Nos anos 2000, as classes de menor renda tinham como um dos principais termômetros para identificar a sua ascensão social o acesso a alguns alimentos antes restrito a classes mais abastadas: o iogurte era um dos produtos que melhor representava uma melhora na vida das pessoas.
Naquele tempo, a composição dos iogurtes era consideravelmente diferente se comparada a algumas opções disponíveis no mercado hoje. Na época, a prioridade para o público era quase exclusivamente sabor, independentemente da questão nutricional. Hoje, o sabor só não basta, é preciso garantir saúde também.
Nesse aspecto, tecnologias modernas permitiram enriquecer esse produto, que, lá, como agora, podem ser bastante atrelados à mudança de vida das pessoas. Nos anos 2000, como um indicador de melhora da renda, agora, como algo que identifica novas preocupações nutricionais.
“A Vigor, quando relançou o (iogurte) Grego, que foi lançado há muito tempo, trouxe a possibilidade de incrementar o produto porque a quantidade de proteína era menor na versão anterior”, diz Andrea Moura, consultora do ramo de alimentos e ingredientes, durante o Q&A “Inovação em proteínas: potencial de crescimento e seus drivers de consumo”, organizado pela FiSA (Food ingredients South America) – a palestra está disponível para assinantes do BrianBox na Plataforma FiSA Xperience.
Andrea lembra que o primeiro lançamento já tinha educado o consumidor e quando a nova versão, mais proteica apareceu, o público já estava habituado ao produto.
As versões antigas dos iogurtes, ricas em gordura, ajudaram a criar um novo hábito nos brasileiros e, ainda que esse tipo de produto seja de alto valor agregado – em especial os mais inovadores, ricos em proteína –, o que se tem visto é um aumento do acesso da população. “Hoje, mesmo com a situação econômica desfavorável, o iogurte passou a ser mais acessível”, ressalta Andrea.
Cuidados com o índice glicêmico de alimentos enriquecidos
Além dos produtos já associados a fontes de proteína animal, como o iogurte, outros alimentos também já começam a receber aportes desse tipo de nutriente. São os casos de sucos funcionais, que já têm em sua composição mais proteínas do que se poderia imaginar tempos atrás.
Ainda assim, diante de todos esses benefícios da inserção de proteína em alimentos e bebidas, Andrea faz uma ressalva. Ela diz que pode haver malefícios relacionados à inclusão exagerada de açúcares em produtos mais proteicos. “Quando a gente fala de lácteos ou sucos proteicos à base de frutas, é preciso entender para onde vai o índice glicêmico”, afirma.
Nessa situação, de enriquecer produtos com proteína, a Biolinker, startup brasileira especialista em engenharia de alimentos, tem recorrido principalmente à braseína, planta que produz uma proteína capaz de dar dulçor aos alimentos sem aumentar o nível glicêmico, de forma a resolver esse problema do aumento do açúcar atrelado ao enriquecimento em proteína.
“Tem proteína que dá o sabor de açúcar sem aumentar o índice glicêmico. Dentro da biodiversidade que temos no Brasil, a gente tem um potencial enorme para criar proteínas ou plantas modificadas e aumentar a qualidade do produto para o consumidor final”, diz Mona Oliveira, CEO da Biolinker.
Desafios no consumo de produtos enriquecidos
O desafio ainda tem sido relacionado ao valor desses produtos, mas a tendência, como das tecnologias em geral, é que os preços se acomodem em patamares mais acessíveis com o passar do tempo, ampliação da base de consumidores e desenvolvimento de novas técnicas.
“Dietas ricas em gorduras sempre serão mais baratas. Num estágio inicial, como o atual, ainda é comparativamente mais caro, mas vai ficar mais acessível”, explica Andrea.
A inserção de proteína em bebidas lácteas tem se beneficiado da evolução do setor de saúde nessa iniciativa. No setor de alimentação – assim como no de estética – produtos enriquecidos com proteína passam por processos um pouco mais simples de purificação da proteína, o que não é permitido, ao menos no mesmo patamar, no setor de fármacos.
Essa tecnologia, que é a de fermentação de precisão, é a mais celebrada no mercado e assim deve seguir durante um tempo. “A fermentação de precisão já é uma tecnologia bastante usada em fármacos, a diferença às vezes é o grau de purificação, então é uma tecnologia muito mais próxima de estar no mercado do que as de proteínas cultivadas, por exemplo”, diz Cristiana, ao comparar diferentes tecnologias de desenvolvimento de proteína.
O The Good Food Institute mapeia, atualmente, mais de 130 empresas que trabalham com fermentação, tanto de precisão quanto para obtenção de biomassa e geração de proteína através dessa biomassa. Essa fermentação produz, por exemplo, caseína e soro do leite, substâncias amplamente utilizadas nos novos alimentos, mais ricos, e suplementos alimentares.
Essas soluções podem “dar um upgrade considerável (na quantidade de proteína) de produtos de origem vegetal e, em breve, poderemos ter queijos e semelhantes de origem vegetal muito parecido com os de origem animal”, garante Cristiana.
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