O leite desnatado, frequentemente visto como a opção “mais leve” ou “mais saudável”, pode não ser o melhor aliado para quem sofre de intolerância à lactose.
A nutricionista Ana Amaral, em entrevista ao programa Metropole Saúde, alertou que o produto, por ter menos gordura, acaba concentrando maior quantidade de lactose — o açúcar natural do leite — e, por isso, pode causar maior desconforto intestinal do que o leite integral em pessoas sensíveis à substância.
“Ao contrário do que muitos pensam, o leite desnatado tem uma concentração mais alta de lactose, porque a gordura, que é retirada no processo de desnatação, ajuda a diluir esse açúcar natural”, explicou Amaral.
🥛 A matemática do leite: menos gordura, mais açúcar
A relação é simples, mas muitas vezes ignorada. O leite integral contém, em média, 3% de gordura, enquanto o desnatado tem menos de 0,5%. Quando essa gordura é retirada, o volume relativo de lactose e proteínas aumenta. Em outras palavras: o produto “parece” mais leve, mas é mais concentrado em carboidratos lácteos, o que torna a digestão mais difícil para quem tem deficiência na enzima lactase, responsável por quebrar a lactose no intestino.
Essa constatação desmonta um dos mitos mais comuns entre consumidores: a ideia de que o leite desnatado seria melhor para intolerantes por conter menos gordura e, portanto, menos “peso digestivo”. Segundo Amaral, é justamente o contrário. “A gordura ajuda a retardar a absorção da lactose, tornando o processo mais tolerável em alguns casos. Quando ela é retirada, a lactose age de forma mais direta e rápida no organismo”, detalha.
🧀 Derivados podem ser melhor tolerados
A nutricionista também destacou que nem todos os produtos lácteos têm o mesmo impacto sobre o organismo de quem tem intolerância. Queijos maturados e iogurtes fermentados, por exemplo, costumam conter quantidades bem menores de lactose, graças à ação de bactérias durante a fermentação.
“Requeijão não, porque é fresco e mantém boa parte do soro. Mas queijos mais fermentados e maturados têm menos lactose, porque o processo de fermentação e a retirada do soro eliminam boa parte do açúcar natural do leite”, esclareceu Amaral.
Nos iogurtes naturais, ocorre algo parecido. As culturas vivas utilizadas na fermentação consomem parte da lactose, o que torna o produto mais tolerável — e até benéfico — para pessoas com intolerância leve.
💊 Medicamentos e tipos de intolerância
Nem todos os casos de intolerância à lactose são permanentes. Amaral lembra que há dois tipos principais: a intolerância primária, de origem genética, e a secundária, que pode surgir temporariamente após infecções intestinais, cirurgias ou doenças que danificam as vilosidades do intestino.
“Quem tem intolerância primária pode precisar usar enzimas de lactase pelo resto da vida. Já nas formas secundárias, depois que o intestino se recupera, a produção de lactase tende a voltar ao normal”, pontua.
O tratamento com enzimas de lactase — disponíveis em comprimidos, gotas ou pós — é uma ferramenta eficaz para reduzir sintomas como cólicas, gases e distensão abdominal. No entanto, Amaral alerta que o consumo deve ser orientado por um nutricionista ou médico, já que o grau de intolerância varia muito entre indivíduos.
🍶 Consumo consciente e leitura de rótulos
A especialista recomenda que consumidores intolerantes leiam com atenção os rótulos dos produtos lácteos, pois muitos alimentos “sem lactose” ainda contêm pequenas quantidades do açúcar residual. No Brasil, a legislação permite que produtos rotulados como “zero lactose” apresentem até 0,1 g de lactose por 100 g — um valor mínimo, mas que pode causar sintomas em pessoas altamente sensíveis.
Além disso, Amaral ressalta que o termo “sem gordura” não é sinônimo de “sem lactose”. O leite desnatado continua sendo um leite normal do ponto de vista do açúcar natural, apenas com o perfil de gordura modificado.
🧭 O mito da leveza e o peso da desinformação
O caso do leite desnatado ilustra um problema mais amplo: a desinformação nutricional alimentada por décadas de marketing focado na “leveza” e na “baixa caloria”. Na busca por uma alimentação mais “fitness”, muitos consumidores substituem o leite integral por versões desnatadas acreditando estar fazendo um favor ao corpo — mas, para quem tem intolerância à lactose, essa troca pode significar mais desconforto e menos qualidade de vida.
“O leite integral, desde que consumido com moderação e dentro de uma dieta equilibrada, pode ser melhor tolerado e até mais nutritivo. Demonizar a gordura natural do leite foi um erro que estamos começando a corrigir”, conclui Amaral.
Enquanto o debate sobre o papel do leite na dieta humana continua, cresce o consenso entre especialistas: entender a composição dos alimentos é mais importante do que seguir rótulos de moda.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Metro 1






