O setor do agronegócio ainda está absorvendo todas as mudanças que podem ocorrer com a validação pelos parlamentos do acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

O setor do agronegócio ainda está absorvendo todas as mudanças que podem ocorrer com a validação pelos parlamentos do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Se por um lado muitos setores podem ser beneficiados, outros, como os produtores de leite e vinho, não gostaram do que foi acordado até agora.

Esses produtos são de fundamental importância para os produtores europeus e acabaram sendo usados como moeda de troca no acordo entre os blocos. Confira, abaixo, quem ganhou e quem perdeu com esse acordo.

Quem ganhou?

Cotas para carne de aves – 180 mil toneladas;
Carne bovina – 99 mil toneladas;
Etanol – 562 milhões de litros;
Açúcar – 180 mil toneladas;
Arroz – 60 mil toneladas.

Suco de laranja, óleos vegetais, café solúvel e frutas poderão exportar mais pois suas tarifas serão reduzidas ao nível dos países concorrentes que já se beneficiam do livre comércio com a União Europeia, especialmente Colômbia, Costa Rica e Chile.

Quem perdeu?

Quem viver verá o acordo arrebentar, em dez anos, o segmento dos já frágeis médios e pequenos produtores de leite desvinculados de cooperativas de produção, as indústrias de lácteos (mas não as de alimentos usuárias de leite em pó), bem como os produtores de uva e vinícolas e a indústria de chocolates finos.

Como chegamos até aqui?

A UE insistiu durante 20 anos para finalmente conseguir a abertura do grande e crescente mercado brasileiro de vinhos e lácteos. Resistimos colocando-os na categoria sensíveis, isto é, onde estávamos dispostos a fazer poucas concessões.

Finalmente, conseguiram. Em troca, melhoraram com tarifas e cotas as nossas possibilidades de exportações de lista bem maior de produtos. Bom para muitos e péssimo para as duas vítimas, além das concessões na área industrial e de serviços.

O anúncio pela ministra Tereza Cristina, aliás, uma excelente ministra, de medidas compensatórias para apoiar as “vítimas do acordo”, só confirma a conclusão acima sobre quem perdeu e as possíveis consequências. As medidas anunciadas representam um paliativo que não conseguirá aumentar a competitividade de ambos os setores.

Assim que o parlamento europeu e o dos quatro países do Mercosul assinarem o acordo, começará o enfrentamento a adversários artificialmente fortes, num jogo desigual, num prazo de desgravação de dez anos para vinhos e 8 anos para queijos.

Ocioso repetir que nossos problemas são basicamente estruturais, por isso não conseguimos competir. Soa idiota a cantilena de que a solução é ser mais competitivo. Já se repetiu várias veze que os maiores obstáculos são criados no decantado custo Brasil. Cabe relembrar alguns custos que os europeus não têm: inferno burocrático e custoso na área tributária; impostos elevados que no caso do vinho respondem por cerca de 55% do preço de uma garrafa; obrigações trabalhistas que aumentam demasiado os custos da mão de obra; oligopólio no segmento de defensivos, fertilizantes e equipamentos que nos impõem preços

altos; financiamento caro; tabelamento do frete; manutenção de Reserva Legal e APP com ônus para os produtores; estradas precárias; energia oscilante, e outros obstáculos mais.

Nossos negociadores (MRE, ministérios da Economia e Agricultura) empurraram os dois segmentos do agronegócio para uma competição desleal e sem chances. A União Europeia prega livre comércio e tem seu mercado de lácteos como um dos mais fechados do mundo, isolados por barreiras tarifárias e técnicas, regras de origem, direitos de propriedade intelectual, além das certificações privadas das redes de comercialização.

