Com alta no valor do trigo, produtores de pães da cidade afirmam já sentir reflexos; outros produtos também devem ser atingidos em cadeia

O conflito entre Rússia e Ucrânia, a mais de dez mil quilômetros de distância do território brasileiro, vai causar impactos no preço de produtos alimentícios em Juiz de Fora. Menos de duas semanas após o início da guerra na Europa, setores da cadeia produtiva levantam preocupação com as altas no preço de commodities no mercado internacional, que começam a gerar reflexos nas prateleiras juiz-foranas. O Sindicato da Panificação de Juiz de Fora (Sindpan-JF) já aponta crescimento nos custos da produção, enquanto especialistas alertam para a possibilidade de efeito generalizado no mercado local, sobretudo se não houver acordo entre russos e ucranianos em um futuro próximo.

A guerra na Ucrânia tem pressionado os valores do trigo, do milho e do óleo vegetal no mercado internacional. A alta nas commodities, como são chamadas as mercadorias agrícolas cotadas nas bolsas de valores, tende a afetar diretamente o valor no mercado interno brasileiro, uma vez que os produtores nacionais passam a preferir fornecer os insumos para compradores estrangeiros. Assim, o efeito alcança o bolso dos produtores juiz-foranos que, por sua vez, repassam parte do aumento no custo para o consumidor final.

O presidente do Sindpan-JF, Heveraldo Lima de Castro, diz que os panificadores do município já estão em alerta por conta da alta no preço do trigo. De acordo com ele, se, há um mês, os produtores conseguiam adquirir 25 quilos do grão por R$ 75; hoje, a mesma quantidade alcança R$ 105. “E ainda tem tendência de alta. Há uma especulação muito grande, porque a Ucrânia e a Rússia são grandes produtores de trigo. Através dessa cadeia, temos muitos outros produtos que têm alteração dos preços”, conta o presidente.

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Preço do trigo já impacta no valor de produção do pão (Foto: Fernando Priamo)

Para além do aumento diretamente no custo do trigo, os produtores são impactados também pela escalada de outros produtos, como o combustível, que teve uma série de altas em 2021 e pode acumular novas majorações este ano, dada a valorização no preço do barril de petróleo no mercado internacional. Segundo o presidente do Sindpan-JF, os panificadores que não estavam com estoque de produtos já sentem o impacto das altas. “Já está tendo efeito para quem não tinha estoque. Quem for repor o estoque, já vai ser com o preço novo”, lamenta Heveraldo, que planeja reunião com a categoria para tratar do assunto. A entidade contabiliza 175 padarias associadas em Juiz de Fora.

Duas padarias ouvidas pela reportagem afirmam que ainda não identificaram alta nos preços, mas compartilham a insegurança gerada pelo conflito europeu. “Eu não recebi matéria-prima nesses dias, então não sei se houve alteração (no custo). Mas, ao que tudo indica, os preços vão aumentar. A expectativa é de aumento em tudo, não só na farinha”, afirma Wesley Neto, proprietário da padaria Mais que Pão, no Poço Rico, região Sudeste.

O receio também é compartilhado por Fausto Dias, proprietário da padaria Sabor do Trigo, na região central de Juiz de Fora. O empresário diz ainda não conseguir mensurar o quanto o custo da produção vai aumentar e nem quando esse impacto vai chegar ao produto final. “A gente fica temeroso com essa questão, meio que refém da situação”, lamenta Dias, lembrando que o setor já enfrentou consecutivos crescimentos nos custos da produção nos últimos anos. “A gente já tinha pandemia, problemas na economia interna e agora vem essa questão externa da guerra.”

Possível falta de fertilizantes preocupa

Outra questão preocupante na guerra entre Rússia e Ucrânia é a possibilidade de escassez de fertilizantes, produto que tem grande parte da produção internacional em território russo e também em Belarus, país que também enfrenta sanções por ter se aliado à Rússia no conflito europeu. Juntos, os dois países acumulam 28% da produção de fertilizantes. O Brasil, por sua vez, tem grande dependência das nações estrangeiras para o suprimento da demanda interna do produto: o país compra no mercado externo cerca de 85% do que utiliza no campo.

