escoar a produção. Não dá para chegar em Caxias do Sul pela queda de barreiras, assim como há problemas para entregar os queijos em Lajeado e em parte de Porto Alegre. Eu recebo 5 mil litros de leite por dia e já temos 3 toneladas de queijo no estoque. Em três semanas, vou atingir o meu limite de armazenamento e não sei o que vou fazer.”

Com uma empresa de 22 funcionários, sendo oito pessoas da sua família, e 18 famílias produtoras de leite como parceiras, Staud diz que o ideal seria voltar a comercializar seus queijos no Estado, mas sabe que isso vai demorar. Por isso, ele vê a venda para fora do Estado como única alternativa para não ficar parado e sem renda.

O que vai nos ajudar nisso é a parceria com a AGL para o transporte dos produtos de várias agroindústrias para fora, já que nosso mercado hoje é todo gaúcho. Seria uma maneira de pelo menos manter as contas em dia”, diz o empresário, ressaltando que a calamidade coincidiu com um aumento de seu custo de produção causado por um financiamento que a família fez para expandir o negócio.

Stéfani Harthmann, produtora de morangos e proprietária de uma agroindústria de doces em Cristal (RS), disse que a chuva prejudicou a produção e encheu as plantas de pragas. A empresa dela, que tinha um faturamento de R$ 15 mil mensais, também foi prejudicada pelo cancelamento das feiras.

“Tenho produtos estocados de dois meses que estavam prontos para comercialização nas feiras. Estamos buscando uma saída para que nossos estoques sejam distribuídos, mas também tenham vida útil na prateleira.”

Logística reversa

A presidente da AGL diz que a portaria seria uma solução provisória para enviar imediatamente 9 toneladas de queijos das agroindústrias gaúchas que estão estocadas para fora do Estado, já que há mais de 50 lojistas de queijos artesanais de diversos estados brasileiros prontos para fazer uma compra coletiva de todo esse volume.

Segundo Bruna, a sugestão de usar um caminhão que entrega doações de Minas Gerais veio da veterinária Renata De Paoli Santos, dona da escola e da empresa de consultoria Curadoria do Queijo no município de Lambari (MG), que atende agroindústrias gaúchas de pequeno porte.

Renata viabilizou o uso de um caminhão da Biotech Logística, que pertence a uma amiga de Minas e está levando doações ao Estado. “Estamos nos trâmites para fazer essa logística reversa a fim de levar com segurança e sem barreiras jurídicas os produtos esta semana para Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas”, contou a consultora.

O que diz o Mapa

Segundo a assessoria de imprensa do ministério, a demanda gaúcha foi recebida e está em análise.

Danilo Gomes, diretor-técnico da AGL e veterinário da Defesa Agropecuária de Caxias do Sul, afirmou à reportagem que uma reunião preliminar com técnicos do Mapa já sinalizou que o ministério vai criar uma alternativa para os produtores artesanais, especialmente os laticínios, que precisam escoar a produção com urgência, caso da carga de nove toneladas, mas não há como fazer uma portaria para beneficiar todas as agroindústrias gaúchas.

“Está complicada a liberação da portaria que a gente pleiteou para todas as agroindústrias porque possibilita que alguns outros tentem se aproveitar do processo, há chance de fraudes de produto e dificuldade de rastreabilidade, ou seja, uma comercialização que pode prejudicar outros cenários, inclusive sanitários.”

Segundo ele, o Mapa deve propor, no entanto, um outro instrumento de médio prazo com validade jurídica para a comercialização desses produtos artesanais para fora do Estado.

Food Processing Plant With Workers, Generative AI

 

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