Não há como enfrentar os altos subsídios concedidos via Política Agrícola Comum, somados à ajuda nacional em nível de cada um dos 28 membros da UE. O último relatório anual da OCDE confirma que a média de subsídios estatais na formação da renda do agricultor europeu (PSE) é de 18% contra 2,6% do Brasil. E mais, não se pode negar que a UE pratica dumping quando necessita exportar excedentes de leite em pó e manteiga.

Diante desse quadro, a maioria dos países se protegem com tarifas de importação que, no caso,de leite em pó e queijos variam de 60% a 120%, como impõem os EUA, México, Costa Rica, etc. Enquanto isso, desarmamos uma defesa comercial – e não proteção – construída durante décadas de negociações internas e externas.

O Itamaraty errou de novo ao ceder nas tarifas sobre importações de lácteos. Os diplomatas já haviam errado ao concordar com tarifas muito baixas de 14% a 16% na formação do Mercosul. Isso obrigou o Mapa a lutar durante todo esse período para que tais produtos ficassem em Lista de Exceção à Tarifa Externa Comum (Letec), na faixa de 26% a 28%.

No ano passado, o Ministério da Economia dispensou a tarifa-guarda chuva (de 14,3%) contra a prática eventual de dumping por parte das empresas europeias exportadores de excedentes de montanhas de leite em pó desnatado, soro de leite e manteiga.

Desta feita, os negociadores brasileiros nos deixaram de calça curta em festa formal. Mais do que nunca, teremos que manter os lácteos na Lista de Exceção sob pena de o imposto sobre importações para terceiros países cair para 14% e 16%.

Além disso, devido às restrições do Acordo exigidas pela UE, não poderemos mais fabricar alguns tipos tradicionais de queijos, como parmesão, gorgonzola e roquefort; tampouco certos tipos de vinho, de uva e até de garrafa; além de certas bebidas e presuntos porque acordamos que são de propriedade intelectual ou origem exclusiva da Europa. A propósito, os EUA e China não aceitam tais regras.

Os negociadores brasileiros também anunciaram que em caso de surto de importações que prejudiquem o setor, o acordo prevê o uso de medidas compensatórias. Isto já está previsto nas regras da OMC, e não é um processo simples de ser adotado. Ou seja, num caso desses, morreríamos antes de o remédio chegar.

Por que o acordo não saiu antes?

O acordo poderia ter sido assinado há anos, e não foi, basicamente porque a União Europeia pretendia nos impor condições que desequilibravam concessões versus ganhos, e porque a política terceiro-mundista dos governos do PT não priorizava o entendimento com países desenvolvidos e sim com o “terceiro mundo”.

Outro fator que atrapalhou muito foi a presença da República Bolivariana da Venezuela no Mercosul. Ninguém queria relacionamento contratual com um regime político tão desastroso.

Avaliação geral do acordo

Contudo, a conclusão geral é que o acordo é muito bom para os segmentos que aumentarão suas exportações, além de ser muito útil ao Brasil porque haverá avanços no sentido de:

  1. Romper o isolamento de nossa fechada economia e de integração produtiva, inclusive com facilitação de negócios e solução de controvérsias;
  2. Estimular a geração e uso de tecnologia de ponta no sistema produtivo em geral;
  3. Aumentar as exportações de alimentos e serviços a um mercado que corresponde a 25% do comércio mundial;
  4. Atrair mais investimentos europeus;
  5. Incentivar outros países a firmarem acordos com o Mercosul.

Porém, sem exagero, pode-se afirmar que vem aí um pesadelo para vitivinicultores e produtores de leite, cooperativas e indústrias lácteas. As atuais dificuldades irão piorar pois não sabemos se nossos mesmos negociadores – que aliás não conhecem o setor – oferecerão a mesma moeda de troca para novos candidatos a Acordos, como a Dinamarca, Suíça, Canadá e EUA, países altamente protecionistas desta longa cadeia produtiva do leite, porque cuidam melhor do que nós outros desta longa rede agregadora de valor, essencial no abastecimento interno e importante geradora de emprego e estabilidade social no campo.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

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