Uma única mutação na gripe bovina H5N1 — um clado do vírus da gripe aviária altamente patogênico que tem sido cada vez mais detectado entre rebanhos pecuários norte-americanos pode fazer com que o patógeno adquira a habilidade de ser transmitido entre humanos.
O alerta é um estudo publicado na revista Science por pesquisadores do Instituto Scripps, na Califórnia. Os autores afirmam que a descoberta reforça a necessidade crucial de vigilância contínua das mutações do microrganismo.
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Em 2021, o clado 2.3.4.4b, do H5N1, altamente patogênico, emergiu na América do Norte, demonstrando uma capacidade significativa de infectar diversos hospedeiros, incluindo espécies aviárias, mamíferos marinhos e humanos.
Em 2024, essa versão do vírus se espalhou entre o gado leiteiro nos Estados Unidos: foi detectado em pelo menos 282 rebanhos em 14 estados norte-americanos e também infectou pessoas.
Embora não exista, atualmente, casos documentados de transmissão da gripe bovina H5N1 entre humanos, o histórico de elevadas taxas de mortalidade do vírus e a sua capacidade de adaptação levantaram sérias preocupações sobre uma ameaça pandêmica.
O vírus da gripe infecta o hospedeiro por meio de uma proteína chamada hemaglutinina, que se encaixa nos receptores de glicano nas superfícies das células. É como um mecanismo chave-fechadura.
Os glicanos são cadeias de moléculas de açúcar nas proteínas da superfície celular que podem atuar como locais de ligação para alguns vírus.
Os aviários, como o H5N1, infectam principalmente hospedeiros com receptores de glicano contendo ácido siálico encontrados em aves. Isso reduz o risco de adaptação aos humanos. Porém, uma mutação pode alterar esse quadro.
No estudo, os pesquisadores introduziram várias mutações na proteína hemaglutinina H5N1 2.3.4.4b. Elas foram selecionadas para imitar alterações genéticas que poderiam ocorrer naturalmente.
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Quando a equipe avaliou o impacto de uma dessas mutações, chamada Q226L, na capacidade do vírus de se ligar aos receptores do tipo humano, descobriu que ela melhorou significativamente a forma como o microrganismo se encaixava nas “fechaduras” encontrados nas células da espécie.
Evolução
Segundo os pesquisadores, isso signiifca que, se o vírus evoluir para reconhecer os receptores de glicano das células humanas poderão adquirir a capacidade de infectar e possivelmente ser transmitido de uma pessoa a outra.
“Monitorar a forma como um vírus reconhece as células hospedeiras é crucial porque a ligação ao receptor é um passo fundamental para a transmissibilidade”, diz Ian Wilson, DPhil, coautor senior e professor de Biologia Estrutural na Scripps Research. “Dito isto, as mutações dos receptores por si só não garantem que o vírus será transmitido entre humanos”, esclarece.
“As descobertas demonstram quão facilmente este vírus poderia evoluir para reconhecer receptores do tipo humano”, diz o primeiro autor Ting-Hui Lin, pesquisador de pós-doutorado na Scripps Research. “No entanto, nosso estudo não sugere que tal evolução tenha ocorrido ou que o atual vírus H5N1 com apenas esta mutação seria transmissível entre humanos.”
Em vez disso, a equipe se concentrou em compreender como poderiam surgir mutações naturais, como a Q226L, e qual seria seu impacto. “As nossas experiências revelaram que a mutação Q226L pode aumentar significativamente a capacidade do vírus de atingir e se ligar a receptores do tipo humano”, explica o coautor senior James Paulson.
“Esta mutação dá ao vírus uma base de apoio nas células humanas que não tinha antes, e é por isso que esta descoberta é um sinal de alerta para uma possível adaptação às pessoas.”
Replicação
A mudança por si só, no entanto, pode não ser suficiente para permitir a transmissão entre humanos. Outras alterações genéticas — como mutações na polimerase básica 2 (E627K) que melhoram a replicação viral e a estabilidade nas células humanas seriam provavelmente necessárias para que o vírus se espalhasse eficientemente entre as pessoas.
No entanto, dado o número crescente de casos humanos de H5N1 decorrentes do contato direto com animais infectados, os resultados destacam a necessidade de uma vigilância atenta da evolução do H5N1 e de estirpes semelhantes da gripe aviária, afirmam os autores.
“Continuar a acompanhar as alterações genéticas à medida que acontecem nos dará uma vantagem na preparação para sinais de aumento da transmissibilidade”, acrescenta Wilson. “Esse tipo de pesquisa nos ajuda a entender quais mutações observar e como responder adequadamente.”