Nutri-Score voltou ao centro das discussões na Europa depois que seus criadores acusaram a Danone de promover uma imagem “saudável” injustificada em parte de seus iogurtes bebíveis e bebidas proteicas — um embate que expõe não apenas divergências técnicas, mas também a crise de confiança entre grandes marcas e sistemas de rotulagem nutricional no continente.
A relação entre Danone e o Nutri-Score nem sempre foi conflituosa. Quando o esquema de rotulagem frontal foi lançado, a multinacional francesa foi uma de suas apoiadoras mais entusiastas, defendendo até mesmo sua adoção obrigatória em toda a União Europeia. Esse alinhamento parecia simbólico: um gigante global apostando em transparência e inovação em nutrição.
Mas o cenário mudou radicalmente a partir de 2022, quando o algoritmo do Nutri-Score foi atualizado e passou a classificar produtos lácteos e vegetais em formato líquido — anteriormente considerados alimentos — como bebidas. A mudança fez com que muitos produtos da categoria começassem a receber notas mais baixas, especialmente aqueles com açúcares adicionados.
É aí que a tensão explode. Em um comunicado público, os criadores do Nutri-Score apontaram que iogurtes bebíveis como Actimel, Activia e Danonino, além das bebidas proteicas HiPro, conteriam quantidades relevantes de açúcar adicionado que não são destacadas de forma suficientemente clara nas embalagens.
A crítica não é sobre a ausência da informação — ela está presente — mas sobre sua visibilidade: segundo o grupo, o açúcar aparece “em letra muito pequena e enterrado na tabela nutricional no verso”.
Enquanto isso, informações como teor de proteína, presença de cálcio e vitaminas B6 e D são exibidas com destaque nas embalagens e materiais digitais. Para os autores do Nutri-Score, essa combinação sugere a criação de um “halo saudável”, capaz de induzir o consumidor a interpretar os produtos como mais benéficos do que realmente são sob o critério do algoritmo.
Do outro lado, a Danone rejeita a crítica e reforça que a reclassificação dos lácteos bebíveis como bebidas é, em si, um equívoco que “distorce suas qualidades nutricionais e funcionais”.
A empresa sustenta que iogurtes bebíveis têm composição, densidade nutricional e papel na dieta muito diferentes de refrigerantes e sucos industrializados — categorias com as quais agora passam a compartilhar faixas de notas, podendo cair em D ou E em razão do açúcar.
A divergência técnica rapidamente se transformou em conflito reputacional. Para a Danone, seria incoerente manter o Nutri-Score em produtos que ela acredita serem classificados de maneira injusta. Por isso, retirou o selo de parte de seu portfólio.
Para os autores do Nutri-Score, esse abandono representa falta de compromisso com transparência — e a reação pública faz parte de uma tentativa de pressionar grandes players a voltarem ao sistema.
Mas o Nutri-Score enfrenta, ele próprio, um momento delicado. Seu apoio político em Bruxelas estagnou, e outras gigantes como a Nestlé também têm recuado em algumas categorias. Assim, ao mesmo tempo em que critica a Danone, o sistema corre o risco de afastar ainda mais as empresas cujo apoio é crucial para sua sobrevivência como padrão europeu.
A Danone afirma seguir comprometida com sistemas de informação nutricional harmonizados e baseados em ciência, mas deixa claro que dificilmente retomará o Nutri-Score.
Para quem acompanha a indústria, esse embate evidencia algo maior: a disputa pela narrativa da saudabilidade em um mercado cada vez mais regulado — e cada vez mais sensível ao açúcar.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Dairy Reporter






