Nos últimos cinco anos, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) investiu mais de R$18,3 milhões em pesquisas sobre o queijo e, como resultados, surgiram produtos de maior qualidade e competitividade.
“Sem dúvida nenhuma, a ciência trouxe para nós, produtores, mais conhecimento. A tecnologia que foi empregada no queijo realmente tem impacto direto na qualidade do nosso produto. E isso não envolve só a produção em si, mas toda a cadeia”, destaca Eudes Braga, presidente da Associação dos Produtores de Queijo Minas Artesanal do Cerrado (Aprocer).
As pesquisas financiadas pela Fapemig nas universidades e centros de pesquisa sediados no estado abordam aspectos diversos, como a promoção da sustentabilidade e a melhoria da qualidade em toda a cadeia produtiva. O Queijo Minas Artesanal (QMA), produto caracterizado pela produção com leite cru não pasteurizado e processo de cura mais longo, também é alvo dos estudos.
Algumas dessas pesquisas são desenvolvidas no Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT), em Juiz de Fora, unidade da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que se dedica aos estudos com leite e derivados. Segundo Junio de Paula, pesquisador do ILCT, o queijo artesanal tem demandado muito em termos de pesquisa e investimentos. “Houve um desenvolvimento muito grande da cadeia, já que Minas Gerais tem tradição com o produto. E isso nos traz uma responsabilidade muito grande de desenvolver novas tecnologias, conhecimento e inovações para a evolução da cadeia desses queijos artesanais, sem perder sua essência”, destaca.
Produtos de maior qualidade
As pesquisas com Queijos Minas Artesanais incluem a caracterização e o apoio ao surgimento de novas regiões produtoras, como forma de aumentar a qualidade e o retorno econômico dos produtos. Vale lembrar que esses queijos, a base de leite cru, são produzidos por mais de 30 mil famílias no estado, que é o maior produtor de leite e derivados do país.
Há quase 20 anos, Junio de Paula desenvolve pesquisas envolvendo o QMA. “A comercialização do QMA oferece a valorização da cultura, do produto e ajuda o produtor a se fixar no campo e melhorar a qualidade de vida da família. Se antes o produtor vendia a peça do queijo por R$ 25, hoje ele pode vender a R$ 100 com o apoio das políticas públicas de regulamentação”, destaca.
Eudes Braga, presidente da Aprocer, acredita que o queijo tem que sempre caminhar junto com a tecnologia. “A gente vê com nitidez que quando os produtores investem na ciência e na tecnologia, eles conseguem ter um produto de qualidade”, comenta. A vice-presidente da Aprocer, Cida Machado, completa destacando que a associação sempre busca levar conhecimento aos produtores da região, o que tem resultado em um grande desenvolvimento e até premiações internacionais. “Todas as nossas premiações vêm mostrar esse cuidado em aprofundar o conhecimento sobre o produto para trazer melhores condições de produção e a diferenciação”, diz.
Importância da pesquisa científica
Com o auxílio das pesquisas científicas, o Estado aprimora os meios para garantir, verificar e regularizar a produção do queijo artesanal mineiro. Junio de Paula já desenvolveu cerca de 15 projetos relacionados ao Queijo Minas Artesanal, todos eles buscando resolver problemas apresentados pelos produtores. “Temos que ajudar os produtores a melhorar tanto a qualidade do produto quanto a segurança. É nossa responsabilidade responder aos problemas apresentados e estar presente para incentivá-los a se regulamentarem”, diz.
Um de seus projetos de pesquisa envolve a utilização da embalagem Pack-Age® e o seu efeito nos aspectos de qualidade, apresentação, características físico-químicas, sensoriais e microbiológicas do queijo. Isso porque, segundo ele, em embalagens comuns à vácuo, durante viagens de longo tempo, o QMA pode perder a sua casca ou melar. O pesquisador relata ainda que alguns produtores têm medo de maturar seus queijos por causa dos problemas que podem apresentar durante o tempo do processo.
“Essa embalagem foi desenvolvida por uma empresa multinacional e ela possui termo seletividade, ou seja, ela deixa o queijo perder umidade e formar a casca, mas não deixa alterar as suas propriedades e entrar mofo. Ela é feita com natamicina que é um conservante que não passa para o produto e evita a entrada de mofo, pragas e problemas que podem acontecer na maturação”, explica o pesquisador.
