Ingrediente essencial na cozinha, seja no pão ou na panela, merece atenção; time de especialistas degustou às cegas as manteigas mais populares nas gôndolas; confira como elas se saíram.
manteiga
Creme de leite batido, primeiro, vira chantilly e depois manteiga Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Como já dizia Julia Child “manteiga nunca machuca”. A cozinheira, responsável por popularizar a culinária francesa nos Estados Unidos, nunca escondeu sua paixão pela manteiga, e nem nós. Ela é o par perfeito do pãozinho da manhã e o ingrediente “secreto” de 10 em cada 10 cozinheiros franceses.

Tamanha importância merece atenção na hora da escolha do tablete. Por isso, o Paladar decidiu testar algumas das marcas mais populares dos mercados, a fim de te ajudar a escolher um produto digno de passar no seu pão (ou fazer uma torta, um croissant, finalizar um molho, fritar um bife, as possibilidades são infinitas).

Para tal missão, convidamos um time de jurados de peso, composto por cinco especialistas (confira abaixo), que provou às cegas 11 amostras de manteigas sem sal de diferentes procedências, entre nacionais e importadas. Escolhemos esta versão por serem mais “puras”. “O sal pode ser usado para mascarar alguns defeitos”, explica o técnico agrícola especialista em laticínios, Ricardo Bonilla.

Mais abaixo, você conhece como as marcas mais populares foram classificadas, de “nunca mais” para as mais deliciosas. Mas já anote aí: uma boa manteiga deve ser cremosa, delicada e com sabor de leite. Ranço e acidez em excesso são sinais de manteiga velha ou matéria-prima de má qualidade. A sua textura deve ser untuosa, nunca esfarelenta.

Puro acidente

Creme de leite batido, primeiro, vira chantilly e depois manteiga. Isso mesmo, se você esquecer o creme de leite fresco na batedeira, ele não vai estragar, vai virar manteiga.

Nata da nata

Há diversos estilos de manteiga, cada qual com suas características e qualidades, ela pode ser diferente em aspectos como sabor, teor de gordura e até mesmo textura, a depender de seu país de origem.

De um modo geral, as manteigas europeias (em especial as francesas) possuem um sabor mais rico, resultado de seu alto percentual de gordura – o requisito mínimo é que as manteigas tenham pelo menos 85% na maior parte da Europa.

A raça e alimentação dos animais também influencia diretamente nas características da manteiga. “Manteiga de diferentes espécies de vacas, resultam em sabores diferentes, assim como a alimentação do animal também impacta na coloração e sabor do produto”, explica Alan Davidson, em The Oxford Companion to Food.

Por exemplo, leite de animais alimentados com capim têm, em geral, mais betacaroteno do que os de vacas que são alimentadas com ração – por isso algumas manteigas são mais amarelas que outras. No entanto, algumas marcas usam corantes, como urucum, para simular a cor, o que é permitido por aqui, basta indicar na embalagem.

“A diferença aqui não é propriamente sobre a qualidade da manteiga, mas, sim, sobre as características que o produtor deseja serem mais marcantes no produto final”, explica Rosana, da Fazenda Atalaia, que produz além do premiado queijo Tulha, manteiga fresquinha no interior de São Paulo.

Independentemente de a manteiga ser mais amarela ou mais ácida, o segredo para uma boa manteiga é partir de um bom creme (a nata), conforme explica o Bonilla, à frente da Manteigaria Nacional, marca de manteigas artesanais responsável por abastecer importantes restaurantes e padarias da cidade. “A manteiga é basicamente o creme, e não há como melhorá-lo depois que sai da vaca, dá para disfarçar com aditivos, mas é impossível alçar uma boa manteiga sem uma boa nata”, explica.

Apesar do processo industrial da produção da manteiga ser relativamente parecido com o artesanal, é o acesso ao tal creme que atrapalha na qualidade da maioria das manteigas que encontramos nos mercados – além de caro, é raro. “Conseguir um bom creme é o maior desafio do produtor de manteiga”, conta Bonilla.

Uma mudança recente e fundamental no processo de fabricação da manteiga, especialmente após o início de sua produção industrial, diz respeito à fermentação.

Antigamente, e até nos dias atuais em produções artesanais, a manteiga era fermentada, pois o processo de separação da nata tomava tempo e, com ele, vinham bactérias. A indústria, no entanto, utiliza-se, muitas vezes, de cremes pauteurizados, além de se servir de processos que aceleram a separação do leite. Assim, o produto resultante é uma manteiga fresca, mas menos complexa em sabor e textura.

O impacto da produção industrial é tamanho, que o paladar brasileiro parece ter se acostumado com manteigas pouco ácidas e de sabor mais neutro. No entanto, a acidez não é uma característica negativa, nem sinal de baixos padrões sanitários. Na Europa, sobretudo, costuma-se deixar a manteiga fermentar para desenvolver sabor e acidez, algo desejado por muitos produtores e consumidores. Isso se reflete no próprio ranking, apesar da expertise dos jurados, as manteigas de sabor mais fortes foram preteridas com relação às mais frescas e neutras. Confira abaixo.

Ranking

1ºPresident

(R$ 14,99; 200g no Pão de Açúcar)

Douradinha, que já atrai o olhar! Tem sabor suave mas com personalidade. É levemente ácida, o que agradou aos jurados, com final frutado e retrogosto amendoado. Cremosa ao passar no pão ainda levemente gelada, ganhou muitos pontos nesse quesito. Tem tudo que se espera de uma manteiga sem sal. A versão testada da marca francesa é, na realidade, produzida no Brasil.

