A produção de leite é, cada vez mais, uma peça-chave nos tabuleiros globais e regionais da segurança alimentar, da economia verde e da reindustrialização.
Enquanto o mundo se organiza para responder à crescente demanda por proteínas de alta densidade nutricional — que deve crescer 17% até 2034 segundo OCDE e FAO — o Brasil ainda hesita em consolidar sua posição estratégica no setor lácteo.
Embora seja o terceiro maior produtor nacional, com mais de 4,4 bilhões de litros de leite por ano, o Rio Grande do Sul ainda está longe de transformar sua vocação produtiva em protagonismo econômico de fato.
Em 2024, o Brasil importou cerca de 2,3 bilhões de litros em equivalente-leite, sinal claro de uma dependência externa que contrasta com o potencial interno.
O setor ainda carece de políticas públicas consistentes, melhor competitividade industrial e valorização do produtor.
No Rio Grande do Sul, o leite é produzido em 493 dos 497 municípios, movimenta R$ 6,6 bilhões por ano, gera emprego e fixa famílias no campo.
A Região Noroeste lidera o volume enviado para industrialização, com destaque para municípios como Ijuí, Santa Rosa e Passo Fundo.
Mas quantidade, sozinha, não basta. O futuro do leite gaúcho passa por agregar valor, industrializar regionalmente e organizar cadeias cooperativas robustas — exatamente como demonstram iniciativas inspiradoras no Paraná.
Durante a Agroleite 2025, em Castro (PR), promovida pela Castrolanda, ficou evidente como a integração entre inovação, gestão e cooperação transforma o leite em alavanca de desenvolvimento regional.
O Paraná, aliás, já superou o RS e ocupa o segundo lugar no ranking nacional, atrás apenas de Minas Gerais.
Um bom exemplo de avanço industrial está na inauguração recente da planta da Whey do Brasil, em Palmeira das Missões (RS).
Fruto da união de cooperativas e laticínios locais, a unidade tem capacidade para processar 1,4 milhão de litros por dia.
A planta transforma o soro do leite — antes considerado resíduo — em proteína em pó de alto valor agregado, com aplicações em suplementos e farmacêuticos, exatamente como já ocorre nos Estados Unidos.
Esse tipo de empreendimento é o que pode mudar o patamar do setor no estado. Mais do que produzir litros, é preciso transformar leite em valor econômico real.
Outro ponto central é o fortalecimento das cooperativas, historicamente importantes para dar escala, acesso ao mercado e proteção ao produtor.
O modelo gaúcho, embora presente, ainda precisa de mais sinergia entre produção e processamento, especialmente diante da pressão por custos e concorrência externa.
Além disso, o Estado precisa assumir o leite como ativo estratégico, com políticas públicas voltadas à industrialização local, crédito específico, incentivos à inovação tecnológica e garantias ao produtor.
No atual cenário geopolítico, alimentar e ambiental, o leite é mais do que um alimento: é uma resposta viável à insegurança alimentar, uma alavanca para o desenvolvimento regional sustentável e uma oportunidade concreta de negócios para o Brasil.
Hoje, a balança comercial brasileira de lácteos ainda é negativa. Isso significa que importamos mais do que exportamos.
E isso acontece, em parte, porque não conseguimos competir em escala e custo com os países do Mercosul, como Argentina e Uruguai — que subsidiam sua produção e têm câmbio mais favorável.
Reconhecer o leite como ativo estratégico, portanto, não é um luxo: é uma necessidade econômica e geopolítica. E isso começa com ações locais, como as que já começam a florescer no interior do Rio Grande do Sul.
A consolidação da industrialização regional, a formação de arranjos cooperativos modernos e a formulação de políticas de Estado — não de governo — podem colocar o leite gaúcho no protagonismo que merece.
Se o mundo está sedento por proteínas sustentáveis, o leite brasileiro pode e deve ocupar esse espaço. O Rio Grande do Sul tem tudo para liderar esse movimento — mas precisa sair da defensiva e pensar grande.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de GZH