Quase três meses após a histórica enchente que atingiu o Rio Grande do Sul, os efeitos começam a aparecer com mais força na zona rural. Um dos setores mais afetados é o de produção de leite.
Com perdas nas lavouras e da silagem que estava armazenada, produtores lutam para manter os animais.
Os mais de mil milímetros de chuva em maio ainda impactam a região. Pontes caídas e estradas bloqueadas dificultam o escoamento da produção de leite. Nessa propriedade em Travesseiro, no Vale do Taquari, as vacas fazem contraste com o Rio Forqueta, que ficou bem mais largo e levou parte da terra junto. Foram dezenove dias sem luz e dez descartando o leite. Oito vacas morreram. Cenas que não saem da cabeça dos produtores.
Carlos Prediger, produtor de leite, relatou: “Isso veio muito rápido, muita madeira junto. Acabou com as terras, lodo, não sobrou pasto, não sobrou nada. Foram três dias, um pior que o outro. O terceiro dia acabou com tudo”.
Jean Prediger, também produtor de leite, afirmou: “Todas sofreram. Muitas doenças, perda de pasto e diminuição no leite. Tudo ajudou nessa ocasião”.
A produção de leite caiu de 1600 litros por dia para uma média de 1200 litros. O que chega de doação de alimento dura pouco para as 70 vacas, e o quilo de silagem está saindo por R$ 0,40, mais o frete, uma média de 5,5 mil reais a tonelada. Além disso, a força da água levou todas as árvores que serviam de sombra para os animais. Em um solo que perdeu todos os nutrientes, a única saída é investir tudo de novo.
Carlos Prediger explicou: “Tem muitas áreas que nós não vamos conseguir plantar. Puro lodo e tudo o que a gente semeia morre e nem chega a nascer. Não vinga. Essa areia parece que é tóxica para as plantas. Não adianta plantar”.
A situação é parecida em uma propriedade em Relvado, também no Vale do Taquari. São 32 vacas em lactação e 80 mil quilos de silagem perdidos. Alecír de Souza Leite e sua esposa Solange ficaram 30 dias isolados e perderam 10 mil litros de leite.
Alecír de Souza Leite compartilhou: “Tenho 61 anos e nunca passei por isso aqui. Foi triste. Primeira semana para nós foi muito difícil. Não sabia onde a gente estava, o destino que nós ‘tava’. Tu não sabia se iria ordenhar as vacas 2 horas da tarde, 3 horas ou às 5 horas? Para nós foi muito chocante isso aí”.
Aqui, a produção caiu de 27 litros por vaca para 18 litros. Mesmo com a reação no preço pago ao produtor, que está na casa de R$ 2,70, isso ainda não é suficiente para manter os animais, comprar alimento e recuperar o potencial de produção, também afetado por doenças.
Solange de Souza Leite comentou: “Eles tinham que ir na chuva para levar alimento para as vacas, comida bastante estragada e as vacas não comiam direito. Aí diminuiu bastante o leite. A gente conversava né? Vamos fazer o que? Tem que enfrentar. As vacas estavam aí. Tu tinha que ir atrás então vamos enfrentar”.
Os produtores lembram que o estado recebeu muitas doações durante as enchentes, mas é preciso que elas não parem até vir a solução completa.
Alecír de Souza Leite ressaltou: “Pretendo começar a cortar um azevém para tentar normalizar, mas espero que as fábricas de ração também voltem a funcionar melhor porque semana passada fiquei dez dias sem ração, que estão dizendo que não tem estrada e aí fica difícil”.
Carlos Prediger concluiu: “Vamos tentar achar uma saída, tentar comprar trato, vender uns animais e tentar dar a volta. Tem que construir porque não sobrou sombra na beira do rio. Estamos tentando e vamos ver”.