Como lembra o professor da Faculdade de Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Paulo Martins, os produtores de milho e soja, que são as culturas realizadas no período atual, podem passar incólumes pela crise. “A dúvida passa a ser para o trigo, cujo plantio acontece daqui a 60 dias. Nós temos fertilizantes disponíveis, o que vai acontecer é o efeito especulativo. Os preços ficarão mais caros para quem for comprar agora”, explica o especialista, ponderando que, por outro lado, a alta do valor internacional do petróleo ainda não se refletiu no preço final do combustível nos postos brasileiros. “A guerra tem mais uma característica de causar uma expectativa não favorável, do que efetivamente mexer no bolso do produtor brasileiro neste momento. Mas a perspectiva é que haja impacto.”

Segundo o professor, o conflito europeu tem potencial para aumentar os custos de produção, com a elevação no preço dos fertilizantes e dos produtos derivados do petróleo, e também impactar o valor final dos próprios produtos, como milho e soja. Tais produtos encarecidos, por sua vez, ainda podem causar efeitos nas cadeias da suinocultura e da agricultura. “Frangos e suínos tendem a subir o preço, e também ocorre impacto no leite. No caso da agricultura e suinocultura, como são produtos exportados, é possível que uma perda de receita por parte do produtor seja compensada com a elevação de preços desses produtos no mercado internacional”, projeta Martins, ponderando que, no caso do produtor de leite, o aumento no custo da produção tende a diminuir a margem de lucro.

Para tentar driblar a possível falta de fertilizantes nas próximas culturas, o professor avalia duas possibilidades: o mercado brasileiro se aproveitar do próprio potencial para reivindicar tratamento diferenciado, visto que há grande demanda pelos produtos nacionalmente; e aumentar a importação de países que, hoje, fornecem em menor quantidade. “Necessariamente, nós temos que encontrar uma forma de garantir fluxo. Isso pode acontecer por meio de importações de países que, hoje, têm um peso menor, como é o caso do Canadá. Ou pode ser que, até lá, a guerra já tenha terminado”, pontua Paulo Martins.

‘Quanto mais durar a guerra, maiores serão os efeitos’

A lógica do efeito generalizado da guerra na Ucrânia é simples, de acordo com o economista da UFJF e doutor em economia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Fernando Agra. No atual contexto de globalização, a integração entre os países propicia efeitos positivos e negativos. Com a codependência entre as nações que integram o mercado internacional, uma crise entre dois países a milhares de quilômetros não demora muito a gerar efeitos no Brasil. “O petróleo mais caro no mercado externo acaba estimulando a exportação. Gera menos oferta de produto aqui dentro e o preço sobre (…). Isso acontece também com os grãos. Se o preço no exterior está mais alto, o empresário do agronegócio vai preferir exportar para ganhar mais. Tudo isso acaba afetando o preço final e batendo na porta do consumidor”, analisa.

No mercado internacional, o trigo, por exemplo, já acumula 46% de alta. No Brasil, segundo Agra, esse fator vai impactar nos contratos futuros, o que varia temporalmente entre um produto e outro, ficando difícil mensurar o tempo em que todo o mercado será atingido. Mas, segundo ele, o efeito será inevitável. “Mesmo que tenha o cessar-fogo agora, nós vamos sentir esse efeito. É claro que, quanto mais rápido cessar a guerra, a tendência é de diminuir esse impacto.”

Para a economia internacional sofrer menos, avalia o economista, além de um rápido acordo para interromper a guerra, será necessário ter em conta as condições a que o fim do conflito estará vinculado. “Vai depender, também, de como será o fim da guerra. Se a Rússia vai tomar a Ucrânia, se vai tomar parte do território ou se vai parar por aí. Quanto mais rápido cessar e quanto mais acordos acontecerem, a tendência é que as coisas se normalizem em um período mais rápido”, conclui.

Seus carros alegóricos já foram vistos com frequência, girando silenciosamente pelas ruas do país, entregando litros diários. A fotógrafa Maxine Beuret captura o mundo em extinção dos carros de leite elétricos (e seus motoristas).

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