Assim, a pesquisa busca melhorias no aspecto e na qualidade, permitindo agregar valor ao queijo e, consequentemente, melhoria da renda das famílias. O impacto financeiro na inserção dessas novas embalagens também está sendo estudado. Atualmente, a embalagem é encontrada no mercado pelo valor de US$ 2 o saco, sendo possível reparti-lo para embalar quatro queijos. As pesquisas levam em consideração todos os aspectos sociais, financeiros e produtivos para gerar o melhor custo-benefício ao produtor. “A pesquisa da embalagem foi feita pensando justamente nesse problema de encontrar uma embalagem adequada para o queijo artesanal, o que gerou resultados muito interessantes. A gente conseguiu não alterar as características e tivemos um ganho na diminuição de perda de água desse queijo”, destaca.
Com projetos como esse, o pesquisador destaca a possibilidade de difundir a ciência no campo por meio da prestação de serviços e aproximação com os produtores. “Com isso, conseguimos produzir um queijo muito melhor sem alterar as características tradicionais, usando as pesquisas com boas práticas, usando melhorias de processo e técnicas científicas. Assim é possível reduzir contaminações e evitar que esse produto gere problemas de segurança alimentar para o consumidor”, afirma.
“Para ajudar os produtores a comercializarem mais, nossas pesquisas chegam neste âmbito de resolver problemas. Por exemplo, estamos trabalhando em um projeto de monitoramento da qualidade dos queijos artesanais de Minas. Vamos estudar quatro regiões para levantar os dados de como estão esses queijos atualmente, levando em conta análises físico-químicas microbiológicas e as propriedade do leite, do queijo e do fermento. Paralelamente, vamos aplicar questionários para levantar quais são os gargalos na produção do queijo artesanal e quais são as dificuldades do produtor”. A pesquisa em questão é denominada “Monitoramento da qualidade de queijos artesanais de Minas Gerais e capacitação de técnicos e produtores visando agregação de valor e competitividade” que também está sendo financiada pela Fapemig e teve início em julho de 2022.
Origem certificada
Em agosto, o Queijo Minas Artesanal do Cerrado teve reconhecida a Indicação Geográfica pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). É a terceira região produtora de QMA a obter o registro, que já foi concedido para as regiões da Canastra e do Serro. A identificação de um produto ou serviço como originário de um local, região ou país indica que a reputação, característica e/ou qualidade do produto/serviço pode ser vinculada essencialmente a esta sua origem particular.
Patrimônio Imaterial de Minas Gerais, os queijos artesanais das diferentes regiões produtoras possuem sabores e aromas particulares, que caracterizam e diferenciam sua origem, quer seja pelos modos de preparo, quer seja pela microbiota. Os trabalhos para a caracterização destas regiões produtoras incluem a realização de análises físico-químicas e microbiológicas, o treinamento e a capacitação de produtores, o estudo da maturação e das formas de conservação, a proposição de embalagens inteligentes, entre outros.
O registro de Indicação Geográfica pode resultar em impactos econômicos positivos e na valorização dos produtos regionais e dos modos de fazer, contribuindo para a qualificação, estruturação e surgimento de novos terroirs (características específicas referentes à geografia, à geologia e ao clima de um lugar) de indicações geográficas para novas microrregiões produtoras. De acordo com Junio de Paula, a Indicação Geográfica ainda protege o produto de ser imitado industrialmente. “Você vai ter naquela região um efeito único do ambiente que a envolve, desde a temperatura, a umidade, o efeito da pastagem, da alimentação do gabo, e o jeito de fazer do próprio produtor que é passado de pai para filho. Então, isso tudo vai expressar num produto único de cada região”, explica.
Em sua opinião, esse tipo de proteção intelectual auxilia tanto no valor econômico quanto no cultural, uma vez que o QMA também se destaca como um produto de renda exclusiva de muitos agricultores. “Isso se reflete também na geração de renda, já que agrega valor econômico para a venda dos queijos e aumenta a circulação do turismo entre as regiões”, completa.
“Através da Aprocer, levamos informações e alto conhecimento aos produtores sobre a nossa região para desenvolver a nossa identidade enquanto delimitação agora reconhecida. Então estamos buscando desenvolver e aprofundar através de pesquisas e a promoção do contato com os produtores para promover essa identificação”, explica Cida Machado.
Atualmente, o estado possui oito regiões mineiras certificadas para a sua fabricação: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Serro, Triângulo Mineiro e Serras da Ibitipoca, e cada uma acrescenta características que diferenciam o sabor e o modo de fazer. Entretanto, a sua regulamentação para venda ainda é recente, tendo sido criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 2012.
Junio de Paula defende que a regularização dos produtores seja incentivada. “Nosso trabalho junto aos produtores tem sido fundamental para mostrar o caminho tanto para a legalização como para a regulamentação da sua queijaria e do seu queijo. Temos um projeto muito interessante que envolve a Epamig, a Emater e o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), que tem feito um trabalho também excelente na questão de fiscalização dos produtores. Assim ajudamos a regulamentar de forma adequada para a comercialização de cada tipo de produto”, destaca.
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