O Sabiá fará todo o inventário da área que sequestra (com fotossíntese) e da atividade (produção e logística) que emite carbono usando dados coletados pelo aplicativo a campo, cruzando com dados de satélites. “Por enquanto, todo o crédito de carbono gerado será adquirido pela Amazon.”
A big tech, avaliada em US$ 1,63 trilhão, é conhecida mundialmente por abalar as estruturas de mercados em que entra – o varejo, que o diga – e isso é esperado para esse setor. “A Amazon vai comprar os créditos de carbono de safras futuras”, afirma Leão. Além de neutralizar suas emissões de carbono, a companhia deverá negociar esses créditos no mercado.
Na prática, a companhia está criando um novo negócio no qual compra créditos de carbono antecipadamente e poderá vende-los. “Estamos falando da construção de uma nova economia.” Atualmente, a tonelada de carbono é negociada na Califórnia por US$ 15,00 e pode chegar até a US$ 100,00. No Brasil, os chamados CBios, negociados na B3, fecharam cotados em R$ 55,64 no dia 12 de janeiro.
O mercado de carbono voluntário, aqueles que são liderados por empresas, movimentou mais de US$ 1 bilhão, em 2021, segundo dados do Ecosystem Marketplace, da Forest Trends. De acordo com um relatório divulgado pela XP, em julho do ano passado, o mercado de crédito de carbono como um todo movimentou € 229 bilhões em 2020, cinco vezes mais do que em 2017.
A Europa, região que representa 90% do valor global, negociou um volume de 10 bilhões de toneladas de CO2. “Se por um lado, o mercado de carbono é uma solução às mudanças climáticas, por outro, não existe uma bala de prata quando o tema é o aquecimento global. Na nossa visão, não será somente a compensação de carbono que vai resolver esse desafio, e sim um conjunto de ações. A inovação tecnológica e o investimento público e privado em novas soluções possuem um papel fundamental nessa missão”, escreveram as analistas Marcela Ungaretti, Jennie Li e Giovanna Beneducci.
A Amazon já vinha envolvendo no projeto Sabiá duas entidades que estavam cadastrando produtores de suas bases. Entre elas estão a The Nature Conservancy e World Agroforestry. A empresa de Jeff Bezos também faz parte – e lidera – a Leaf Coalition, um fundo de US$ 1 bilhão que conta com a participação dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido e de empresas como Nestlé, EY, Airbnb, BlacRock e outras.
Esse grupo também poderá entrar no Sabiá, em transações envolvendo a cadeia pecuária, agroflorestal e agricultura. “Tem uma grande importância a Amazon sentando na ponta da mesa, assinando grandes cheques, chamando governos e outras empresas para participarem dessa história”, diz Leão. “Deixa de ter um teor puramente político para ter um teor pragmático, de negócios. Cria os mecanismos para quem sequestra o carbono vender isso e girar a roda.”
A entrada da BovControl, que tem investidores como Rodrigo Borges, da Domo, aconteceu de uma forma inusitada. A startup, fundada em 2014, funcionava como um software as a service para digitalizar as tarefas e negociações de insumos e produtos das fazendas de pecuária.
Mas, ao longo do tempo, foi estendendo suas áreas de atuação de pecuária para outras cadeias do agro e indústrias. A Nestlé, por exemplo, usa a plataforma para rastrear a qualidade, procedência e até impacto, como o gasto de água, de 5 mil produtores de leite.
Nos últimos dois anos, o sistema da BovControl, que é usado por 83 mil fazendas ativas em 47 países, passou a atuar em outros negócios. Leão não revela os números da companhia, mas conta com uma receita recorrente de assinatura dos milhares de clientes. São assinaturas que vão de US$ 20 a US$ 400 por mês.
Até hoje, a empresa recebeu US$ 3 milhões em investimentos seed. “O Kees Kooling, fundador do Booking, me disse várias vezes para não buscar investidor sem necessidade.” Leão acabou partindo para novas frentes de negócio. Criou o BovImpact, que mede a pegada de carbono dos produtores, e o BovCrypto, um token de carbono.
Em 2019, ao ver o movimento das 100 maiores empresa do mundo se posicionando como net zero, ele acordou para essa oportunidade. “Elas assumiram essa responsabilidade e começaram a investir bilhões de dólares em programas de neutralização de carbono. Isso deu um nó na nossa cabeça”, diz ele.
Para estarem neutras, diz ele, não basta diminuir as emissões. A atividade precisa ser sequestradora de carbono ou comprar os créditos. Depois de fazer um trabalho para a FAO, com fazendas do Equador, a BovControl resolveu cruzar dados de sua base de fazendas conectadas no mundo para entender o tamanho disso.
“O que a Tesla, que é a mais famosa, por conta dos carros elétricos dela, deixa de emitir de carbono é algo da ordem de 300 mil toneladas por ano. Nossa base sequestra 50 milhões de toneladas de carbono. É 70 vezes a Tesla”, diz Leão. Com os dados em mãos, a BovControl começou a mostrar para as 100 maiores empresas.
A ideia era ressaltar que a startup tinha framework para fazer a neutralização de carbono das companhias. Entre as empresas que se interessaram, estava a Amazon. De 2019 até o fim do ano passado, as duas empresas vinham conversando e, depois de assinarem o acordo para a BovControl ser a fornecedora da tecnologia, desenvolveram o projeto. Agora, esse negócio pode ajudar a mudar o jogo global na área de emissões de carbono.