Intolerância à lactose é uma expressão cada vez mais comum nas conversas do dia a dia, mas nem sempre usada corretamente.
Desconforto abdominal após consumir leite ou derivados costuma ser tratado como algo “normal” ou, pior, confundido com alergia alimentar. Especialistas alertam que essa confusão pode levar a restrições desnecessárias, erros de diagnóstico e até prejuízos à saúde ao longo do tempo.
Dados amplamente utilizados por organismos internacionais indicam que cerca de 65% da população adulta mundial apresenta algum grau de intolerância à lactose. Ainda assim, o tema segue cercado de mitos. Segundo o professor e pesquisador da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), João Pedro Veronezi, muitas pessoas convivem com sintomas como estufamento, gases ou diarreia acreditando que isso faz parte da rotina alimentar.
De acordo com o pesquisador, a intolerância à lactose ocorre quando o organismo produz pouca ou nenhuma lactase, enzima responsável por quebrar a lactose — o açúcar natural do leite — em glicose e galactose, que podem ser absorvidas pelo intestino. Quando essa digestão não acontece, a lactose segue intacta até o intestino grosso, onde é fermentada por bactérias da microbiota.
“Esse processo provoca sintomas típicos, como distensão abdominal, desconforto gastrointestinal, excesso de gases e diarreia”, explica Veronezi. A condição tem forte componente genético e tende a se intensificar com o envelhecimento, já que a produção de lactase diminui naturalmente ao longo da vida.
O problema, segundo o especialista, não está apenas no desconforto imediato. A falta de tratamento ou de ajuste alimentar adequado pode gerar impactos mais profundos, como alterações da microbiota intestinal, quadros de disbiose e prejuízos na absorção de nutrientes essenciais.
O leite e seus derivados seguem sendo uma das principais fontes alimentares de cálcio, mineral fundamental para a saúde óssea. A exclusão total desses alimentos, sem acompanhamento profissional, pode levar a deficiências nutricionais relevantes. “Mulheres na menopausa, por exemplo, já apresentam maior risco de perda de densidade óssea. Retirar o leite sem orientação pode aumentar o risco de osteoporose”, alerta o pesquisador.
Para confirmar a intolerância à lactose, o exame mais utilizado é a Curva de Lactose, que avalia a variação da glicemia após a ingestão de uma dose concentrada do açúcar. Se os níveis de glicose pouco se alteram, indica que a lactose não foi adequadamente digerida e absorvida.
Já a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é uma condição completamente diferente. Nesse caso, o problema não está na digestão, mas no sistema imunológico. O organismo identifica proteínas do leite — especialmente a caseína — como agentes invasores e desencadeia uma resposta inflamatória.
A APLV é mais comum em crianças pequenas, geralmente entre um e cinco anos, período em que o sistema imunológico ainda está em maturação. Os sintomas tendem a surgir rapidamente, de minutos até duas horas após o consumo, e podem incluir manchas vermelhas na pele, coceira, inchaço e, nos casos mais graves, choque anafilático, uma emergência médica.
Apesar da gravidade potencial, a alergia à proteína do leite pode ser reversível quando identificada precocemente. Em muitos casos, o tratamento envolve a exclusão temporária do leite e a reintrodução gradual, sempre sob orientação médica e nutricional.
Outro ponto frequentemente mal interpretado é o papel do estresse. Veronezi destaca que ansiedade e estresse não causam intolerância à lactose, mas podem desregular o funcionamento intestinal e intensificar os sintomas em pessoas já sensíveis.
A boa notícia é que o mercado oferece hoje uma ampla variedade de produtos sem lactose ou com teor reduzido, incluindo leites, iogurtes, chocolates e queijos, o que permite manter uma alimentação equilibrada sem abrir mão do prazer.
O alerta final dos especialistas é claro: não se autodiagnostique. Atribuir qualquer desconforto ao leite, sem avaliação adequada, pode resultar em restrições desnecessárias e riscos nutricionais. Buscar orientação profissional é o caminho mais seguro para entender o próprio corpo — e manter o leite no cardápio, sempre que possível.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Portal de Notícias






