Pela primeira vez na história recente do país, a base produtora da cadeia leiteira vai se reunir para debater a crise econômica do setor e propor soluções. Nesta segunda-feira (22), a partir das 10h, Goiânia sedia o Encontro do Movimento dos Produtores de Leite do Brasil, do qual deverão participar representantes de vários estados, como RS, SC, PR, SP, MG e MS, e do Distrito Federal.
Um dos objetivos dos pecuaristas de leite é conseguir uma audiência com o presidente Bolsonaro, a fim de apresentar propostas para superar as turbulências sistêmicas que atingem o segmento há 30 anos e se intensificaram a partir de 2015. Eles querem o apoio do governo para regular as relações entre produtores, laticínios e comércio (especialmente os supermercados).
A reunião será no auditório da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg). O encontro deverá ter a presença do governador goiano, Ronaldo Caiado, de senadores, deputados federais e estaduais e dirigentes da Faeg e de sindicatos rurais.
O encontro foi articulado pela Faeg, com a participação dos grupos Movimento Construindo Leite Brasil, Inconfidência Leiteira, Genética Confiável e outros que reúnem milhares de produtores no Facebook e no WhatsApp. Desde 2018, esses grupos desenvolvem ações visando à valorização dos produtores e o seu protagonismo no debate sobre os problemas do setor.
Segundo os coordenadores do movimento, o desequilíbrio existente na cadeia é uma das principais causas da crise dos últimos anos. Para eles, é necessário buscar a autorregulação do setor para que produtores, indústrias lácteas e supermercados tenham margens compatíveis dentro da cadeia, de acordo com o grau de importância de cada elo.
Problemas da porteira para fora
“Os problemas do setor estão da porteira para fora”, diz um dos coordenadores do movimento. “Os produtores já fizeram a sua parte, modernizando a propriedade, cumprindo as normas ambientais e trabalhistas e respeitando o consumidor. Agora, é a vez de os laticínios e as redes supermercadistas valorizarem o produtor.”
Nas últimas semanas, os preços do litro de leite ao produtor caíram entre R$ 0,15 e R$ 0,59 país afora. Essa queda aprofundou a crise e aumentou a indignação entre os produtores, que pretendem levar a Bolsonaro uma proposta para resolver o problema sob a perspectiva deles, ou seja, de quem está dentro da porteira, beneficiando não só o setor, mas também o consumidor.
Antes disso, eles devem se reunir com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, de quem esperam apoio para o encontro com o presidente. “Vamos empoderar a ministra e pautá-la para que possa conseguir essa audiência. Nossa luta é pelo fortalecimento da cadeia”, ressalta esse coordenador do movimento.
Uma das questões que eles pretendem resolver é a falta de previsibilidade para o pagamento do leite. Hoje, os produtores entregam o leite e não sabem quanto vão receber pelo produto. Além disso, o pagamento é feito pelos laticínios entre 30 e 50 dias após a entrega do leite. O movimento considera essa forma de relacionamento “totalmente inadequada, desleal e desrespeitosa” com quem fornece a matéria-prima da indústria láctea.
Falta de equilíbrio
Além da falta de equilíbrio dentro da cadeia láctea, os produtores relacionam outros entraves à atividade, como os altos custos de produção (preços dos insumos), carga tributária elevada e legislação trabalhista e ambiental. Somam-se a isso, aponta esse coordenador do movimento, as assimetrias do Mercosul, que favorecem a Argentina e o Uruguai na disputa pelo mercado brasileiro, e a recente suspensão da tarifa antidumping para importação de leite da União Europeia e da Nova Zelândia, cujos produtores são subsidiados por seus governos.
Nos últimos meses, o movimento dos produtores promoveu encontros virtuais para debater propostas para elaboração de um plano nacional de desenvolvimento da cadeia de lácteas e buscou contatos com entidades representativas do agro, parlamentares, governo federal e a Câmara Setorial do Leite e Derivados do Mapa.
“Nosso movimento visa não só informar e esclarecer o produtor, mas também fortalecer as representações do agro para que possam nos ajudar nessa luta contra a crise sistêmica vivida pela cadeia brasileira de lácteos”, afirma o coordenador, alegando que prefere não divulgar seu nome para que a articulação seja de espírito classista, cooperativista e não há espaço para personalismos.
O movimento teme que o abandono da atividade se acentue. Nos últimos cinco anos, calculam, pelo menos 200 mil produtores de leite deixaram o setor. A cadeia é formada por 1,17 milhão de propriedades e reúne mais de 6 milhões de pessoas, entre pecuaristas, empregados das fazendas e suas famílias.