O anúncio de que o governo do Rio Grande do Sul vai comprar leite em pó para aliviar a crise de sobreoferta colocou o setor lácteo novamente no centro das discussões sobre política comercial, concorrência com o Mercosul e sobrevivência da indústria local.
A medida, oficializada por meio da chamada pública 0004/2025 publicada no Diário Oficial, reserva R$ 86,5 milhões do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs) para adquirir 2,2 mil toneladas do produto exclusivamente de cooperativas gaúchas — uma injeção imediata de fôlego em um mercado que passou o ano sob forte pressão de preços e demanda retraída.
Segundo o Executivo estadual, a compra será direcionada a famílias em situação de vulnerabilidade social e nutricional, entre dezembro de 2025 e maio de 2026.
Mas, dentro do setor produtivo, o movimento é visto principalmente como uma estratégia emergencial para escoar parte do volume que se acumulou nos estoques das cooperativas.
A pressão vinha crescendo desde 2024, quando enchentes, retração do consumo e importações elevadas formaram uma tempestade perfeita para as indústrias e para os produtores.
A indústria, representada pelo Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat), comemorou a ação, embora não sem ressalvas. O secretário-executivo do sindicato, Darlan Palharini, recorda que esse apoio havia sido prometido ainda no período pós-enchentes, mas reconhece que chega em um momento crucial.
Em suas palavras, trata-se de “uma iniciativa importante e necessária”, que pode “abrir caminho para outras medidas de impacto”. Ele destaca que a expectativa é de que outros estados sigam a mesma estratégia para aliviar a pressão sobre o mercado interno.
O pano de fundo dessa pressão é o aumento contínuo das importações de leite em pó e muçarela vindas especialmente da Argentina e do Uruguai.
Palharini chama o fenômeno de “importação descontrolada”, destacando que a competitividade desses produtos chega ao mercado brasileiro a preços que as indústrias locais não conseguem acompanhar.
O Sindilat, assim como outras entidades do setor, passou a reivindicar a suspensão das licenças automáticas de importação — mecanismo que permitiria maior controle sobre o fluxo de entrada dos lácteos.
Além da suspensão das licenças, a indústria tem defendido que o governo federal adote medidas estruturais, incluindo compras públicas nacionais e políticas de incentivo às indústrias brasileiras que utilizem leite em pó e muçarela de origem local.
A justificativa é que, mesmo que a compra gaúcha esteja limitada às cooperativas, o alívio sobre parte do excedente beneficia toda a cadeia. Menos produto estocado significa menos pressão sobre preços e margens — especialmente em um momento em que cada centavo importa para a sobrevivência das fábricas.
No governo estadual, o discurso é de responsabilidade e ação concreta. O secretário de Desenvolvimento Rural, Vilson Luiz Covatti, afirma que a decisão reflete a sensibilidade do gabinete em relação ao drama vivido pelo setor lácteo.
Ele destaca que o governador Eduardo Leite “está fazendo a parte que cabe ao Estado”, reconhecendo que a crise demanda respostas conjuntas e coordenadas. Embora a iniciativa seja claramente paliativa, Covatti vê na compra uma forma de “amortecer os efeitos imediatos” da conjuntura adversa.
A fusão de esforços políticos e demandas do setor expõe o contraste entre a rapidez da iniciativa estadual e a lentidão percebida pelo setor em Brasília.
Para cooperativas e indústrias gaúchas, a compra das 2,2 mil toneladas é um sinal positivo — mas insuficiente diante do impacto crescente das importações. O setor aguarda, para os próximos dias, anúncios federais que possam sinalizar uma mudança de postura no controle das entradas do Prata.
Enquanto isso, o movimento do RS funciona como um recado claro: o Estado escolheu reagir. E, em um mercado tão sensível a oferta e demanda como o do leite, cada tonelada escoada faz diferença.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Canal Rural






