Há vários anos, o Brasil se tornou o principal destino dos produtos lácteos argentinos, adquirindo 60% da quantidade total produzida internamente. Entretanto, esta grande figura não deixa de lado as tensões comerciais entre os dois países, algo que a Associação de Pequenas e Médias Empresas de Laticínios (APyMEL) vem denunciando há algum tempo.
A principal preocupação nestes dias é que o país vizinho tenha interrompido a importação destes produtos nos postos de fronteira sem aviso prévio.
“Nós somos dependentes do Brasil. Se o Brasil se constipa, temos um problema sério. E não é como na Argentina, que avisa com antecedência que vai bloquear as importações. O Brasil bloqueia as importações na fronteira e deixa os caminhões parados por 30 a 40 dias. Para produtos perecíveis, como produtos lácteos, isto é extremamente complicado”, disse Fernando Ramos, gerente de Comércio Exterior da APyMEL, à Bichos de Campo.
A verdade é que este problema não é novo, pois o Brasil retarda a concessão de licenças em bases cíclicas, em vários produtos que vão além da cadeia leiteira, tais como óleo, farinha e açúcar.
No caso particular da indústria leiteira, os produtos exportados requerem licenças não automáticas, que devem ser processadas 30 dias antes do despacho e são avaliadas por diferentes órgãos ministeriais brasileiros. Os produtos normalmente exportados são o queijo mozzarella, os palitos de queijo, o leite em pó e o dulce de leche, assim como outros queijos duros e azuis.
“Se minha licença cair em um estado brasileiro com um excedente de leite, eles podem cancelá-la”. E esse atraso de 30 a 40 dias me tira do mercado”, disse o gerente, que acrescentou: “Isso já aconteceu duzentas vezes”. É a maneira usual de o Brasil lidar com a Argentina. Existe uma relação bilateral que não é imparcial, e o que a Argentina faz a respeito disso? Não retalia porque não tem a capacidade de controle que o Brasil tem”.
Um fator importante a ser levado em conta, e que agrava a situação, é que a primavera começou, uma época em que se produz entre 25% e 30% a mais de leite, o que gera um excedente de produção.
O leitor pode pensar que este excedente poderia ser destinado a outros mercados, mas a falta geral de contêineres e o alto preço do frete – em parte causado pela interrupção da pandemia em 2020 – tornou impossível a movimentação desta mercadoria.
Um exemplo disso é o embarque de leite em pó para a Argélia, um dos principais mercados da Argentina depois do Brasil. Como o país africano compra a mercadoria no porto, o embarque é feito às custas do país exportador. Segundo a APyMEL, a Argentina pagava normalmente entre 50 e 80 dólares por tonelada para chegar a esse destino, e agora esse valor subiu para 200 dólares.
“Isso se você conseguir o espaço. E o preço do leite é o preço de mercado, não podemos acrescentar esses 200 dólares para o transporte. Embora gostaríamos de contornar o problema com o Brasil e visar outros mercados, hoje não temos como fazer isso”, disse Ramos.
E o que o governo está fazendo a respeito desta situação? Por enquanto parece que nada, e o setor leiteiro denunciou que a retenção de 9%, calculada com base num funcionamento normal do mercado, os deixou contra uma rocha e um lugar difícil.
“Além disso, o Brasil nos exige, para as importações, um protocolo sanitário realmente complexo, e os produtos brasileiros que entram na Argentina não são controlados pela Senasa. É ilógico”, sustentou o gerente.
Este protocolo inclui certificações de qualidade e o registro de estabelecimentos autorizados no Ministério da Produção brasileiro, onde o controle comercial e sanitário é realizado para a atribuição de licenças de importação.
Diante desta situação, a APyMEL se reunirá nesta quarta-feira com funcionários do Ministério da Agricultura, e apresentará um pedido, que também será apoiado pelo Centro da Indústria de Laticínios (CIL), para uma redução temporária das retenções até a passagem da primavera, e para a realocação dos estoques existentes em mercados abertos para a Argentina.
“O governo está engajado na política e na busca de votos, e está esquecendo que existe uma situação comercial contínua”, concluiu Ramos.