ESPMEXENGBRAIND
25 ago 2025
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Índia lidera a produção global e concentra o consumo interno, enquanto a Nova Zelândia dita os preços internacionais.
O futuro do mercado lácteo global não se decide em Bruxelas nem em Washington. Joga-se nas aldeias de Gujarat e nos pastos verdes de Waikato. Índia
O futuro do mercado lácteo global não se decide em Bruxelas nem em Washington. Joga-se nas aldeias de Gujarat e nos pastos verdes de Waikato.

Índia & Nova Zelândia | O mercado lácteo global não se resume a commodities — é um tabuleiro geopolítico em constante movimento, que além de vacas, leite e queijos, movimenta poder econômico, segurança alimentar e políticas capazes de abalar países inteiros.

Nesse cenário, Índia e Nova Zelândia representam polos opostos: a primeira, um colosso produtor que consome tudo internamente; a segunda, uma pequena ilha que define os preços internacionais por meio de suas exportações.

A contradição é gritante: a Índia produz mais de 239 milhões de toneladas de leite por ano e exporta quase nada; já a Nova Zelândia, com apenas 5 milhões de habitantes e 5 milhões de vacas, é o maior exportador mundial de lácteos.

Índia: produção descomunal e consumo insaciável

A Índia é, há anos, o rei indiscutível da produção de leite. Segundo dados oficiais do Ministério de Pesca, Pecuária e Lácteos da Índia, no exercício 2023/24 atingiu 239,2 milhões de toneladas — um crescimento de 63% em apenas uma década (PIB Índia, 2025).

O National Dairy Development Board (NDDB) estima que mais de 90% dessa produção seja consumida dentro do país.

O consumo é cultural e massivo. O leite não é um simples ingrediente, mas parte central da dieta diária: do chai ao paneer, passando pelo ghee, produto que movimentou mais de 3,48 trilhões de rúpias em 2024 e deverá dobrar de tamanho até 2033 (Research and Markets, 2024).

Em épocas de festivais religiosos —Diwali, Holi—, a demanda por manteiga e ghee explode e pode desestabilizar os preços internos.

O problema é que a cadeia de frio é limitada e as perdas pós-colheita continuam altas. Por isso, quando há picos de consumo, a Índia precisa abrir as portas para importações pontuais de leite em pó desnatado (SMP) e butter oil.

O USDA (2024) lembra que a Índia mantém tarifas entre 30% e 60% sobre esses produtos, salvo exceções por contingentes tarifários. Essa política defensiva explica por que, apesar de seu tamanho, a Índia não aparece de forma relevante no comércio global de lácteos.

O que cresce, porém, é o segmento de valor agregado: iogurtes, bebidas prontas para consumo (lassi, leites saborizados) e produtos funcionais.

O mercado de iogurte, por exemplo, foi avaliado em 2,9 bilhões de rúpias em 2024 e deve alcançar 14,7 bilhões em 2033, com crescimento anual de 19,7% (IMARC, 2025). A classe média urbana, jovem e digitalizada busca conveniência e nutrição rápida — o boom das bebidas ready-to-drink é prova disso.

Nova Zelândia: o termômetro do mercado internacional

Se a Índia é o pulmão produtor, a Nova Zelândia é o termômetro exportador. O que acontece em suas fazendas reverbera em Xangai, Cairo e São Paulo.

Para a temporada 2025/26, a Fonterra projeta 1,49 bilhão de quilos de sólidos lácteos (kgMS), nível similar ao da temporada anterior (Fonterra, 2025).

O clima é sempre um fator de risco: as fortes chuvas de julho colocaram em dúvida a produção inicial, mas o início da primavera definirá o rumo.

A referência mundial é o Global Dairy Trade (GDT). No evento de agosto de 2025, o índice de preços subiu 0,7% em relação ao leilão anterior (GDT, 2025).

Pode parecer pouco, mas esses movimentos mínimos definem a renda de milhares de produtores no hemisfério sul e o custo para importadores na África e na Ásia.

A Nova Zelândia exporta mais de 95% de sua produção, principalmente para a China, Sudeste Asiático e Oriente Médio. Esse grau de exposição a torna vulnerável a mudanças geopolíticas e regulatórias.

E aqui surge a grande tensão: a sustentabilidade. O governo de Christopher Luxon decidiu, em 2024, cancelar o imposto sobre emissões agrícolas, conhecido como “burp tax”, que taxava o metano de vacas e ovelhas (Reuters, 2024).

Embora tenha sido comemorado pelos produtores, gerou críticas internacionais por comprometer a imagem “clean & green” do país. A agricultura representa mais da metade das emissões neozelandesas (DairyNZ, 2025).

E ainda que as políticas internas se tornem mais flexíveis, os compradores globais —especialmente europeus— continuarão pressionando por padrões ambientais mais rígidos.

Choques e convergências

Índia e Nova Zelândia se observam com cautela. A primeira é um potencial importador gigantesco; a segunda, um fornecedor de escala planetária. Mas nem tudo é complementar.

A Índia quer exportar ghee e derivados de maior valor agregado para mercados de nicho —das comunidades hindus na diáspora aos consumidores do Oriente Médio—, enquanto a Nova Zelândia defende seu reinado no leite em pó desnatado, base da maioria dos contratos internacionais.

A política também entra em jogo: a Índia protege seus pequenos produtores com tarifas altas, enquanto a Nova Zelândia depende da abertura de mercados por meio de tratados de livre comércio.

Na prática, a Índia influencia com sua abstinência (quando não compra, os preços globais sofrem) e a Nova Zelândia com sua abundância (quando aumenta a produção, inunda o mercado).

Tendências e cenários 2025–2030

Os próximos cinco anos serão de definições:

  • Demanda asiática: a classe média indiana e do Sudeste Asiático impulsionará a demanda por lácteos além do que a Nova Zelândia sozinha pode oferecer.
  • Sustentabilidade obrigatória: ainda que Wellington relaxe, os compradores exigirão pegadas de carbono verificadas. Se a Nova Zelândia não se adaptar, perderá competitividade frente a países emergentes com regulações mais brandas.
  • Valor agregado indiano: com um mercado interno gigantesco e crescente investimento em infraestrutura, a Índia poderá começar a exportar mais derivados premium e deixar de ser apenas um consumidor líquido.
  • Choque de modelos: Índia, com milhões de pequenos produtores protegidos por políticas públicas; Nova Zelândia, com sistemas altamente eficientes e voltados ao comércio global. A tensão é inevitável, mas também pode gerar cooperação.

 

O futuro do mercado lácteo global não se decide em Bruxelas nem em Washington. Joga-se nas aldeias de Gujarat e nos pastos verdes de Waikato.

A Índia, com sua voracidade interna e sua política protecionista, pode desequilibrar o comércio sem vender uma gota para o exterior. A Nova Zelândia, com sua eficiência exportadora e sua exposição ao clima e à geopolítica, é o farol que define preços e expectativas.

Dois modelos antagônicos, duas realidades extremas, mas o mesmo tabuleiro. Nessa tensão —entre o consumo interno indiano e a exportação neozelandesa— define-se nada menos que a bússola do mercado lácteo mundial.

Valeria Hamann
EDAIRYNEWS

📌 Com informações do Ministério de Pesca, Pecuária e Lácteos da Índia (PIB, 2025), National Dairy Development Board (NDDB), USDA FAS (2024), Research and Markets (2024), IMARC Group (2025), Fonterra (2025), Global Dairy Trade (2025), DairyNZ (2025) e Reuters (2024).

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