2º La Serenissima

(R$ 11,29; 200g no Mambo)

Com aroma fresco, sabor lácteo e de gordura suave, é saborosa e levemente adocicada – tem uma “doçura” leitosa”. Tem textura firme e cremosa. Foi muito elogiada. Agradou a todos os jurados.

3º Paysan Breton

(R$ 11,99; 200g no Natural da Terra)

De personalidade mais forte, a manteiga francesa é untuosa, não quebra (um ótimo sinal da gordura), tem sabor lácteo delicado e foi notada como “fresca” por alguns dos jurados, com leve acidez agradável no final.Quase empatou com a segunda colocada.

4º  Tirolez

(R$ 13,99; 200g, no Pão de Açúcar)

Sem defeitos, descrita como uma manteiga correta, padrão, no bom sentido. Tem sabor, com leve amendoado no final, e gosto preciso – sem grandes altos ou baixos. Perdeu alguns pontos pela textura um tanto “quebradiça”.

5º Aviação

(R$ 13,99; 200g, no Pão de Açúcar)

Aroma limpo e suave, sabor agradável, lácteo e levemente herbal. Uma manteiga correta, porém com certa timidez na boca. A textura é lisa e homogênea, apresenta untuosidade, mas esfarela mais do que o esperado ao passar no pão, poderia ser mais cremosa.

6º Itambé

(R$ 10,99; 200g, no Mambo)

Sabor pouco marcante, aroma neutro, leve lembrança láctea na boca, mas bem discreta no final. É homogênea, mas falta untuosidade, é quebradiça, mesmo em temperatura ambiente. Mais indicada para usar em preparos do que para passar no pão.

7º Batavo

(R$ 13,99; 200g, no Natural da Terra)

Sem grandes qualidades, mas também sem grandes defeitos. Textura aceitável, sabor neutro. Não impressionou, mas também não desagradou.

8º Roni

(R$ 36,40; 500g, na Casa Santa Luzia)

Bem amarela, mais forte do que as outras, já revela mais personalidade que as outras amostras, o que não agradou a todos os jurados. Intensa, mais rústica, tem sabor lácteo acentuado e acidez também. Foi a preferida por alguns dos jurados para passar no pão. Lembra pasto, que pode ser bom ou ruim, a depender da expectativa.

9º Regina

(R$ 10,90; 200g, no St.Marche)

Aroma forte denuncia um produto rançoso, mas na boca é neutra. Todos os jurados notaram defeitos na textura: muito quebradiça e porosa; falta untuosidade e gordura mais homogênea. Uma manteiga incorreta.

10º Granarolo

(R$ 18,50; 200g, na Casa Santa Luzia)

A marca italiana decepcionou os jurados: com aparência ressecada, sabor metálico, rançosa e artificial. A textura foi descrita como fibrosa, quase arenosa, “a menos cremosa de todas”, escreveu um deles.

11º Jersey de Itu

(R$ 47,29; 500g, no Quitanda)

De tom amarelo bem forte, a manteiga produzida na Fazenda Limeira, em Itu, interior de SP, foi a mais artesanal do painel – talvez por isso, tenha causado estranheza nos jurados. Menos padrão, com forte aroma que remete a estábulo, tem sabor bem marcante, lácteo, com bastante gordura e lembra mato. Uma questão de costume.

Os jurados

Alethea Suedt@a_padeira

A padeira, que planta o próprio trigo para fazer os seus pães, leva muito a sério não só a qualidade e sabor dos pães que vende na sua loja, na Vila Beatriz, como também cada um dos ingredientes que os compõem. Por essa e outras, ela foi jurada desse painel. “Avaliei cada uma das manteigas pensando no uso para a minha cozinha, nas receitas de croissant especialmente”. Em uma só manhã, foram 11 pães na chapa para simular o sabor das manteigas assadas.

Carlos Siffert,  @csiffert Professor da Escola Wilma Kövesi de Cozinha e consultor do empório Casa Santa Luzia, ambos em São Paulo, participou da edição de 2015 deste painel de manteigas. Siffert sentiu falta de mais personalidade nas  manteigas e considerou  “70 % das amostras eram bem parecidas”.

Francisco Lobello, @brividosp

O mestre-queijeiro é responsável pelas disputadas ricotas da Brivido, assim como os iogurtes e coalhadas frescas da marca de queijos artesanais, localizada em Jacareí, interior de SP. Na prova, mostrou predileção das manteigas de maior personalidade, com sabores mais fortes.

Luiz Filipe Souza, @luizfilipe

À frente do premiado Evvai, restaurante de cozinha italiana autoral, o chef está entre os mais técnicos e criativos da cidade, e costuma bater  manteigas de diferentes sabores do zero na casa, e brinca com suas nuances, seja para acompanhar os pães do couvert, ou compor pratos.

Renata Braune, @renatabraune

A chef formada na Le Cordon Bleu Paris, morou e estagiou na cidade. De volta ao Brasil, comandou o Le Chef Rouge por vários anos. Foi a head-chef da Le Cordon Bleu em São Paulo e atualmente atua como consultora. Tamanha bagagem se mostrou nas avaliações e notas.

Mas já anote aí: uma boa manteiga deve ser cremosa, delicada e com suave sabor de leite

 

 

 

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