O estado do Amazonas vem sofrendo impactos econômicos com a seca histórica que atinge o estado. De acordo com a Defesa Civil amazonense, os prejuízos públicos e privados nos setores de agricultura, comércio, indústria, pecuária e fornecimento de serviço são estimados em R$ 639 milhões — na última estiagem, esse valor ficou em torno de R$ 472 milhões.
A PEGN, empreendedores dizem que tem enfrentado inflação, escassez e problemas logísticos, que, por sua vez afetam negativamente o faturamento de seus negócios.
A Queijaria Tradição D’Lourdes, produz queijos de leite de vaca há quatro gerações e está com dificuldade para transportar matérias-primas. O negócio fica situado na Comunidade Novo Céu, em Autazes, município de 40 mil habitantes, próximo ao rio Preto de Pantaleão, que já quase não existe.
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“O acesso está muito ruim, pois o rio secou. O trajeto em que antes a gente levava 30 minutos, agora, dura mais de uma hora. Com isso, temos perdas, porque o leite pode chegar sem qualidade”, afirma Arlene Figueiredo, CEO da queijaria. A empreendedora viu sua produção cair de 80 kg por dia para 54 kg em setembro. No mês, o faturamento caiu de R$ 84 mil para R$ 58 mil.
A empresária também precisou diminuir o preço dos produtos para tentar vender mais. Antes da fase crítica da estiagem, iniciada em julho, o quilo do queijo era vendido por R$ 35. Agora, o valor está em torno de R$ 22. “Nós já estávamos longe de tudo, mas agora parece que ficou pior. Tudo é caro, a estiagem só agravou ainda mais a dificuldade que a gente já tinha”, comenta a empreendedora.
Também em Autazes, Thaylon Charles, 23 anos, cuida do Sítio Novo Tempo. A família tem 60 vacas, cujo leite é usado para produzir queijo. O produto é enviado para a capital Manaus, mas o percurso fluvial que levava nutos agora está demorando 1h.
Como no caso de Figueiredo, a produção também foi afetada. O sítio, que normalmente produz 50 kg de queijo por dia, tem fabricado 20 kg. Charles contabiliza um prejuízo mensal de mais de R$ 20 mil. “Nós perdemos 20 vacas ano passado. Neste ano, não perdemos nenhuma, mas nossa produção de leite diminuiu 50% por causa do clima. E não tem nem sinal de água”, conta o empreendedor.
Os animais da família foram transportados para a fazenda de um amigo, que está próxima de uma parte do rio com mais água. “Todos estão se ajudando nesse momento. Nessa fazenda tem cinco produtores”, comenta Charles.
Francisco Dantas, presidente da Cooperativa Agropecuária de Codajás, município com 29 mil habitantes e 30 cooperados, diz que a união de tempo seco, estiagem e queimadas vem sendo desafiadora para todos os produtores do Amazonas. No caso de sua cooperativa, a principal preocupação é com a produção de açaí. “Esse é um período de floração, amadurecimento do açaí, mas o clima não tem ajudado. A gente acredita que a produção vai diminuir 30%”, afirma.
Ele também relata inflação de 10% a 15% em insumos agropecuários, como adubos e ração, impulsionada majoritariamente pelos percalços logísticos.
A startup Apoena, que faz parte de um dos programas da Jornada Amazônia, em Tefé, a 522 km de Manaus, precisou parar as suas operações por dois meses e meio. Há duas semanas, iniciou um processo de retomada gradual. A empresa é focada em comércio tokenizado de pirarucu, mas trabalha também com produção de mandioca e derivados e faz distribuição de produtos de dez comunidades locais.
“Esperamos que em 20 ou 30 dias o rio dê condições totais para o transporte. A via aérea tem sido uma alternativa. Fechamos parceria com a Azul Cargo, que baixou de R$ 6 para R$ 2,98 o valor de remessas acima de 50 kg, mas temos limitações de rota. Isso vale apenas para Manaus e Campinas, em São Paulo”, conta Maurillo Gomes, CEO da Apoena. “Para nós, o peso maior é no frete. Nossos insumos ficaram mais baratos, pois a oferta aumentou devido à falta de escoamento de matérias-primas. A saca de farinha de 54 kg foi de R$ 620 para R$ 350. Em contrapartida, o frete foi de R$ 3 para R$ 20 por fardo”, diz.
‘Taxa da pouca água’
Por causa da seca, os dois portos da capital Manaus estão funcionando com terminais flutuantes, que recebem contêineres antes dos trechos dos rios em que a profundidade impede a passagem de grandes navios.
A manobra, porém, tem um custo para empreendedores. Como as transportadoras precisam reduzir sua capacidade e fazer um número maior de viagens, o valor do frete fica mais alto. A chamada “taxa da pouca água” pode chegar até R$ 32 mil por contêiner — antes ficava em torno de R$ 12 mil.
Segundo o presidente da Câmada de Dirigentes Lojistas (CDL) Manaus, Ralph Assayag, a velocidade do transporte também foi afetada. “Perdemos em torno de três a quatro dias em cada descarregamento”, diz.
