A frequente associação entre queijos e mineiros é resultado de séculos de receitas familiares, rurais, tradicionais e únicas. Um estudo desenvolvido por uma rede de pesquisa, que conta com a participação da Universidade Federal de Lavras (UFLA), pretende identificar as comunidades de microrganismos, principalmente as bactérias, que podem ser encontradas nos queijos do tipo Minas Artesanal (QMA), da Serra da Canastra e da microrregião de Araxá.
Em outubro de 2022 e janeiro deste ano, pesquisadores da UFLA e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram a diversas cidades dessas regiões para coletar amostras. Também foram coletados dados das 29 propriedades participantes e sobre a produção e a comercialização dos queijos.
O estudo irá permitir a identificação completa das bactérias presentes nos queijos do tipo Minas Artesanal ao longo de seu processo de maturação (popularmente conhecida como “cura”). A associação da presença dos microrganismos nesses queijos, com características desejáveis e não desejáveis, permitirá melhorar as condições de produção e definir quais são os microrganismos que tornam único cada um deles. Diferentes composições nas espécies microbianas podem ter diferentes impactos no queijo, afetando sua qualidade, sua segurança e suas características sensoriais (como aroma, coloração, consistência e sabor).
Todos os resultados produzidos a partir das amostras e das informações coletadas serão usados para definir o perfil da assinatura dos microrganismos, o que pode ser entendido como a “impressão digital” de cada região/propriedade, ou seja, aquilo que torna único o queijo de cada um desses locais. Também será possível avaliar a presença de microrganismos patogênicos aos seres humanos, contribuindo para determinar a qualidade sanitária dos queijos e a segurança da população ao consumi-los. Dessa forma, o projeto pretende identificar o perfil de microrganismos de acordo com a região produtora do QMA (Canastra ou Araxá) ou propriedade, avaliando também as diferentes etapas do processo de maturação.
De acordo com a subcoordenadora da rede de pesquisa e professora da Faculdade de Zootecnia e Medicina Veterinária (FZMV/UFLA), Elaine Maria Seles Dorneles, essa abordagem abrirá novos horizontes. “O nosso estudo irá contribuir para o desenvolvimento de combinações de espécies e amostras microbianas que auxiliam na fermentação dos queijos. Isso irá ajudar na produção de aromas e de propriedades sensoriais mais desejáveis, além de ajudar no combate a microrganismos mais nocivos que podem ser encontrados nesses produtos tão importantes do ponto de vista econômico e cultural. O trabalho também ajuda o produtor a garantir um queijo homogêneo ao longo do ano, pois, conhecendo a população microbiana benéfica, ele pode sempre produzir um queijo de mais qualidade”, explica.
A previsão de conclusão do estudo é de dois anos. A etapa de coleta já está finalizada e, agora, a equipe está dando andamento à etapa laboratorial, analisando os dados. Os primeiros resultados foram apresentados aos produtores em junho deste ano e mostram que a comunidade microbiana já existente protege os queijos contra as bactérias que possam ser nocivas à saúde.
A pesquisa está sendo realizada pela Rede de Pesquisa e Inovação em Sanidade da Pecuária Leiteira (Inova Leite), financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Métodos e análises
Para a realização da pesquisa, está sendo utilizada uma técnica chamada metagenômica, que permite identificar todas as bactérias presentes nos queijos ao longo da sua maturação, incluindo aqueles microrganismos que não podem ser cultivados por serem muito exigentes. A metagenômica de queijos dessa região é uma técnica inovadora e uma ferramenta muito importante para caracterizar essas comunidades microbianas, permitindo identificar bactérias boas para a fermentação do queijo e também aquelas que possam ser nocivas ao consumidor.
A matéria-prima utilizada na fabricação dos queijos (o leite, a água e o pingo, que é o soro do queijo obtido da fabricação do dia anterior, aproveitado no dia seguinte, contendo os microrganismos característicos da propriedade) já está sendo analisada, assim como os queijos em seis pontos diferentes do processo de maturação (0, 7, 14, 28, 42 e 63 dias após a fabricação).
Essas análises estão sendo feitas por meio de testes microbiológicos e físico-químicos (porcentagem de gordura, de proteína, etc.), por meio da metagenômica (extração de DNA e detecção de todos os microrganismos) e com o uso da técnica de reação em cadeia da (PCR), uma ferramenta diagnóstica que permite identificar a presença dos microrganismos, mesmo se presentes em pequenas quantidades na amostra. Serão buscados os patógenos Brucella spp., Campylobacter spp.; Listeria spp., Mycobacterium bovis, Salmonella spp. e Staphylococcus aureus, que possuem grande impacto na área da saúde, pois podem causar intoxicações alimentares graves em humanos, além de doenças como a brucelose e a tuberculose.
Ao final do processo, serão investigadas, por meio do uso de algoritmos, a interação entre os microrganismos dos queijos e as suas características sensoriais (cor, sabor, aroma, etc.) e físico-químicas.
O estudo já conta com análises microbiológicas e físico-químicas iniciais.
A Inova Leite
Além de ser subcoordenada pela professora Elaine, a Rede Inova Leite é coordenada pelo professor da UFMG Andrey Pereira Lage.
A rede de pesquisa também conta com o apoio de pesquisadores e profissionais de diferentes instituições de Minas Gerais e do Brasil: da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater); do Instituto Mineiro de Agropecuária (Ima); da Secretaria do Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa); do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) de Bambuí; da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM); da Universidade de São Paulo (Usp); da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e de duas associações de produtores de Queijo Minas Artesanal, a Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan) e a Aquamara.
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – Fapemig.
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- Escrito por Claudinei Rezende