Foi na véspera de uma aula do curso de queijista onde sou professora em Paris que me dei conta da gravidade da situação: “professora, amanhã eu não venho, não consigo nem pensar em comer uma dezena de queijos azuis no mesmo dia, ainda mais começando de manhã cedo…” me preveniu um aluno com cara de “desolé”.
Confessou que ficava com vergonha, na frente dos colegas, de não comer os azuis. Imagina a gravidade da situação, alguém que faz um curso de um ano para aprender a vender queijo e não quer comer queijo azul. Aconselhei o terapeuta da escola, claro.
O problema do desgosto dos franceses pelos queijos azuis é antigo, o roquefort DOP por exemplo, perde quase 900 toneladas de volume por ano, segundo o relatório dos volumes de todas os queijos de denominação de origem da França publicado pelo Conselho Nacional das Denominações de Origem (Cnaol). A salvação é que eles são cada vez mais exportados, pois os estrangeiros, principalmente os americanos, estão descobrindo, e amando, queijos azuis.
Prova disso é que por dois anos foram queijos azuis que conquistaram a boca mais de 250 jurados estrangeiros e ganharam os concursos do World Cheese Awards: o americano rogue river blue e o nidelven blåa, da Noruega. (Aliás, produtores brasileiros, em breve começam as inscrições para esse concurso internacional importantíssimo).
Quando mudei para Paris em 2011, uma colega fazia seu doutorado para explicar porque os franceses estão desprezando queijos azuis. Na hipótese dela, a culpa é das escolas acharem que queijos azuis são muito fortes para crianças e não servirem nas cantinas. Quando a criança vira adulta, continua sem comer azul porque não criou o habito. Faz sentido.
Outro fato que explica a tragédia são os 80 anos de doutrinação da indústria da alimentação, desde a segunda guerra, que ensinou os paladares europeus a gostarem de coisas padronizadas, consensuais, sem sabores fortes, para atingir um publico maior e não incomodar ninguém.
Então o povo hoje quer moleza, queijos azuis ultra cremosos e com sabores suaves são a tendência máxima do consumo atual.
Mas voltando ao aluno traumatizado, contei pra ele que a França tem 7 queijos azuis de denominação de origem protegido – DOP: roquefort, bleu de causses, fourme d’Ambert e fourme de Montbrison, bleu d’Auvergne, bleu de Gex e bleu de Vercors. Todos podem ser feitos de leite cru, e cada um tem uma cultura ligada a seu terroir, que transversalmente conta a historia da agricultura na França.
Prometi que ninguém ia reparar dele só ouvir a aula e não provar… Usei todo meu charme e, ufa, ele veio. No final até provou um gorgonzola dolce, ótima porta de entrada para quem acha que não gosta de queijo azul. Mas não provou o cabrales, queijo azul espanhol que de tão forte pode ser a porta de saída definitiva para alguém detestar todos os azuis…
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O décret fromage (decreto do queijo francês), que define todos os queijos do país, define que o nome bleu (azul) “é reservado a um queijo curado, de pasta ligeiramente salgada (…) e com veios azuis devido à presença de bolores internos de cor azul esverdeado a branco acinzentado.”
Mas temos muito mais subcategorias: marmorizados, com olhaduras, com veias, cremosos, quebradiços; e outras em relação às cascas que podem ser nuas (sem casca), mofadas de azul ou de cascas floridas brancas ou naturais.
No Brasil os paulistas estão à frente nos queijos azuis, com os autorais azul britânia e o duzu da Belafazenda, o novissimo azul da Pardinho e o maravilhoso e único no mundo dolce bosco da Capril do Bosque, ente outros. Em Minas Gerais temos o belmiro blue, da queijaria La Porta.
E também o azul de Minas, da Cruzilia, que combina cremosidade e mofo suave, mais acessível e vendido nos supermercados para quem quer começar.
Para quem quer se lançar e nunca provou os queijos azuis, convide bons amigos para fazer degustações comparativas e, para descontrair, coloque músicas para inspirar: Azul de Gal Costa e Azul e depois Azul da cor do mar de Tim Maia e deixe a inteligência artificial lançar as outras…