ESPMEXENGBRAIND
2 ago 2025
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A nutricionista Monserrat Victoriano, acadêmica da Universidade de Concepción, explica que, ao contrário do que sugerem publicações em diversos meios internacionais, uma dieta balanceada que inclui queijo e outros produtos lácteos tende a melhorar a qualidade do sono.
O queijo chegou ao Brasil provavelmente a bordo das caravelas portuguesas que acompanharam a frota de Pedro Álvares Cabral, em 1500, para alimentar a tripulação.

Um estudo psicológico sobre a relação entre alimentação e conteúdo dos sonhos foi erroneamente interpretado pela imprensa internacional como prova de que o queijo provoca pesadelos, apesar de não apresentar respaldo clínico nem demonstrar causalidade direta, alertam especialistas.

A pesquisa, publicada este mês na revista Frontiers in Psychology, baseou-se em percepções autorreferidas de mais de mil pessoas sobre como certos alimentos afetariam seu sono.

Embora alguns participantes tenham citado produtos lácteos entre os fatores associados a sonhos vívidos ou inquietantes, o estudo não incluiu avaliações médicas nem testes controlados. Apenas 5,5% dos entrevistados disseram perceber relação entre alimentos e o conteúdo dos sonhos.

O trabalho consistiu em uma pesquisa online sobre hábitos alimentares, qualidade do sono, estado de saúde e características oníricas. Não se tratou de um estudo clínico nem experimental.

A nutricionista e doutora em nutrição humana Montserrat Victoriano, que realiza estudos relacionados ao sono e ao consumo de produtos lácteos, alerta, após revisar a pesquisa, que não se pode atribuir efeito direto de nenhum alimento sobre pesadelos.

“Pelo contrário, estudos, embora com potência variável, tendem a indicar que uma dieta balanceada que inclui produtos lácteos está relacionada a uma melhor qualidade do sono.”

Necessidade de validação

A profissional esclarece que, apesar de os autorrelatos serem válidos para alcançar determinados objetivos, eles devem ser interpretados com cautela devido aos vieses associados (memória, resposta desejável, dificuldade de introspecção etc.).

Segundo ela, com os dados atuais, não é possível considerar válida uma relação causal entre consumo de laticínios e efeitos neurológicos ou no sono sem avaliação clínica nem controle rigoroso de variáveis.

“É necessária validação com estudos clínicos, medições objetivas e replicação de achados. Sem isso, qualquer conclusão deve ser considerada apenas uma possibilidade e não um fato.”

A Dra. Victoriano observa que o estudo não apresenta baixa rigorosidade metodológica, e os autores reconhecem os vieses.

No entanto, ela destaca que a forma como a informação é apresentada pelos meios de comunicação “sugere que o queijo provoca pesadelos de forma universal, quando o que os autores afirmam é que intolerâncias alimentares, como a intolerância à lactose, podem aumentar a probabilidade de ocorrência de pesadelos”.

Intolerância à lactose

A especialista enfatiza que a intolerância à lactose, citada nas publicações de imprensa como uma das razões para o suposto vínculo do queijo com os pesadelos, é diagnosticada por meio de histórico clínico, avaliação dietética e exames específicos que avaliam a capacidade do corpo de digerir a lactose.

“A intolerância à lactose se deve à baixa atividade da enzima lactase, que provoca sintomas gastrointestinais após o consumo de lactose presente em produtos lácteos. Existem diversos tratamentos, e não apenas a exclusão de laticínios.

O autodiagnóstico pode nos levar a restringir alimentos desnecessariamente, o que, a longo prazo, pode gerar deficiências. Se houver suspeita, é melhor consultar um profissional”, adverte.

Referência histórica

Victoriano realizou, em 2022, um estudo para avaliar os efeitos do consumo de uma xícara de leite antes de dormir sobre a duração e a qualidade do sono em idosos. Essa e outras pesquisas lhe renderam o prêmio do concurso Sochinut Gracias a la Leche naquele ano.

Um dos aspectos metodológicos mais relevantes do trabalho publicado em Frontiers é que, embora mais de mil pessoas tenham participado, apenas 59 declararam perceber que a comida influenciava seus sonhos, o que representa apenas 5,5% da amostra.

Ainda assim, a partir desse pequeno subgrupo, foram feitas análises descritivas sobre os tipos de alimentos citados, entre eles os lácteos. Essa base, segundo a Dra. Victoriano, não permite afirmações generalizáveis.

“O mais importante é entender que esta pesquisa avalia percepções subjetivas e não é conclusiva. Seu valor está em gerar hipóteses, não em confirmá-las”, destacou.

De fato, o queijo é mencionado na introdução do artigo apenas como uma referência histórica, relacionada a uma antiga tira cômica do cartunista Winsor McCay.

Na história, publicada no início do século XX, os protagonistas culpavam o queijo derretido por seus sonhos estranhos.

Essa anedota deu origem à hipótese exploratória do estudo, mas não significou que os autores tenham trabalhado diretamente com queijo nem que o associem causalmente a pesadelos.

Segundo a acadêmica, estudos anteriores demonstraram que as características do sono, incluindo a frequência de pesadelos, podem estar associadas a múltiplos fatores, como qualidade da dieta, presença de distúrbios digestivos, estresse, ansiedade e hábitos alimentares noturnos, entre outros.

“Pesadelos podem aumentar, por exemplo, em pessoas que comem tarde da noite, especialmente se apresentarem problemas gastrointestinais ou intolerância a certos alimentos. Mas não se pode afirmar que um alimento específico cause pesadelos diretamente em pessoas saudáveis”, explica.

Sobre o papel da comunidade científica e dos meios de comunicação frente à desinformação, Victoriano é categórica: “As instituições e os profissionais devem se manter atualizados e criar instâncias de transferência de conhecimento.

Devemos atuar como um filtro científico contra a desinformação e conclusões precipitadas. Da mesma forma, os meios de comunicação deveriam verificar com profissionais qualificados a veracidade das afirmações.

Em algumas áreas da ciência, a resposta para uma hipótese simplesmente é: ‘ainda não sabemos’.”

*As informações sao do nosso  Content Partner Fedeleche

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