Logística reversa se tornou a nova palavra de ordem na indústria brasileira de alimentos.
Às vésperas da COP30, que será realizada em Belém (PA), a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) anunciou a criação de um instituto próprio voltado à coleta e reciclagem de embalagens plásticas.
A iniciativa, que envolve gigantes como Nestlé, Arcor e Cargill, pretende recolher 32% das embalagens produzidas por suas associadas até o próximo ano e alcançar 50% até 2040.
A Abia, que representa um dos setores mais relevantes da economia nacional, aposta na economia circular como o caminho mais sólido para enfrentar o desafio da gestão de resíduos.
Segundo a entidade, o novo Instituto Abia de Logística Reversa será responsável por integrar ações de reciclagem, garantir a rastreabilidade dos materiais e ampliar a reintegração das embalagens pós-consumo ao ciclo produtivo.
Para implementar o programa, o Instituto firmou uma parceria com a Associação Nacional dos Catadores (Ancat), que reúne cerca de 6 mil trabalhadores em todo o país.
O objetivo é fortalecer cooperativas locais, investir em equipamentos e ampliar a infraestrutura de coleta e triagem — elementos essenciais para a efetividade da reciclagem.
“Nosso foco é promover um modelo de responsabilidade compartilhada, com transparência, auditoria independente e metas progressivas”, afirmou a direção da Abia em nota. A entidade garante que os resultados serão acompanhados por verificadores externos e publicados anualmente.
Apesar da adesão institucional e das metas ambiciosas, a proposta tem gerado debates. Especialistas reconhecem o avanço, mas lembram que reciclar ainda é uma etapa final do processo, e não uma solução isolada.
O desafio maior, segundo analistas do setor ambiental, é reduzir a origem do problema — a produção e o consumo de plásticos de uso único.
O Brasil é o maior poluidor plástico da América Latina e o oitavo no mundo, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em 2023, o país gerou cerca de 7 milhões de toneladas de resíduos plásticos, dos quais 44% eram descartáveis. Desses, apenas 6 milhões de toneladas foram recicladas, um número muito abaixo do potencial estimado de 27 milhões.
A Abiplast, entidade que representa os fabricantes de plásticos, indica que o setor de alimentos e bebidas é responsável por cerca de 24% do consumo nacional.
Dentro desse cenário, companhias do setor lácteo, como a Nestlé, figuram entre as mais ativas na busca por alternativas sustentáveis, com o compromisso público de tornar 100% de suas embalagens recicláveis ou reutilizáveis.
Segundo o diretor da Ancat, Anderson Nassif, o apoio institucional da Abia é um passo relevante: “Estamos ampliando a capacitação e modernizando as cooperativas de catadores, que agora recebem apoio técnico e infraestrutura para aumentar a eficiência da coleta”.
Contudo, Nassif reconhece que ainda há desafios: a remuneração dos catadores depende da venda efetiva do material às recicladoras.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) prevê que fabricantes, importadores e comerciantes compartilhem a responsabilidade pela destinação correta das embalagens.
No Brasil, essa obrigação se traduz no sistema de compensação — empresas contratam entidades gestoras que garantem que uma quantidade equivalente ao material colocado no mercado seja reciclada. É esse o papel que o novo Instituto da Abia busca consolidar.
Nos bastidores, a iniciativa também tem um valor estratégico. O movimento ocorre em um momento em que o governo brasileiro discute sua posição no Tratado Global sobre Poluição Plástica da ONU, e a Abia, que integra o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, tem participado ativamente das negociações.
Para a associação, o foco na economia circular é uma forma de alinhar o setor industrial aos compromissos climáticos sem comprometer a competitividade das empresas.
A discussão é global. Segundo dados da OCDE, o mundo produziu em 2022 o dobro de lixo plástico do que duas décadas antes, e apenas 9% do total foi efetivamente reciclado. No ranking da poluição global, sete das dez empresas mais responsáveis por resíduos plásticos pertencem ao setor de alimentos e bebidas — incluindo Coca-Cola, PepsiCo e Nestlé.
A diferença entre o modelo brasileiro e o europeu, apontam especialistas, está no incentivo econômico. Em países como Alemanha, França e Suécia, os custos da gestão de resíduos são internalizados no preço do produto, o que motiva empresas a reduzir o uso de plástico e investir em design sustentável.
No Brasil, a logística reversa ainda depende da boa vontade corporativa e da parceria com cooperativas. O novo instituto da Abia tenta preencher essa lacuna, consolidando uma estrutura que equilibre metas ambientais e viabilidade econômica.
Para um setor que busca melhorar sua imagem pública e atender às exigências crescentes de consumidores e investidores, a iniciativa chega em boa hora. A expectativa agora é que a promessa da logística reversa se traduza em resultados concretos — e que a sustentabilidade deixe de ser apenas discurso para se tornar prática efetiva.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de RB






