O abandono da atividade e a concentração da produção, que até então ocorria basicamente na agricultura familiar, vêm crescendo
leite
"Para compartilhar esse conteúdo, por favor utilize o link https://www.agazeta.com.br/artigos/estamos-assistindo-ao-fim-do-produtor-de-leite-0324 ou utilize os recursos oferecidos na página. Textos, fotos, artes e vídeos da Rede Gazeta estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo digital e/ou do jornal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização da Rede Gazeta (agenciaag@redegazeta.com.br). As regras têm como objetivo proteger o investimento que a Rede Gazeta faz para produzir um conteúdo jornalístico de qualidade"
O cenário do negócio do leite vem sofrendo alterações desde 2021, com redução do rebanho e produtores saindo da atividade em vários estados, o que em 2022 resultou em alta nos preços pela redução da oferta, comprometendo o consumo pela população devido a questões econômicas.

Os principais fatores que afetaram diretamente os preços do leite foram redução da produção, alta nos preços dos principais insumos nutricionais (milho e soja), consequente queda da captação pela indústria, mudança crescente do sistema de produção para confinamento, fenômenos climáticos em sequência (La Niña e El Niño), aumento no preço dos combustíveis, inflação e aumento da cotação do dólar.

Considerando tudo isso, a inflação medida em 2022 pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi 5,8%, sendo que alimentação e bebidas alcançaram 12,4%. De todos os itens desse grupo, o que apresentou peso alto e maior variação foi “leite e derivados”, com 22,1%.

Ainda em 2022, a produção de leite reduziu 5% em relação a 2021, com quase 1 bilhão de litros a menos, o que levou à necessidade do aumento nas importações, que subiram 26,3%. Isso representa 10% do total consumido internamente, o que é muito preocupante, já que anteriormente o patamar variava entre 3% à 5%, segundo a Embrapa. Com isso, no decorrer do ano de 2023, assistimos a uma corrosão dos preços pagos ao produtor.

Isso ocorre com frequência, sempre que o mercado interno fica desfavorável, para garantir o abastecimento interno a preços competitivos, porém, aumentar e manter em percentual elevado a importação tem prejudicado os produtores. O abandono da atividade e a concentração da produção, que até então ocorria basicamente na agricultura familiar, vêm crescendo.

Essa é uma tendência mundial, que funciona como “uma estratégia que busca mais eficiência, com necessidade de escala para reduzir custos e ter rentabilidade maior”. Dados da Embrapa sinalizam que a concentração da atividade ocorre em propriedades com maior escala e redução de rebanho. Hoje temos 2% dos estabelecimentos produzindo 30% do leite do país, sendo que essa transformação vem ocorrendo em uma escala média de 1% das fazendas em operação.

Esse modelo concentrador já ocorreu em vários setores da agricultura, o que trouxe novas características ao mercado de cada produto alimentício, com consequente condução do mercado e diminuição da concorrência, atuando conforme interesse das empresas e muitas vezes com restrição da oferta de produtos e preços mais altos. Isso mostra a necessidade de políticas públicas para os médios e pequenos produtores.

Para encontrar a solução dentro das fazendas, precisamos parar de falar em volume produzido e faturamento, e começar a falar de margem. Vários artigos só tratam de volume, e apontam grande distanciamento tecnológico entre grandes e pequenos produtores, a diferença existe, mas não é tão grande assim, pois pequenas propriedades têm pastejo rotacionado, adubam, inseminam, fazem transferência de embrião, produzem comida para a seca, ou seja, tem muitos produtores pequemos altamente tecnificados.

Mas não conseguem margem positiva por três motivos fundamentais: falta de gestão, resistência à venda de animais e acentuada apuração  da genética para o gado europeu, que não é adaptado para o sistema a pasto (presente em pelo menos 90% das propriedades brasileiras).

O animal errado no sistema errado resulta em aumento no volume do leite produzido, porém, falta ambiência, o animal adoece mais, a dependência de cocho é maior, e dessa forma o custo sobrepõe a receita. O resultado é um produtor cansado e descapitalizado, orientado a migrar para sistemas confinados que vão exigir mais desembolso, maior nível de endividamento, e refinamento da gestão. Nesse ponto, muitos desistem da atividade.

QUEDA NÃO É FATO ISOLADO

A redução da produção de leite não é um fato isolado ao Brasil, mas vem ocorrendo em países como a Nova Zelândia (maior exportador de leite do mundo), que está com sua produção estagnada. Acontece o mesmo na União Europeia, e países da América Latina também têm tido crescimento pífio nos últimos anos. Apenas nos Estados Unidos tem havido aumento.

Há outros pontos a se considerar. As questões ambientais apontam o aumento das restrições ao crescimento do plantel baseado em expansão de área. Também ocorre incentivo à redução de consumo de produtos da pecuária bovina, substituindo-os por bebidas de produtos vegetais. Assim, aponta-se a necessidade de investir em sistemas mais eficientes, como integração lavoura-pecuária (ILP) ou integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).

Existe ainda a utilização do confinamento, que tem se mostrado tendência crescente na pecuária de leite. Esse modelo leva à necessidade de maior investimento na alimentação animal, com preferência a alimentos alternativos, já que milho e soja exigiriam aumento de seu cultivo e expansão de suas produções. Esses novos modelos têm crescido e, para efetivá-los, é preciso investimentos na área produtiva ou, no caso do confinamento, em tecnologia para sua implantação.

Entendo que para alcançar maior produtividade, eficiência e margem são vários os pontos que têm sido colocados como necessários ou como oportunidades dentro da porteira. Gestão do custo de produção, de dados, de pessoas, respeitar a composição de receita sendo leite, venda de animais, e outras possíveis receitas, e o fundamental, utilizar a composição genética específica que respeite o sistema produtivo que se tem. Neste ponto, destaco as cooperativas, que têm papel fundamental, com grande potencial para serem o principal elo entre o produtor e todas as soluções necessárias.

Para alcançar esses objetivos, há necessidade de investimentos e nem sempre o pequeno e médio produtor tem conhecimento desses tópicos por falta de assistência técnica pública e acesso a financiamentos. Ou seja, fora da porteira, se fazem necessárias políticas públicas efetivas para atender esses produtores, orientando-os e propondo técnicas e tecnologias acessíveis que o ajudem, aumentando a qualidade e a produtividade do leite, sem a necessidade de altos investimentos iniciais, garantindo sua permanência no negócio.

E quanto ao mercado, existe um movimento livre comandado pela oferta e demanda, o que significa dizer que sempre teremos momentos de alta e baixa, o que exige resiliência da atividade. Para isso, a melhor solução nunca será simplesmente aumentar a importação, portanto, mais uma vez a política pública terá papel importante ao estabelecer limites que não prejudiquem a cadeia produtiva nacional.

Os problemas da atividade são complexos e por isso a gestão em todos os níveis é fundamental, e é exatamente esse fator que promove eficiência produtiva, margem e determina quem segue ou não na atividade. Que num futuro próximo as discussões sejam sobre lucro por hectare e margem, e não mais sobre volume e faturamento, que não dizem nada sobre a viabilidade do negócio.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

Você pode estar interessado em

Notas
Relacionadas

Mais Lidos

Destaques

Súmate a

Siga-nos

ASSINE NOSSO NEWSLETTER