A casquinha do McDonald’s deixou de ser considerada sorvete no Brasil — ao menos do ponto de vista técnico e tributário.
A conclusão foi oficializada em decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que entendeu que o produto se enquadra como bebida láctea resfriada, e não como “gelado comestível”, classificação que define os sorvetes tradicionais.
O julgamento, conduzido pela 1ª Turma da 1ª Câmara da 3ª Seção do Carf, teve impacto direto sobre a operação da Arcos Dorados, empresa que administra a rede McDonald’s no país. Ao reconhecer que casquinhas, sundaes e milk-shakes não atendem aos critérios técnicos exigidos para sorvetes, o colegiado anulou uma autuação da Receita Federal estimada em R$ 324 milhões e garantiu à companhia a aplicação de alíquota zero de PIS e Cofins.
Segundo os conselheiros, a decisão se baseou em parâmetros objetivos previstos na regulamentação brasileira. Um deles é a temperatura de serviço. Pelas normas, produtos classificados como sorvete devem ser mantidos a temperaturas iguais ou inferiores a -8 °C, podendo chegar a -12 °C em algumas categorias. No caso do McDonald’s, ficou comprovado que as sobremesas são servidas entre -4 °C e -6 °C, faixa que caracteriza resfriamento, mas não congelamento.
Esse detalhe técnico foi considerado decisivo. Para o Carf, a diferença entre congelar e apenas resfriar altera o comportamento físico do produto e, portanto, sua classificação legal. A casquinha, apesar da aparência semelhante à de um sorvete soft, não atinge o ponto térmico exigido para ser enquadrada como tal.
Outro fator relevante foi a composição. A empresa apresentou laudos periciais demonstrando que a base láctea representa mais de 51% do produto, percentual mínimo exigido pelo Ministério da Agricultura para enquadramento como bebida láctea. Em alguns casos, esse índice é significativamente superior. O McShake sabor flocos, por exemplo, tem 73,1% de base láctea, enquanto o McShake chocolate chega a 64,3%.
Esses dados técnicos sustentaram o argumento de que o produto está mais próximo, do ponto de vista regulatório, de uma bebida láctea resfriada do que de um sorvete propriamente dito. A maioria dos conselheiros acompanhou esse entendimento, reforçando que critérios objetivos devem prevalecer sobre percepções subjetivas do consumidor.
A Receita Federal, por sua vez, defendeu posição contrária. Para o órgão, as sobremesas deveriam ser classificadas como sorvetes do tipo soft, sujeitos à tributação comum. No processo, a Receita afirmou que o enquadramento como bebida láctea representaria um “excesso de tecnicidade” com o objetivo de reduzir a carga tributária. Esse argumento, no entanto, não foi acolhido pela maioria do colegiado.
O julgamento não foi unânime. Houve voto divergente do conselheiro Ramon Silva Cunha, que considerou que características sensoriais, como textura, viscosidade e expectativa do consumidor, deveriam ter maior peso na análise. Para ele, a forma como o produto é percebido pelo público aproxima a casquinha do conceito popular de sorvete, independentemente da temperatura exata ou da classificação regulatória.
Apesar da divergência, prevaleceu o entendimento de que a legislação exige parâmetros técnicos claros e mensuráveis. Temperatura de serviço e composição foram considerados critérios mais seguros do que elementos subjetivos, como aparência ou hábito de consumo.
Na prática, a decisão não altera a experiência do consumidor nem o modo como o produto é comercializado nos restaurantes. A casquinha continua sendo servida da mesma forma, com o mesmo sabor e textura. O impacto é fiscal e jurídico, com reflexos relevantes para a estratégia tributária da empresa e para futuras discussões envolvendo produtos lácteos híbridos, que transitam entre categorias tradicionais.
O caso também reacende o debate sobre como a evolução dos alimentos industrializados desafia classificações regulatórias históricas. À medida que a indústria desenvolve produtos com novas formulações e processos, decisões como a do Carf tendem a ganhar importância, criando precedentes que podem influenciar outros segmentos do setor de alimentos e bebidas no Brasil.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Tudoep