Os custos também afetam as indústrias. De acordo com Antonio Silva, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), a estimativa é que o setor gaste R$ 500 milhões a mais em transporte no ano. Uma alternativa, na sua opinião, seria a pavimentação da BR-319, rodovia que liga o Amazonas a Rondônia. “A seca dificulta a navegação, aumenta significativamente o preço do frete, gera inflação, escassez de alimentos e prejudica a indústria”, acrescenta.
O Ministério Público do Amazonas abriu uma investigação para apurar possível abuso por parte das transportadoras.
Cotas mínimas e outros estados
O evento climático de 2024 já afetou 800.480 mil pessoas e todos os 62 municípios do estado do Amazonas estão em estado de emergência, segundo dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres. “Todas as nove calhas dos rios do estado do Amazonas registraram cotas mínimas históricas, tornando difícil apontar um único município como o mais impactado”, diz o Governo do Amazonas em nota enviada a PEGN.
No município de Tabatinga, o Solimões atingiu o nível mais baixo registrado, de –2,54 metro, em 26 de setembro, segundo o governo estadual. O leito está tão raso que expôs as ruínas do Forte de São Francisco, construção portuguesa do século 18. Na capital, o Rio Negro teve o menor nível registrado no dia 9 de outubro com 12,11 metros. No boletim desta terça-feira (29/10), divulgado pela defesa civil estadual, o Rio Negro estava com a cota de 12,25. Já no Madeira, a cota chegou a 1,02 metro, em 4 de setembro. A seca paralisou uma das maiores hidrelétricas do país, a de Santo Antônio (RO).
O governo estadual afirma em nota que já distribuiu cerca de 2,8 mil toneladas de alimentos para municípios do interior. Também enviou 202,1 toneladas de medicamentos e insumos para regiões como Madeira, Juruá, Purus e Alto Solimões e 544 cilindros de oxigênio. “Desde o início do ano, o Governo do Amazonas tem implementado ações antecipadas para enfrentar a estiagem. Além de um planejamento coordenado entre os órgãos estaduais, há uma comunicação constante com prefeituras, órgãos federais, poderes Legislativo e Judiciários e entidades privadas”, diz o comunicado.
Mesmo sendo a maior seca do estado, até o momento, ainda não foi decretado estado de calamidade pública.
“Desde a criação da pasta, só utilizamos essa competência três vezes. A primeira foi na enchente do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, em 2023. A segunda foi nas enchentes do RS neste ano e a mais recente foi no apagão de São Paulo, neste mês”, explica Renato Soares, assessor especial do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP). O estado de calamidade pública deve ser declarado pelo governo estadual.
Entretanto, Soares destaca que o empreendedor afetado pela crise hídrica pode utilizar o ProCred 360, como uma fonte adicional de financiamento e com flexibilidade nos prazos de pagamento e taxas menores.
De acordo com o governo do Pará, a estiagem que atinge o oeste do estado já afetou cerca de 150 mil pessoas. A gestão iniciou a distribuição de cestas de alimentos e fardos de água potável. No Amapá, o governo destaca que o estado não sofreu impactos diretos pela estiagem. O estado diz que vem desenvolvendo desde o início do ano ações preventivas que “conscientizam a população, além de atuar nas unidades de conservação com o desenvolvimento sustentável que mantém a floresta em pé”.
Os estados do Acre, Rondônia, Roraima e Tocantins não retornaram aos pedidos de comentários de PEGN até o fechamento do texto. O espaço segue aberto.
Como o empreendedor pode se preparar para uma seca?
Érico Veras, professor da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (Feaac) da Universidade Federal do Ceará, indica que empreendedores nortistas e nordestinos, que são os mais afetados pela estiagem, tenham planos de contingência.
O recomendado é que o empreendedor separe uma parte do seu orçamento, faça uma reserva de emergência, de valor igual ou superior ao seu faturamento, de três meses.
“O problema é que o pequeno empreendedor já tem recurso escasso, então pode ser complicado guardar esse dinheiro. Para determinados negócios, o seguro pode ser uma alternativa, mas as cláusulas precisam ser analisadas antes”, destaca o especialista.
“O desafio é sobreviver, e isso vai depender do setor em que está atuando. Tem aqueles que são mais afetados e os que são menos afetados. Por isso, planejamento é essencial”, comenta.
Incentivos
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), lançou um edital com objetivo de credenciar instituições que queiram “atuar na transferência de tecnologias relacionadas ao enfrentamento de eventos climáticos extremos”. A entidade pretende habilitar 25 instituições que serão beneficiadas com aporte financeiro de até R$ 50 mil, totalizando investimento do governo de R$1.250 milhão.
Na esfera federal, na última quarta-feira (23/10), o governo federal liberou R$ 938,4 milhões para que ministérios atuem no combate à crise climática. A medida provisória já está em vigor e será destinada a sete pastas: Ministério da Saúde; Justiça e Segurança Pública (MJSP); Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA); Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR); Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS); e da Pesca e Aquicultura (MPA).
O MEMP não está incluso na medida. Renato Soares afirma que o ministério vem fazendo um mapeamento dos empreendedores climáticos, desde fevereiro, em parceria com o Sebrae e a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), criando um mercado de soluções climáticas.
“Estamos buscando entender o ecossistema dos empreendedores que tem negócios voltados ao impacto climático. E isso é importante porque as pequenas empresas sentem mais dificuldade de tornar a sua atividade mais sustentável sozinha, por ter pouco instrumental”, explica o assessor.