Durante anos, o discurso do futuro “plant-based” e sem animais ecoou com força no mercado global.
Empresas como a Beyond Meat se tornaram símbolos de uma revolução alimentar que prometia destronar a carne e, de quebra, tirar os laticínios das gôndolas.
No entanto, os resultados recentes da Beyond – e o anúncio de que a empresa deixará de usar a palavra “Meat” no nome – revelam algo que muitos no setor lácteo já intuíram: o fenômeno plant-based não era tão invencível quanto parecia.
Uma mudança de rumo que diz mais do que parece
A Beyond Meat, empresa americana que desde 2019 encantava investidores com a promessa de replicar o sabor da carne sem o uso de animais, enfrenta hoje seu momento mais crítico.
As vendas caem trimestre após trimestre, os números estão no vermelho, e as ações – que já passaram dos 100 dólares – hoje estão estagnadas em torno de 3 dólares.
Agora, numa tentativa desesperada de rebranding, a empresa abandona o termo “Meat” e passa a se chamar apenas “Beyond”.
O próprio CEO, Ethan Brown, justificou dizendo que a missão não é imitar a carne, mas oferecer proteína vegetal em todas as suas formas.
Tradução: o negócio de substituir produtos de origem animal não está trazendo os resultados esperados, e é hora de tentar uma nova narrativa.
Por que o consumidor mudou de ideia?
Os números falam por si. No primeiro trimestre de 2025, a Beyond Meat reportou uma queda de 9,1% nas vendas e prejuízo de US$ 52,9 milhões.
Embora tenha havido uma leve alta no canal foodservice internacional (+12,1%), as vendas no varejo estagnaram. Os motivos são repetidos por consumidores em todo o mundo:
- Sabor e textura pouco convincentes.
- Preços muito altos para um produto percebido como artificial.
- Listas intermináveis de ingredientes, gerando desconfiança.
A narrativa de que carnes e laticínios são “vilões” do meio ambiente e da saúde perdeu força frente à evidência de que muitos substitutos vegetais são ultraprocessados.
E quando o consumidor lê um rótulo com 20 ingredientes impronunciáveis, tende a olhar com carinho para seu leite, iogurte ou queijo de sempre.
O “boom” plant-based esvazia, mas não desaparece
É fato que as vendas de alternativas vegetais caíram ou desaceleraram na maioria dos mercados, mas subestimar o concorrente seria um erro.
A Beyond está se reposicionando, tentando limpar sua imagem com produtos mais simples (sua nova linha Beyond Ground terá apenas quatro ingredientes) e apostando na diversificação: salsichas de lentilha, hot dogs de grão-de-bico, hambúrgueres de fava…
Para o setor lácteo, isso significa que a concorrência já não se limita a “imitadores” de queijo ou leite, mas abrange um leque de produtos que buscam uma fatia do mercado de proteínas.
A oportunidade de ouro para o setor lácteo
Enquanto o plant-based cambaleia, o setor lácteo tem uma janela de oportunidade única para fortalecer sua narrativa:
- Naturalidade e tradição. Leite, queijo e iogurte são alimentos milenares, sem necessidade de processos complexos.
- Proteína de alta qualidade. A biodisponibilidade da proteína láctea ainda é um diferencial que nenhum substituto consegue igualar.
- Inovação com essência. A indústria pode investir em versões mais saudáveis, sustentáveis e adaptadas às novas demandas, sem perder sua identidade.
Em outras palavras, é hora de deixar de apenas reagir ao marketing plant-based e partir para o ataque, comunicando o que realmente importa ao consumidor: produtos reais, nutritivos e acessíveis.
O marketing plant-based perde sua narrativa
Ethan Brown acusa a indústria de “demonizar” os processos dos substitutos vegetais. Mas a verdade é que o consumidor já não compra mais a ideia do “produto milagroso” que vai salvar o planeta.
Se a mudança de nome da Beyond busca se desvincular da carne, também revela que a narrativa original não vende mais.
A agenda 2030, que por anos impulsionou as alternativas plant-based como “a solução sustentável”, começa a perder força diante dos dados reais: os consumidores querem opções mais naturais, menos industrializadas e, principalmente, mais saborosas.
Brasil, Argentina e o pulso da região
Na América Latina, o segmento plant-based nunca chegou ao boom observado nos Estados Unidos ou Europa. No Brasil, o consumidor continua fiel ao leite e aos queijos; na Argentina, o preço é um fator-chave que limita a adoção de alternativas vegetais.
O enfraquecimento global do plant-based pode frear ainda mais os investimentos nesse tipo de produto na região, onde as preferências são enraizadas e o bolso pesa.
Estados Unidos, Índia e Nova Zelândia: três realidades distintas
Nos EUA, epicentro do fenômeno plant-based, a queda da Beyond simboliza a decepção geral com as promessas da categoria.
O consumidor americano, saturado de opções, começa a priorizar preço e naturalidade — o que favorece os laticínios.
Na Índia, onde o consumo de leite está profundamente ligado à cultura e à religião, as alternativas vegetais têm apenas um pequeno nicho urbano.
O leite segue como parte essencial da dieta. Já a Nova Zelândia continua sendo um bastião global do leite: sua indústria não apenas resiste, como aproveita a fraqueza dos substitutos para reforçar seu posicionamento de qualidade e sustentabilidade no mercado internacional.
O que a indústria láctea deve fazer?
A mensagem é clara: não se trata de comemorar a queda do concorrente, mas de aproveitar a oportunidade.
- Comunicar melhor os benefícios nutricionais da proteína láctea.
- Defender a imagem de produtos naturais e autênticos.
- Investir em inovação (embalagens sustentáveis, redução da pegada ambiental) para neutralizar os argumentos “verdes” da concorrência.
- Reforçar a presença em canais onde o plant-based ainda cresce, como o foodservice e a exportação de produtos premium.
O futuro se escreve com leite
O enfraquecimento do “boom” plant-based confirma algo que muitos produtores já sabiam: a moda passa, mas o leite permanece.
A Beyond e outras empresas do tipo podem se reinventar quantas vezes quiserem, mas enquanto suas propostas forem caras, artificiais e distantes da cultura alimentar, dificilmente conseguirão tirar os laticínios do topo.
Para a indústria, é hora de retomar o protagonismo da narrativa. O consumidor quer proteína, sim — mas também quer sabor, tradição e confiança. Três qualidades que o setor lácteo tem de sobra.
E enquanto no Vale do Silício mudam-se logotipos e discursos, nos campos e nas plantas de laticínios do mundo todo continua-se fazendo o que sempre funcionou: produzindo alimentos reais, nutritivos e deliciosos.
EDAIRYNEWS