O produtor rural catarinense iniciou o ano recebendo R$ 1,37 o litro de leite e de lá para cá viu o preço aumentar sete vezes e cair apenas uma, em maio, segundo mês de pandemia. Em junho e julho, o produto acumulou duas altas consecutivas acima da casa de dois dígitos, de 10,8% e 17,5%, alcançando R$ 1,74. Em agosto, o preço voltou a subir 9,77%, ficando em R$ 1,91 ao litro e em setembro tem nova estimativa de alta: 5,7% ou R$ 0,12 a serem pagos em outubro, quando o litro deve ultrapassar os R$ 2,00 ao produtor.
Quem observa os números deduz que o momento é de grande rentabilidade dos produtores em Santa Catarina e em todo o Brasil. Porém, a conta não é bem esta. A valorização nos preços no mercado veio acompanhada da alta nos custos, o que não refletiu em ganhos reais ao produtor. O vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC), Enori Barbieri, explica que a valorização da soja e do milho no mercado externo elevou os preços da ração e acabou igualando a conta: os custos da produção anulam os ganhos.
“Como a estiagem neste ano destruiu as pastagens naturais e 40% do milho para silagem, o produtor está tendo que usar ração na alimentação do rebanho. O problema é que o preço dos insumos aumentou consideravelmente em dólar. A saca de milho que custava R$ 35,00 no início do ano passou para R$ 60,00 e a tonelada do farelo de soja que estava por R$ 900 está custando R$ 2.300. Por isso, apesar de melhor, o preço do leite não se traduz em ganho ao produtor”, pontua.
É o que também expõe o produtor de leite de Chapecó e presidente do Conselho Paritário de Produtores e Indústrias de Leite do Estado de Santa Catarina (Conseleite-SC), José Carlos Araújo. Com 65 vacas em lactação, de um plantel de 140 animais, a produção alcança 65 mil litros de leite por mês na propriedade.
Para Araújo, a alta nos preços repõe as perdas acumuladas nos últimos anos. “O preço pago agora está sendo o justo. Bom seria se não viesse acompanhado do aumento dos insumos. Até então, o produtor vinha trabalhando no prejuízo, muitos desistindo da atividade, agora, pelos menos está conseguindo pagar as contas”, analisa.
AUMENTO DOS PREÇOS
Três fatores explicam o aumento no preço do leite no País: redução da produção/captação causada pela estiagem, aliado ao aumento no consumo nas classes mais baixas com o pagamento do auxílio emergencial e também à procura maior por alimentos nos supermercados durante a pandemia.
Desde o início de 2020, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o preço do leite no campo apresenta alta acumulada real de 42,9% na “Média Brasil”. Esse avanço foi acentuado entre os meses de junho e agosto, quando os valores subiram 40,1%. Nesse período, a valorização do leite ao produtor esteve atrelada à maior competição entre as indústrias de laticínios para garantir a compra de matéria-prima. A concorrência acirrada, por sua vez, está relacionada à necessidade de se refazer estoques de derivados lácteos, em um momento de oferta limitada no campo e de recuperação da demanda.
“Em Santa Catarina, as indústrias têm capacidade instalada para processar 11 milhões de litros de leite por dia, porém a produção estadual não chega a 8 milhões. Então há concorrência no mercado e, na falta do produto, os preços pagos ao produtor aumentam”, ressalta Barbieri ao destacar que a região sul concentra metade da produção nacional.
O dirigente da FAESC afirma que os preços devem manter-se em alta, acompanhando o aumento dos insumos e do consumo. “As altas vieram para ficar, não há como recuar. Os custos continuam elevados e é preciso haver equilíbrio para não desestimular os produtores”, projeta.
Em relação ao restante do ano, Barbieri destaca que a expectativa é otimista para o setor, sem a previsão de eventos climáticos acentuados que possam prejudicar a produção, o que pode assegurar boas pastagens e reduzir os custos aos produtores.