O leite voltou ao centro do debate político em Campos dos Goytacazes (RJ) após a Câmara Municipal, em 3 de setembro, aprovar moção pela derrubada do veto ao Projeto de Lei 1440/2019, que reclassifica 22 municípios do norte fluminense como semiárido.
O texto abriria linhas de crédito para pequenos e médios produtores, beneficiando mais de 2 mil famílias que vivem da pecuária leiteira na região.
O vereador Beto Abençoado subiu à tribuna para criticar a decisão preliminar do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que no mês passado optou por não aplicar medidas antidumping contra o leite em pó importado da Argentina e do Uruguai, o que, segundo ele, coloca os produtores brasileiros em desvantagem.
“Temos que unir nossas vozes para que nossos deputados em Brasília entendam que o projeto de lei é a nossa defesa. Ele vai garantir um preço justo”, declarou o parlamentar, destacando o esforço municipal com o Projeto Campos Leite, mas reconhecendo que “não é suficiente para lutar contra um problema nacional”.
O que dizem os dados oficiais?
Embora a manifestação política tenha ecoado preocupações legítimas de produtores, os dados oficiais apontam um cenário menos dramático do que o descrito em plenário.
Segundo levantamento do ComexStat e PPM/IBGE, as importações de leite em pó provenientes de Argentina e Uruguai representaram cerca de 4,4% da produção nacional em 2023 — participação considerada complementar, especialmente para suprir a entressafra.
Relatórios técnicos, como o Anuário do Leite 2024 da Embrapa, ressaltam que os principais desafios de competitividade do setor estão ligados a baixa escala média de produção, altos custos logísticos, fragmentação industrial e necessidade de inovação, fatores que precederam o aumento das importações.
Além disso, especialistas lembram que o leite em pó tem destino majoritariamente industrial, com baixa substituição direta pelo leite in natura, argumento relevante quando se discute a aplicação de medidas antidumping.
A disputa: dados técnicos versus pressão política
O caso de Campos ilustra a tensão entre uma leitura técnica do comércio internacional e a pressão política local por medidas imediatas de proteção.
O veto ao PL 1440/2019, que hoje impede acesso a linhas especiais de crédito para o semiárido fluminense, ganhou força no discurso como resposta a um “ataque externo”, ainda que a dimensão real das importações não sustente, por si só, a queda de preços pagos ao produtor.
Setores organizados, como a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), têm utilizado episódios semelhantes para pressionar Brasília por barreiras comerciais, enquanto economistas e técnicos alertam que tais medidas devem obedecer a critérios claros de comparabilidade de produtos e análise de impacto.
Caminhos possíveis
Produtores locais, especialmente de agricultura familiar, não minimizam os efeitos de decisões federais e a necessidade de apoio imediato.
Linhas de crédito voltadas para a adaptação ao semiárido, investimentos em armazenamento e tecnologia, e fortalecimento do cooperativismo aparecem como alternativas estruturais de médio prazo.
Enquanto isso, o MDIC segue com sua avaliação preliminar, e o Congresso Nacional poderá reavaliar o veto ao projeto de lei.
Em Campos, a expectativa é de que a mobilização política contribua para maior visibilidade, mas que decisões futuras combinem proteção legítima com análise técnica baseada em dados oficiais — evitando que o debate sobre o leite seja reduzido a narrativas simplistas.
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