As importações de lácteos no Brasil alcançaram patamares históricos em 2023, revelando uma preocupante perda de competitividade da cadeia leiteira nacional.
De acordo com dados do CILeite, o país internalizou o equivalente a 2,18 bilhões de litros de leite, ou 6,2% da produção nacional — o maior percentual já registrado. O resultado foi um déficit comercial superior a US$ 1 bilhão, valor nunca antes atingido pelo setor.
O cenário contrasta com o potencial produtivo brasileiro. Com mais de 35 bilhões de litros produzidos anualmente, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking global de produção de leite.
A atividade é difundida em 98% dos municípios e emprega diretamente cerca de 4 milhões de pessoas, com destaque para pequenos e médios produtores.
Mesmo assim, o avanço da produtividade não tem sido suficiente para frear a crescente dependência externa.
Entre os produtos mais importados estão o leite em pó, os queijos e o soro de leite. Somente com leite em pó, o país gastou US$ 738 milhões em 2023, contra US$ 51 milhões em 2004.
Os queijos, por sua vez, saltaram de US$ 11 milhões para US$ 213 milhões no mesmo período — um crescimento de mais de 1.800%. O soro de leite teve aumento de 31% de 2022 para 2023, chegando a US$ 55 milhões.
Na outra ponta, as exportações de lácteos brasileiros seguem modestas. Após um pico entre 2004 e 2008, quando o país chegou a exportar 882 milhões de litros-equivalentes, o volume caiu drasticamente.
Desde 2009, o Brasil se consolidou como importador líquido de lácteos. A média histórica de exportação entre 2002 e 2023 foi de apenas 260 milhões de litros, frente a uma média de importação de 967,8 milhões.
O principal destino das exportações brasileiras são produtos de menor valor agregado, como leite em pó, leite condensado e creme de leite.
Já as importações concentram-se em produtos com maior valor unitário, o que amplia ainda mais o impacto negativo na balança comercial.
Essa fragilidade está ligada a fatores estruturais da cadeia produtiva. Entre 2011 e 2023, o número de vacas ordenhadas caiu 33%, de 23,2 para 15,6 milhões de cabeças. Paralelamente, a produtividade aumentou 104%, alcançando 2.254 litros/vaca/ano.
No entanto, a produção nacional tem oscilado, sem conseguir responder à estagnação do consumo interno — que permanece em torno de 180 litros per capita por ano.
O aumento da massa salarial e do número de trabalhadores ocupados entre 2023 e 2024 pressionou a demanda, mas a produção interna não acompanhou o ritmo, abrindo espaço para importações, especialmente de parceiros como Argentina e Uruguai.
Outro entrave grave é o alto custo de produção do leite no Brasil. Em novembro de 2024, o preço do leite em pó industrial nacional era 34% superior ao do produto importado.
A muçarela brasileira custava 24% a mais. Esse descompasso estimula a importação e desestabiliza os elos da cadeia nacional.
Além do custo da matéria-prima, a logística ineficiente de coleta — agravada pela dispersão geográfica da produção —, os elevados preços de insumos e o chamado “Custo Brasil” (que inclui carga tributária, infraestrutura deficiente e baixa governança) aumentam significativamente os custos de transação.
Frente a esse panorama, especialistas defendem a necessidade urgente de políticas públicas que incentivem a competitividade da produção nacional, a adoção de tecnologias que aumentem a eficiência e a reorganização da cadeia produtiva com foco em governança, cooperação e agregação de valor.
Se o Brasil quiser deixar de ser um eterno importador de lácteos e assumir seu protagonismo internacional, será preciso mais do que produtividade: será preciso competitividade real — do campo à indústria, da prateleira ao comércio exterior.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de O Presente Rural