Nos últimos anos, a produção de leite na Argentina passou por uma transformação silenciosa, mas profunda.
A mudança nos sistemas de alimentação das vacas e a adoção de melhores práticas no manejo têm elevado os sólidos úteis do leite, reduzido os microrganismos indesejados e melhorado a saúde dos animais. Para o Brasil, esse movimento acende um alerta – ou uma oportunidade – em um momento em que o país também debate como aumentar a produtividade e melhorar a rentabilidade do setor.
📈 Mais sólidos, mais rendimento industrial
Dados comparativos das Encuestas Sectoriales Lecheras do INTA (2014-2015 vs. 2022-2023) mostram que o teor de gordura butirosa aumentou 6,5% e o de proteína, 2,4%. Com isso, os sólidos úteis passaram de 6,85% para 7,16%, o que representa um ganho direto no rendimento industrial:
- +3,65% em kg de mozzarella
- +4,43% em leite em pó integral
Para o mercado brasileiro, que importa parte de sua necessidade industrial da Argentina, isso significa produtos com mais rendimento e potencialmente mais competitivos em preço/kg útil, mesmo quando os preços de exportação se mantêm similares.
🐄 Vacas mais eficientes, mas menos a pasto
O sistema de alimentação também mudou. A dieta média das vacas argentinas viu um aumento de +7% no consumo de matéria seca, com destaque para:
- +28% de amido (energia)
- +5% de fibra (FDN)
- -8% de excesso proteico
- +5,8% na carga animal (1,39 para 1,47 VT/ha)
Com isso, o pasto caiu 23% na dieta e foi substituído por mais silagem (de 3,3 kg para 6,1 kg MS/vaca/dia) e mais concentrado (de 5,5 kg para 5,9 kg). O modelo argentino caminha, assim, para sistemas mais intensivos e menos dependentes de pastagens naturais – um caminho já observado também em regiões como Paraná, Minas Gerais e Goiás.
💡 Impacto ambiental e sanitário
Além da melhora composicional, houve ganhos em qualidade higiênico-sanitária:
- Redução nos RCS (células somáticas)
- Redução nas UFC (unidades formadoras de colônia)
- 60% dos tanques de frio com menos de 10 anos
Simulações com o modelo CNCPS (Cornell) indicam ainda redução de -5,4% nas emissões de CO₂ equivalente/litro e -7,4% em metano. Para empresas brasileiras com foco em exportações e ESG, isso representa um alerta: a concorrência está investindo em sustentabilidade real, e não só discurso.
🏭 A indústria argentina ainda patina
Apesar da evolução no campo, o setor industrial argentino enfrenta desafios sérios:
- 72% das plantas não têm gás natural encanado
- Muitas ainda operam com pasteurização energeticamente ineficiente
- Falta padronização e tecnologia para aproveitar os sólidos
Segundo um estudo do próprio setor, pequenas indústrias argentinas chegam a ter melhor produtividade por litro que grandes players – um sinal de ineficiências estruturais. Para o Brasil, que possui uma indústria mais tecnificada e melhor acesso a energia, isso ainda representa uma vantagem relativa.
📌 O que o Brasil pode (e deve) observar
- Monitorar os sólidos úteis dos produtos argentinos importados
- Revisar modelos alimentares em sistemas semi ou totalmente confinados
- Investir em eficiência industrial e energética antes que a Argentina o faça
- Comparar emissões por litro entre países com critérios objetivos
O avanço argentino mostra que eficiência e qualidade não exigem revoluções, mas ajustes consistentes. Se o Brasil quer manter sua competitividade no mercado regional – e aproveitar melhor sua própria produção – precisa observar de perto esses dados, aprender com o que funciona… e agir antes que vire desvantagem.
Com informações de DairyLando®, eDairyNews Media Partner