As importações brasileiras de lácteos vêm desacelerando em 2025. De acordo com dados da SECEX/MDIC compilados pelo portal Terra Viva, a média diária de importações na segunda semana de junho manteve-se estável em relação a maio. No entanto, na comparação interanual, os números revelam uma tendência clara de retração: o valor total importado caiu 3,3%, e o volume, 9,5%.
Dentre os principais produtos impactados, os queijos lideram a queda: -13,8% em valor e expressivos -18,3% em volume. A manteiga, sempre volátil, também apresenta recuo nas compras, puxado por uma disparada no preço de importação — alta de 38,2% entre junho de 2024 e a primeira quinzena de junho de 2025.
Esse fenômeno, mais do que uma oscilação pontual, pode ser um reflexo de algo mais estrutural: o Brasil está repensando sua dependência de lácteos importados?
Trimestre mais contido: retração nas compras internacionais
Entre abril e a segunda semana de junho, o Brasil importou 29% menos em volume do que no primeiro trimestre. Em valor, a redução foi de 22%.
Mesmo a categoria “Leite”, que tradicionalmente tem peso expressivo na pauta importadora, não escapou: embora o valor importado tenha subido 1,3%, isso se deve exclusivamente ao aumento do preço médio (+8,1%). O volume, por sua vez, caiu 6,3%.
Essa dinâmica sugere uma indústria mais cautelosa, pressionada por preços internacionais em alta e margens comprimidas.
Segundo o relatório, a tonelada da manteiga saltou de US$ 6.849, em janeiro, para US$ 8.299 na segunda quinzena de junho — um aumento que reduz a atratividade do produto estrangeiro, especialmente frente a um mercado consumidor cada vez mais sensível a preços.
Balança comercial ainda deficitária, mas com sinais de ajuste
Apesar das retrações, o déficit da balança comercial de lácteos diminuiu 6,1% na comparação anual, impulsionado pela redução nas despesas com manteiga e queijo. Mesmo assim, o déficit médio diário subiu 2,7% em relação a maio — ainda que se mantenha como o segundo menor de 2025.
A exceção na tendência de queda ficou por conta das exportações de leite, cujo preço médio aumentou 1%.
Mas, como o preço médio de exportação (US$ 2.263/tonelada) ainda está muito abaixo do valor de importação (US$ 3.861/tonelada), o impacto positivo foi modesto: o saldo da balança para essa categoria se manteve negativo, passando de -US$ 2.431 para -US$ 2.448 por tonelada.
Onde está o Brasil no tabuleiro internacional?
Enquanto o Brasil faz contas, o mercado global segue em transformação. O South Dairy Trade, braço da Dairy Corp focado em dar visibilidade a dados e cotações da América do Sul, ainda não inclui as informações brasileiras.
Isso revela uma lacuna importante: falta de integração com plataformas que poderiam impulsionar a transparência e a previsibilidade do setor.
Não é apenas uma questão de números, mas de posicionamento estratégico. A ausência do Brasil no SDT coloca o país em desvantagem frente a vizinhos como Argentina e Uruguai, que já se beneficiam da visibilidade e competitividade que a plataforma proporciona.
eDairyNews, unidade da mesma Dairy Corp, acompanha de perto esse movimento — e levanta a bandeira para que o Brasil amplifique sua presença nos fóruns e mercados digitais que moldam o futuro do setor lácteo.
A indústria nacional está preparada para reagir?
O cenário atual exige mais do que reações pontuais. Com preços internacionais em ascensão e importações em declínio, a indústria brasileira tem diante de si a oportunidade — e o desafio — de fortalecer sua produção interna.
Mas isso requer mais do que incentivos: demanda políticas públicas claras, acesso a crédito, fomento tecnológico e, principalmente, previsibilidade.
Ao mesmo tempo, a pressão sobre os custos logísticos, as exigências sanitárias internacionais e a ausência de uma estratégia digital robusta freiam o avanço do setor. É preciso um pacto entre produção, indústria e governo para transformar essa retração nas importações em alavanca para a reindustrialização do leite brasileiro.
Conclusão: menos dependência, mais protagonismo
O Brasil parece estar ensaiando um novo ciclo em sua relação com os lácteos importados. A queda nas compras, ainda que impulsionada pela alta dos preços internacionais, pode ser o prenúncio de uma nova lógica de abastecimento.
No entanto, é fundamental que essa inflexão se traduza em ações concretas. Se o país deseja reduzir sua vulnerabilidade às oscilações externas e se projetar como um player relevante no cenário internacional, precisa olhar para dentro — e para frente.
Enquanto os números indicam cautela, a indústria láctea brasileira tem diante de si uma rara janela de oportunidade: investir na produção local, elevar a qualidade e, quem sabe, finalmente, transformar o déficit crônico em superávit sustentável.