A agroindústria global do leite entrou num ciclo delicado: enquanto StoneX projeta que a produção mundial seguirá em ascensão, a demanda permanece morna — o que empurra os preços para baixo e estreita as margens dos produtores.
No Brasil, esse efeito se propaga de forma indireta, porém com impacto real: importações equivalem a aproximadamente 13% do consumo nacional e exercem influência sobre os valores internos.
Produção acelerada, demanda estagnada
Nos Estados Unidos, a produção de leite ganha tração graças a ganhos genéticos no rebanho e ganhos de eficiência na indústria. A consequência? Os preços de derivados como manteiga já iniciaram 2025 em retração.
Paralelamente, na União Europeia, ainda que os resultados de 2024 tenham sido positivos, existem sinais claros de risco: a doença da língua azul afeta rebanhos na Alemanha, França e Reino Unido, e as exportações de queijos e derivados perdem competitividade.
Assim, o primeiro indicador a soar o alarme é simples: oferta global elevada + demanda moderada = pressão contínua sobre preços. E o Brasil, embora não seja o epicentro dessa expansão, sente as reverberações com força pelo canal das importações e da relação de troca entre leite e alimentos para o gado.
O Brasil como termômetro indireto
No mercado brasileiro, os importados “barateiam” e alteram a dinâmica de procura pelo produto nacional. A analista Marianne Tufani observa que em regiões como São Paulo e Goiás a relação de troca leite/arrobapode está desfavorável, o que reduz o incentivo à produção.
Mesmo com a boa safra de milho — que colabora para reduzir custos de nutrição animal —, o fator climático permanece como wildcard: o fortalecimento do fenômeno La Niña pode provocar estiagens no Sul do Brasil, revertendo ganhos de custo e pressionando ainda mais a produção.
No lado do consumo interno, apesar de alguma elasticidade positiva com a queda da inflação de alimentos, o endividamento das famílias (em alguns estados até 60 %) limita a recuperação plena da demanda.
Margens encolhendo, produtoresem alerta
Para os produtores brasileiros, a combinação de fatores externos e internos gera um cenário de alerta. A StoneX aponta que o mercado de lácteos tende a manter uma trajetória lateralizada a baixa até o primeiro trimestre de 2026.
Mesmo que existam pequenas oscilações, o fator dominante segue sendo a oferta global.
Em outras palavras: como exaltam os números, não é a “modernização” ou a “tradição” local que está empurrando o preço para cima — é a conjuntura global que impõe limites. E enquanto isso, o produtor brasileiro se vê entre a cruz e a espada: ou reduz custos, ou vê a rentabilidade minguar.
Impactos por setor
-
Produção primária: Margens menores, custos sob controle, mas clima instável e importados competitivos limitam o espaço de valorização.
-
Indústria de processamento: Menor pressão por matérias‑primas mais caras dá fôlego momentâneo, mas também reduz o gatilho para aumentos.
-
Distribuição e comércio: Importados ganhando share; o canal interno precisa agir rápido para preservar mercado doméstico.
-
Exportação: Países‑chave (EUA, UE, Argentina) ampliam produção — o que dilui o volume global negociado e reduz valor de mercado.
Recomendações operativas
-
Produtores devem monitorar e reduzir custos de nutrição animal; o alívio já está vindo do milho, mas o clima pode anular esse ganho.
-
Processadores e integrados precisam reforçar o foco em valor agregado, nichos premium ou diferenciação, para escapar da corrida pela massa.
-
Cooperativas e associações de laticínios devem reforçar esforços de marketing doméstico, valorizando o leite brasileiro como diferencial frente aos importados.
-
Todos os elos da cadeia têm que considerar cenários de “preço baixo crônico” e preparar planos para não depender exclusivamente de valorização para manter margens.
Riscos a considerar
-
A concretização de estiagens severas no Sul do Brasil pode elevar custos de produção e reduzir volumes — revertendo a tendência de alívio.
-
Uma recuperação inesperada da demanda internacional pode elevar preços globalmente — o que beneficiaria exportadores mas poderia tornar importados mais caros no Brasil, pressionando custos localmente.
-
Oscilações cambiais: um real mais fraco torna importados mais caros, o que pode dar algum fôlego, mas também agrava pressões inflacionárias.
O mercado global de leite impõe fichas duras para o Brasil: enquanto a produção mundial sobe, o consumo hesita e os estoques se acumulam. No cenário que se desenha até 2026, o produtor brasileiro segue com pouca folga — dependerá de gestão, eficiência e diferenciação para escapar de margens comprimidas.
O desafio é duplo: lidar com a herança da tradição — de respeitar o trabalho do campo e honrar o produtor — e com o convite da modernidade — de usar os instrumentos modernos para se adequar a um mercado global implacável.
A pergunta que fica é: quem dará o passo à frente para garantir que o leite “made in Brazil” não fique refém da conjuntura global?
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Times Brasil






